sexta-feira, 4 de março de 2016

Entre ricos e pobres em Lima, Peru

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Passadas as lindas tribulações em Cusco, nas caminhadas no Vale Sagrado dos Incas, e finalmente em Machu Picchu, era chegada a hora de visitar a capital peruana, Lima. 

Lima tem um astral completamente diverso daquele encontrado nos Andes. É Peru, mas um outro ambiente. Não procure mais pelas montanhas, lhamas, nem pelas ruínas incas. Inca, aqui, só mesmo o sangue das pessoas e os seus hábitos culturais (a culinária continua maravilhosa). 

Lima lembra muito o Brasil  inclusive nos seus contrastes. Aqui você vê claramente que há o Peru dos pobres e o Peru dos ricos ocupados com o lançamento do último iPhone. Aquele seu primo que crê num excepcionalismo negativo brasileiro, que vive dizendo "Isso é Brasil"como se certas coisas só existissem aí, faria bem em vir aqui a este lado da fronteira. Ele veria muito do mesmo que há aí, tanto de bom quanto de ruim  só que com toques peruanos.
Lima me lembra um pouco São Paulo.
Comecei pelo lado rico.

Cheguei em Lima num voo desde Cusco, saindo do seu pequeníssimo e excessivamente caloroso aeroporto. (O diacho estava com o ar condicionado defeituoso, e as pessoas amontoavam-se sentadas no chão por falta de espaço. Na fila, "Jesus Evangelista" se abanava na minha frente com o seu cartão de embarque. Esperei que, pra compensar, pudesse sentar-se do meu lado no avião uma bela garota simpática. Mas que nada, veio foi uma senhora espaçosa comendo empanada de carne, cujo cheiro se espalhou por toda parte. Na outra mão, tinha uma garrafa pet de coca-cola, e ao ler ia passando a mão da empanada na língua  igual avó.)

Señor Rafael, da acomodação que reservei, enviou alguém para nos buscar no aeroporto. Sua pousada não tinha fachada, certamente para não pagar impostos. Se você ali chegasse, veria apenas uma residência, sem nome e sem suspeita de haver qualquer atividade comercial. (Señor Rafael era meio chato, daqueles homens de 40 e poucos anos com pinta de técnico de informática e que lhe explicam as coisas como quem se crê muito mais sagaz que os outros.) 

Instalei-me no bairro de Miraflores, uma das áreas mais bonitas de Lima. É onde recomendo se hospedar. Lembra uma Vila Madalena paulistana ou uma Savassi de Belo Horizonte  uma área de classe média alta, limpa, bem conservada, com flores nas praças, e diferente do "grosso" da cidade onde mora o povão. Tem boas lojas, bons restaurantes, shopping, e tudo que o turista gosta. 

É também a única área realmente bonita de Lima.
Como no Brasil, o dinheiro público é seletivo. Limpeza, segurança e asseio são cuidados reservados aos bairros onde há dinheiro.
As avenidas em Miraflores durante o dia.
O Shopping Larcomar, à costa do Oceano Pacífico.
Entardecer no Larcomar.
O Larcomar é um tanto caro, mas tem muitas lojas boas. Ganhei até um recibo premiado no T.G.I. Friday's e voltei pra comer outro prato de camarão.

A comida aqui continua maravilhosa. Há ótimos restaurantes e boa vida noturna em Miraflores. É fácil tomar um pisco sour (drinque peruano e chileno, com suco de limão, clara de ovo batida, e um destilado de uvas), achar um marisco com pimenta huancaína (abaixo), e provar um delicioso suspiro limeño (com clara de ovo batida e leite condensado) de sobremesa. Você aqui come muito bem, e em ambientes agradáveis.
(Favor não ler Las Tetas.) Las Tejas é um dos restaurantes mais legais de Lima. Excelente comida.
Um camarão à pimenta huancaína divino.
Estes são Picaronas, frituras de batata doce com calda de abóbora. Delicioso pra quem gosta de doce. (Você acha também fácil pra comprar na rua, em carrinhos de pipoqueiro.)
E, pra aproveitar a deixa, o suspiro limenho de que falei. Ali embaixo é um creme de leite condensado, coberto pelo creme de clara de ovos.

