sexta-feira, 25 de março de 2016

Visitando Granada e os jardins e palácios de Al-Hambra

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"Granada, tierra soñada por mi...", imortalizaram os tenores.

E Granada é realmente um sonho. Não entendo por que demorei tanto a visitá-la. Albergada a 700m de altitude na Sierra Nevada no sul espanhol, Granada foi o último reino muçulmano da Espanha. Preservaram-se aqui lindos símbolos dos 800 anos de presença árabe, e a cidade hoje é uma fofura, de médio porte mas com aquele ar de cidadezinha de montanha. Mais importante, aqui deixaram o magnífico complexo palaciano de Al Hambra ("A Vermelha"), sinceramente um dos monumentos mais impressionantes que há para visitar no mundo.

Mas primeiro, caso você não conheça a lendária canção de ópera a que me referi acima (ou queira ouvi-la mais uma vez), vamos preencher essa lacuna antes de seguir. É uma das minhas canções de ópera preferidas, de 1932 pelo compositor mexicano Agustín Lara. Embora haja outras versões, algumas de jovens tenores, acho que demorarão a bater o charme que Placido Domingo consegue imprimir a esta música.


Placido Domingo canta Granada, dramática ópera sobre a cidade espanhola.

Chegar a Granada é fácil. São poucas horinhas de ônibus ou, preferivelmente, trem, o modo mais civilizado de se deslocar na Europa. Da estação, um ônibus urbano te leva tranqüilamente até o centro  da cidade  não queime o seu dinheiro com táxi. Aqui recomendo passar umas 2 ou 3 noites, pois o centro você vê rápido. Mas guarde pelo menos uma manhã inteira para a Al Hambra, para dedicar tempo suficiente ao monumento.

Quando nós chegamos era fim de tarde, num trem desde Málaga. Os raios de sol bem amarelos entravam espetacularmente pelas ruas de Granada, incidindo sobre prédios e sobre as muitas árvores de folhas também amarelas pelo outono.
Sol poente resplandecendo pelas ruas de Granada.
Grande boulevard de árvores amareladas, a Gran Vía de Colón, uma das principais artérias da cidade.
Já ao anoitecer.
Não se equivoque: como você já deve ter percebido pelas fotos, Granada não é um vilarejo na montanha, é uma cidade de médio porte. As ruas estão cheias de jovens (senti mais cheiro de maconha do que gostaria), há ótimas lanchonetes e cafeterias por toda parte, e inclusive boa vida noturna. O próprio baladear-se por essas lindas avenidas vendo o movimento já é algo gostoso.

O que você não deve perder, no entanto, são a linda catedral de Granada, o mausoléu dos reis católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão (enterrados juntos aqui), e a magnífica vista do Mirador de San Nicolas na charmosa vizinhança de Albayzin. De lá você fica frente a frente com o complexo de Al Hambra.

A catedral fica bem no centro da cidade, no pequeno miolo de ruas estreitas. Esta, na verdade, é uma parte menos antiga de Granada, datada do século XVI em diante, após a conquista dos reis cristãos. Tentaram dar uma certa "arabizada" forçada pra turista ver, com restaurante libanês e bugingangas turcas a preço de Europa à venda ali, mas não se deixe ludibriar. A parte realmente árabe-medieval é a vizinhança de Albayzin, que veremos mais adiante.
Bugingangas de camelô, do tipo pega-turista, tentando aproveitar-se do aroma árabe de Granada. (Deixe pra comprar essas coisas bem mais barato na Turquia ou ao Marrocos.)
Amplos vãos na imensa catedral de Granada. Observe o tamanhico das pessoas.
Decorações bastante refinadas.
E muito ornamento em ouro e prata, pois, como se sabe, Jesus dava grande valor à riqueza material.
Próximo dali, numa outra das várias igrejas é que estão enterrados juntos Isabel de Castela e Fernando de Aragão, os reyes católicos que em 1492 conquistaram Granada, o último reino islâmico na Península Ibérica, e casando-se unificaram a Espanha. (Em 1580 a Coroa Espanhola anexaria também Portugal, no que ficou conhecido como União Ibérica, até que em 1640 este se separou novamente. E agora no século XXI temos a Catalunha, onde fica Barcelona, também querendo se separar.)

