sexta-feira, 1 de abril de 2016

A Sicília! Bem vindos a Siracusa, no extremo sul da Itália.


Bem vindos à Sicília, o ápice da Itália! Acontece de albergar o mais alto pico italiano (o Monte Etna, vulcão de 3.329m), mas não é a isso que me refiro. Refiro-me àquelas muitas coisas que nos remontam à Itália  arte, antiguidade, delícias gastronômicas, gente passional, e um pouquinho de máfia. Tudo isso se acha elevado ao quadrado aqui na Sicília.

Perguntei-me porque o turismo brasileiro inclui tão raramente a Sicília. A resposta só pôde ser a sua localização geográfica, cá no extremo sul da Europa, e os brasileiros sempre tentam aproveitar pra ver várias cidades de interesse ao mesmo tempo. É compreensível, mas não se deixe enganar: a Sicília é fascinante, e sua experiência da Itália ainda não estará completa sem ela.

Os trens da Trenitalia são bastante confortáveis e você pode comprar passagens antecipadamente pela internet com cartão de crédito. Mas caso não queira passar as horas vendo a paisagem italiana e chegar à ilha atravessando o Estreito de Messina (que a separa da Calábria, região no bico da bota), você pode tomar um voo barato a Palermo (a capital siciliana) ou Catania, as duas principais cidades da ilha.

Palermo e Catania, no entanto, são cidades grandes. Terão um astral parecido ao de Nápoles --- uma sensação quase latino-americana, de cidades vetustas e cheias de arte antiga mas um tanto sujas, meio caóticas, com um leve ar de insegurança. (Ver Nápoles, onde a pizza surgiu.)

Eu optei por chegar por Catania porque fica bem perto de duas das cidades que talvez sejam as mais bonitas de toda a Sicília: Taormina e Siracusa.

Comecei por Siracusa.
Ruelas italianas do centro histórico de Siracusa.

Cheguei pelo aeroporto de Catania era um começo de tarde, eu e uma amiga holandesa, Kim. Há um ônibus que direto de lá lhe leva a Siracusa, a 1h dali. Eram meados de outubro e, enquanto a Amsterdã que havíamos deixado pra trás com chuva já tinha caras de outono/inverno, na Sicília o verão europeu parecia não acabar. (A Sicília, como todo o Mediterrâneo, é melhor de ser visitado em abril/maio ou setembro/outubro, pois no verão propriamente dito isto aqui fica de fritar os miolos.)

Quase todas as acomodações parecem ser pousadas de família, e é bom assim. Só prepare o seu italiano, pois quase ninguém fala inglês. O pai da família com quem ficamos falava-nos devagar em italiano e a pobre da Kim ficava perdida, sem entender uma palavra, eu tendo que traduzir pra ela depois.

Recomendo também ficar na parte insular de Siracusa (chamada de Ortigia), o seu centro histórico. O miolo da cidade tecnicamente é uma ilha, separada do continente por poucos metros de mar que você cruza numas lindas pontes de pedra. O tráfego de veículos lá é mais limitado, e o ambiente, bem mais agradável. É também onde estão quase todos os pontos de interesse e restaurantes.
Perturbadoramente gostoso.
Ali perto o ônibus nos deixou, na parte nova da cidade, e eu prontamente fui agarrar uma guloseima dessa. (Depois comi outra.) As massas e comidas em geral aqui são brutalmente saborosas, de um jeito que você não encontra nem no norte da própria Itália. E são escandalosamente baratas --- mais que no Brasil até. Lembro ter comprado umas três peças assim e, quando ouvi o preço total, achei que era o individual. Mal acreditei.

Abuse de padarias e de lugares simples frequentados pelos próprios sicilianos: a qualidade é muito maior (pois eles têm uma clientela a manter) e o preço bem menor que nos lugares turísticos. (Ver Comendo na Itália: Particularidades, dicas e alertas.) Aqui nestes poucos dias na Sicília eu provavelmente fiz a melhor e a pior refeição do ano.
Ruas da parte moderna de Siracusa. Características do sul italiano, com aquelas varandinhas e arcadas típicas nas portas e janelas, além do uso extensivo dos tons de rosa e amarelo, que você encontrará também em Napoli e por todo o sul da Itália.
Ruelas quando você adentra a parte mais antiga, após as pontes. Afora a área mais comercial, elas são bem pacatas.  (Você se perde, mas como a ilhota do centro de Siracusa é relativamente pequena, você não demorará a se achar.)
Vizinhanças bastante simples, com flores, roupas estendidas no varal, e nada de muito luxo. Essa era a nossa vista da janela.
Algumas ruelinhas também são assim, mais enfeitadas e com agradáveis mesas ao lado de fora onde tomar um café ou comer algo. (Em tese não são permitidos carros na maior parte do centro, mas você os verá. Estamos na Itália.)

Três coisas que você não pode sair de Siracusa sem conferir: sua herança greco-romana da Antiguidade; sua herança barroca e renascentista; e os doces sicilianos.