Lima não tem assim exatamente pontos turísticos imperdíveis a ver  é uma cidade grande com opções de gastronomia, compras, etc. Embora fique no litoral (e na mesma latitude que Salvador, na Bahia), Lima é em geral cinzenta, às vezes faz frio, e carece de praias decentes. O Oceano Pacífico aqui tem águas frias e está longe de oferecer aquela tropicalidade do Nordeste do Brasil.
A praia.
A orla.
Mas quem gosta de alguma coisa histórica, sobretudo igrejas coloniais, pode se interessar em ver o centro de Lima. Vamos à parte pobre. 

Tomando o Metropolitano (não chame de metrô, pois Metro é uma rede de supermercados em Lima e as pessoas poderão lhe dar direções pra onde você não quer ir) em Miraflores você chega até o lindo centro de Lima, onde pode conferir mais de 50 tons de cinza.
As vias de concreto por onde se vai ao centro. Aqui passa o Metropolitano, um sistema de canaletas de ônibus (BRT). (Eu sempre acho tragicamente engraçado quando meus amigos europeus falam da América do Sul como se fosse um lugar super verde, e cidades cheias de árvores beirando a selva. Não sabem que as cidades europeias são mais verdes que as nossas, e que a selva aqui é de pedra.) 
Primeiras vistas do centro de Lima. Repare que até o símbolo do McDonald's (na esquerda da foto) acabou virando preto.
As charmosas ruas do centro de Lima.
Senhor com seu gato num sebo no centro.
A praça principal, com o Palácio de Governo, é uma das salvações.

Passei um dia inteiro caminhando por estas ruas nada encantadoras. Pode não ser bonito, mas eu quis conhecer. Tomei café numa lanchonete que lembra aquelas do centro do Rio de Janeiro e, chegada a hora do almoço, entrei numa birosca para comer. Detrás do balcão, um homem de boné com ar de infelicidade largou seu rádio e veio nos atender. Foi gentil  embora seu refinamento fosse de pedreiro gentil. Nas paredes verdes, um armário de garrafas (de vidro) de coca-cola e inca cola dividia espaço com um retrato de Jesus e uma caixa de primeiros socorros. De uma portinhola ao fundo, uma mulher despachava os pratos.

Pedi uma sopa de peixe com batatas e pimenta. Grátis vinha um refresco ralo, que eu nem sei de que foi, numa canecas toda molhada como a mão dele quando bateu na mesa como quem entrega chopp. 

Na minha frente, um rapazinho com cara de ajudante de obras parecia comer a mesma coisa. Pombos entravam na birosca à vontade, a quem o rapaz sem cerimônia nenhuma jogava pedaços de comida no chão.  
A birosca, com o rapaz amigo dos pombos.
Balcão com o senhor ali atrás ouvindo rádio, e o outro senhor na parede.
A minha deliciosa sopa de peixe. (Mentira, foi uma das sopas mais tenebrosas que já tomei, talvez só comparável à sopa de grama que tomei na Bielorrússia. Certa hora vi boiando algo que pensei ser um caroço de limão, até que me dei conta de que era um dos olhos do peixe.) 
Após esse épico almoço, fui ao histórico santuário de Santa Rosa de Lima para me depurar. Há igrejinhas barrocas muito bonitinhas no centro de Lima (das poucas coisas realmente merecedoras de visita turística ali). Na rua, há uma longa seleção de casas de cartomantes, incensos variados, artigos de "santería" e todo sorte de coisas que ilustram o característico sincretismo religioso latino-americano. 
Uma rua bonitinha no centro.
No aprazível santuário de Santa Rosa de Lima, no centro da capital. Santa Rosa foi a primeira pessoa do continente americano a ser canonizada.
Fronte da Basílica de São Marcelo, também no centro.
Lojas vendendo produtos espirituais de toda sorte, aqui com este notável anúncio de serviço.

No fim das contas, Lima é a cara do Brasil, esta mesma cara latino-americana. 
Eu voltaria a Lima antes do imaginado (e pretendido). Embora não seja lá esse balaio, não deixa de sempre ser um destino gastronômico agradável. Concluía, por ora, a minha andança pelos Andes.

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