Eu tenho muito pouco respeito por Isabel de Castela e por Fernando de Aragão, pois deram início a um período terrível na Espanha, de fundamentalismo religioso, expulsão ou conversão forçada dos judeus e mouros, criação do Tribunal da Santa Inquisição, falta de higiene e destruição de todos os banhos públicos (pois lavar-se, para eles, era coisa de mouro, já que os muçulmanos precisam lavar os pés e as mãos antes de orar), fim da promoção que os árabes haviam dado às ciências... enfim, um período mega retrógrado, que acabou com o brilhantismo que era a Ibéria medieval, e que só se sustentou por causa da rapinagem dos recursos das Américas.

Mas mesmo assim fui vê-los, por interesse histórico, e acho que vale a pena. Não é permitido tirar fotos, mas o arranjo é enorme, com duas efígies banhadas em ouro, juntas (embora role boatos de que Isabel "se dava" com Cristóvão Colombo e que Fernando de Aragão não achava graça nenhuma nisso...). Tudo isso rodeado de muita arte sacra patrocinada com o ouro americano.
Neste monumento, no coração da cidade, temos a cena clássica: Cristóvão Colombo fazendo sua proposta de viagem a Isabel de Castela, sentada no trono.
Finalmente, vamos a Albayzin, iniciar a Granada medieval, do seu tempo de maior glória.

É possível subir a pé até o Mirador San Nicolas  se você não se importar de caminhar pra cima por aquele calçamento de pedras típico de cidades antigas. Uma opção muito praticada é subir de ônibus (há muitos micro-ônibus pra todo canto da cidade) e descer a pé. (Pra descer todo santo ajuda.)

Suba pra ver o pôr do sol sobre a Al Hambra. É magnífico.
As ruelas medievais do bairro de Albayzin em Granada.
Albayzin, com o sol poente já encandeando o horizonte mais além.
Mirador San Nicolas ao final do dia. As cores na paisagem da cidade e seus arredores são impressionantes.
As últimas luzes do dia sobre a Al Hambra.
Pra visitar a Al Hambra, é preciso ficar atento.

Eu fui à noitinha, na maior inocência, à loja governmental oficial do palácio, no centro de Granada. É uma adorável loja de souvenirs com CDs de música flamenca, decorações, livros sobre o medievo árabe da Espanha, entre outras coisas.
 "Eu gostaria de duas entradas para amanhã, por favor", pedi eu sentindo-me o Dr. "prevenildo", pra chegar lá já com as entradas.
 "Lo siento", replicou a moça, "pero ahora solo las tenemos para lunes." Só teriam entradas para segunda-feira, alguns dias à frente. Até lá, tudo esgotado.

Pisquei. Aí a moça me disse que a única alternativa era a cota de entradas que eles guardam para vender no dia às portas do monumento, pra os primeiros que chegarem.

Às seis horas da manhã do dia seguinte estava eu atrás da estátua de Isabel de Castela. Tudo escuro, um frio já de inverno mordendo as pontas dos dedos. Alguns jovens na rua pareciam voltar da festa enquanto eu aguardava com minha mãe o primeiro ônibus colina acima. Junto de nós, só uma garota asiática.  

Disseram-me que, como não era alta estação (maio a setembro), havia boas chances de conseguirmos.
Na companhia de Isabel e Cristóvão, esperando o primeiro microônibus nos pegar.
Chegando lá, tudo ainda escuro com os ciprestes.
O ermo na entrada. Só havia os seguranças.
Entrada para o complexo de Al Hambra. Ali à esquerda ficam as bilheterias.
Qual foi a minha surpresa ao ver que seria o primeiro da fila (eu fui mais rápido que a asiática). Depois vieram mais pessoas e a fila cresceu, mas eu sabia que as minhas entradas estavam asseguradas. Dei sorte, mas evite correr esse risco, sobretudo se você vier nos meses quentes. (Você pode comprar as entradas online com cartão de crédito com semanas ou até meses de antecipação.)