A primeira está espalhada por toda Siracusa: há as ruínas de um Templo de Apollo bem no centro, há aquela linda fonte de Artemis da foto inicial, e há um magnífico anfiteatro greco-romano antigo onde também fica a tumba de Arquimedes, o filósofo e matemático da antiguidade. (De quebra, você encontrará também a Orelha de Dionísio.)
Ruínas do Templo de Apollo no centro de Siracusa.
Vetustas colunas de mais de 2.000 anos de idade.
Fonte de Ártemis (Diana para os romanos), também no centro.
Anfiteatro grego do século V a.c., depois restaurado ainda no século III a.c.
Apesar de desgastado, sua acústica continua excelente, como é comum aos anfiteatros gregos da Antiguidade.
A uma breve caminhada dali está também a Necrópole de Pantalica, um cemitério com em torno de 4 mil tumbas. Dentre elas, ali à direita da foto (com o chapeuzinho na entrada), a entrada à tumba que dizem ser de Arquimedes. Ele nasceu viveu e morreu aqui em Siracusa (a gente é que tem a mania errônea de achar que o mundo grego antigo ficava limitado às fronteiras da Grécia de hoje.)
Provavelmente mais impressionante que a tumba de Arquimedes, no entanto, é este maravilhoso ficus secular que se encontra no caminho. Parece quase um ente. 
E, como prometido, a famosa Orelha de Dionísio. Na mitologia grega antiga, ele era retratado com pés de cabra e orelha pontuda. Trata-se de uma caverna sem saída.
Um cara lá dentro olhando os morcegos no alto.

O engraçado foi pedir informação na rua. Essas ruínas do anfiteatro ficam a uns 20-30 minutos a pé do centro.

Como nos centros de cidade do Brasil, aqui há aquelas levas de homens aposentados na rua, papeando com ares de quem tem opinião formada sobre tudo. E, também como no Brasil, quando você faz uma pergunta a um, todos lhe respondem. De repente você tem todas aquelas pessoas gesticulando, discutindo opções entre si, e um tentando falar mais alto que o outro.  

Divertimos-nos com a gesticulação indicando o caminho nas ruas. "Eles falam com você como se você fosse surdo", observou Kim com a crueza característica dos holandeses.
Siracusa na Antiguidade era a mais importante cidade portuária da Magnae Graecia, como era chamada a região da atual Itália entre os gregos. 
Hoje você tem agradáveis cafés e restaurantes ali à beira do mar na ilha de Ortigia.
Rua com vista pro mar, e ali um breve "Viva Santa Lucia".
Ainda na Antiguidade viveu aqui também uma das primeiras santas cristãs, Santa Luzia (283-304 d.c.), a santa que teve seus olhos arrancados. Ela morreu durante a perseguição do imperador Diocleciano aos cristãos. Primeiro tentaram queimá-la, mas a lenha teria recusado-se a queimar no fogo, até que ela encontrou seu destino pela espada.

Curiosamente --- e eu não teria a menor ideia disso se não tivesse uma amiga sueca historiadora --- o Dia de Santa Luzia (13 de dezembro) é mais efusivamente celebrado nos países Nórdicos do que em qualquer outro lugar do mundo. Lá todo dezembro se elege uma garota para ser "Santa Luzia" e fazem uma procissão feminina com robes brancos e velas. Além disso, come-se os biscoitos de especiarias (pepper cookies) característicos do norte da Europa.
Quadro medieval de Santa Luzia, numa das igrejas de Siracusa.
Sombria igreja neoclássica de Siracusa.
O sempre estupendo Caravaggio tem um quadro que está aqui, O Enterro de Santa Luzia, de 1608.
Praça principal de Siracusa.
Criançada brincando em frente à catedral.

Por fim, tendo vos convencido de que Siracusa vale a pena do ponto de vista histórico, é hora de convencê-los do ponto de vista gastronômico. Sempre tarefa fácil na Itália. Aqui na Sicília, a especialidade deles parecem ser os doces.

O doce mais típico daqui provavelmente é o cannolo siciliano, famoso e passível de ser encontrado por toda a Itália. Trata-se de um tubo de massa crocante recheado com creme de ricotta doce. Mas não faça como eu, que comeu um no aeroporto de Roma e decidiu que não gostava de cannollo siciliano --- até comer um de verdade. É o mesmo que experimentar acarajé em São Paulo e depois dizer que não gosta de acarajé.

E, se você também diz que não gosta de ricota, suspenda seu julgamento até comer uma de verdade aqui no sul da Itália. Você verá que tem pouco a ver com aquele negócio que você encontra no supermercado.
Balcão de cannolo siciliano perto daquela praça principal de Siracusa.

"Pistacchio di Bronte, ricotta di Ragusa, ciocollato di Modica, e limone di Siracusa", repetia a menina aí quase como um mantra, citando cidades sicilianas e seus produtos típicos. Como eu já comentei anteriormente, comida na cultura italiana (e francesa) sempre está associada a um território de origem que assegure a sua qualidade.

E a qualidade é, realmente, maravilhosa.
Escolhi o meu com pedaços de pistache em cima (é um tipo de amêndoa verde muito comum no sul da Europa e no Oriente Médio, pra quem não conhece). 
E fiquei profusivamente encantado.

O revés desse encanto dos italianos --- e dos sicilianos em particular --- com os doces é que eles têm o costume aqui de tomar café da manhã apenas com coisas doces à mesa. Em geral não é o que eu prefiro (eu prefiro a maneira asiática, onde você bate um prato de comida de manhã), mas aqui na Sicília eu não reclamei.

Nossa pousada familiar oferecia uma seleção de apetitosos quitutes doces para serem comidos com um forte café. Cheguei a tirar uma foto, mas estavam tão atraentes que Kim foi mais rápida que eu e já tinha bafado um da cesta.
Nossa cesta de quitutes do café da manhã. São assustadoramente gostosos (o susto é quando você as enormes barrigas dos sicilianos, mas como resistir?)  
O fujão, que eu consegui fotografar no prato de Kim antes de ela comer.

A Sicília continua. Deixou vocês com mais fotos de Siracusa.
Agradável jardim de vetustas árvores na cidade.
A beira-mar.
Animadas ruas do centro de Siracusa à noite.
Mãe e filha dançam ao som dessa banda de senhores italianos na rua. 


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