O complexo de Al Hambra é bastante grande, com diversas áreas diferentes a serem visitadas, como o mapa colorido ali sugere. As mais importantes são os Palácios Nazaries e os Jardins de Generalife. Comida do lado de dentro é escassa e cara, então a minha sugestão é tomar um café reforçado e ficar até o almoço. (Eu consegui uns quitutes básicos com café con leche numa cafeteria ali junto da bilheteria, antes que abrissem os portões.)

Seu ingresso virá com uma hora exata em que você será admitido nos Palácios Nazaries  não bobeie com isso. Eles são provavelmente a parte mais bela do complexo, e como todo mundo quer ir lá, eles designam um número limitado de pessoas para cada hora.

Tive sorte e a minha hora assinalada foi logo às 09:00h, então nos dirigimos imediatamente pra lá.

No caminho, era possível desta ver o sol do amanhecer sobre o casario branco do bairro de Alcayzin.
Caminhos de entrada pelos jardins de Al-Hambra. 
Vista para o bairro de Alcayzin em Granada. Al-Hambra, à época, era uma cidade à parte.
Nascer do sol sobre Alcayzin. (O Mirador de San Nicolas está bem abaixo daquela torre ali à esquerda.)

E entramos. O palácio, naturalmente, estão vazios no interior, mas sua arquitetura e a arte nas paredes já são de embasbacar. Achei ainda maior e mais impressionante que os palácios árabes vistos no Marrocos.
Janelas mouriscas com vistas para Granada.
No interior dos Palacios Nazaries.
Paredes belamente decoradas. 
Áreas externas com chão de mármore, plantas e fontes.
A riqueza de detalhes é simplesmente surreal.
Jardins internos no palácio.
Estes palácios foram construídos e habitados pela dinastia de Nasrid, governante desta região entre os anos de 1238 e 1492. (Daí o nome espanholado de Nazaríes).

Nessa época a Península Ibérica já estava quase toda novamente nas mãos de monarcas cristãos (portugueses, castelhanos e aragoneses), à exceção de Granada. Disputas fratricidas entre as próprias dinastias muçulmanas haviam enfraquecido consideravelmente a força dos monarcas mouros na Península Ibérica. E, sobretudo, àquela altura eles haviam se segregado daqueles que permaneciam no norte da África (atual Marrocos), tornando-se vulneráveis.

Por sorte, quando da conquista de Granada em 1492, o reino já estava tão enfraquecido que não houve guerra. Foi um cerco e a capitulação. Al-Hambra, portanto, ficou inteira.

(Já o destino dos mouros e dos judeus que viviam sob sua égide não seria tão tranquilo. Embora os termos de capitulação em geral incluíssem liberdade religiosa, na prática a política era de conversão forçada ou expulsão com uma mão na frente e outra atrás, sem os bens.)

Isabel de Castela e Fernando de Aragão passaram então a fazer governar daqui com a sua corte. Em 1526, seu neto Carlos V adicionaria um palácio novo, de estilo neoclássico e que também pode ser visitado  bonito, embora bem menos impressionante.
Frente do Palácio de Carlos V, em estilo neoclássico.
Pátio no interior do palácio.
Bosques ao redor de Al Hambra, ainda com as brumas da manhã.
Nas vastas áreas abertas do interior do complexo. 
Você pode passar horas aí vendo cada recanto do complexo; o que não pode deixar de visitar são os Jardins de Generalife, a uns 20 minutos caminhando desde a área desses palácios acima (eu avisei que o lugar era grande).

"Generalife" é uma corruptela de Jannat al-Arif, ou "jardins do arquiteto" em árabe. Trata-se da residência de verão dos monarcas Nasrids, um espaço repleto de plantas e fontes. (Hoje em dia parece ser moda fazer fotos de casamento aqui.)
Jardins de Generalife, a residência de verão dos monarcas mouros Nasrids, dos séculos XIV e XV.
De lá você também tem ótimas vistas para o restante do complexo.
Inclusive por janelinhas muito bonitas.
Digno de sonho ou não?



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