sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Split, Croácia: Beleza e legado romano na Dalmácia

Você sabe o que é um dálmata, mas provavelmente nunca se perguntou de onde vem o nome. Pois bem, dálmata é algo ou alguém originário da Dalmácia, até raça de cachorro. O nome foi dado pelos romanos à província que hoje é o sul da Croácia. É o que fica a leste da Itália, do outro lado do Mar Adriático (ver mapa abaixo). Estes antigos domínios romanos guardam ainda edificações da antiguidade e talvez o melhor preservado palácio romano do mundo, o Palácio de Diocleciano, do século IV, aqui em Split. (E você aí imaginando que todas as ruínas romanas ficavam na Itália, hein?)

Split, como Dubrovnik e outras cidades da Dalmácia, são destinos que combinam História, um mix de culturas, e talvez a região costeira mais linda da Europa. Isto aqui se tornou um dos destinos mais populares dos europeus no verão. A Croácia é o membro mais novo da União Europeia (desde julho de 2013), não adotou ainda ao euro, e ainda é relativamente barata. Ainda que as praias não se comparem ao que estamos habituados no Brasil, o mar em si é absolutamente lindo, como também as cidades são bem preservadas. (Pra quem não sabe, é aqui nesta costa, em Dubrovnik, que são filmadas as cenas de King's Landing, na série de fantasia medieval Game of Thrones). Falarei de Dubrovnik num post a seguir. Comecemos por Split, por onde entrei no país.
 
Onde é a Dalmácia. (Clique nas imagens se quiser ampliar)

Eu cheguei num voo vindo de Roma. A Croácia em geral guarda muitas semelhanças com a Itália, mas recebeu fortes influências centro-europeias (da época em que foi domínio dos reis húngaros e dos imperadores Habsburgo da Áustria), e tem aquele jeito reservado meio quieto dos eslavos, e a frequente lindeza dos seus olhos claros.


A cultura em geral aqui é uma mistura de influências, compartilhada também pelos países vizinhos, que também eram unidos na antiga Iugoslávia (cujo nome significa "eslávia do sul", para distingui-los dos demais eslavos mais ao norte, como russos, poloneses ou tchecos). Hoje são Eslovênia, Croácia, Sérvia, Bósnia, Montenegro, Kosovo, e Macedônia  uma cesta de países pequenos e parecidos! A religião talvez seja a principal diferença. Os croatas são em geral católicos; sérvios e montenegrinos são cristãos ortodoxos; e os bósnios são em sua maioria muçulmanos. Do contrário, todos falam praticamente a mesma língua, se parecem, e se originam mais ou menos da mesma matriz histórica e cultural. (Mas cuidado se for dizer isso a eles. Por nacionalismo, bósnios dizem que falam bósnio, croatas dizem que falam croata, e assim por diante, ainda que a diferença entre as línguas seja talvez menor que do entre o português falado por um gaúcho e um baiano. Coisas do nacionalismo e da história de conflitos entre vizinhos que eles aqui têm). 

A Croácia, por ser a mais próxima da Itália, herdou junto com o catolicismo romano, a pasta italiana, e muito da mesma arte e da arquitetura. Estas cidades, além da antiguidade romana, foram por séculos semi-independentes, entrepostos comerciais costeiros filiados à República de Veneza. Split começou como Spálathos, povoado grego, depois Spalato, da influência italiana, e por fim Split.
Representação da época romana no centro histórico de Split.
Cheguei com fome. Fui atrás de algo para comer logo no aeroporto. Não espere grandes coisas aqui nesse campo. 
 "Quais os recheios desses salgados, por favor?", perguntei em bom inglês, que eles aqui falam sem grande dificuldade.
 "Ham and cheese, bacon and cheese, salami and cheese...", respondeu-me o cara atrás do balcão com aquele ar mecânico de pessoas já saturadas de repetirem a mesma coisa.
 "Alguma coisa sem carne?"
 "Cheese".

É, a diversidade gastronômica aqui não parece lá muito grande. Mas falaremos mais disso depois.

Uma das minhas primeiras vistas de Split, quando cheguei.
Split é a segunda maior cidade da Croácia, atrás da capital Zagreb (aqui), mas o seu centro histórico, coração da cidade, é relativamente pequeno. Tudo pode ser feito à pé, e você se perde gostosamente pelas ruelas dessa cidade de pedra. Se for no verão, não faltará gente, e pode engarrafar um pouco. Mesmo assim dá sempre para encontrar aqueles recantos mais afastados, escondidos, e quietos. 
Nas quietas ruelas de Split, pelas edificações em pedra.
Muitas vezes há restaurantes com agradáveis mesinhas onde se sentar para um café, uma refeição, ou uma sobremesa.

É quase um parque temático, só que verdadeiro. A influência romanesca está por toda parte, e o centro do centro são as ruínas do Palácio de Diocleciano. Esse imperador romano do século III era nativo aqui da Dalmácia, e mandou construir uma fortaleza aqui em Split para quando se aposentasse. (Sim, os imperadores romanos podiam transferir o poder antes de morrerem). Diocleciano governou de 284 DC até 305 DC, quando se aposentou em 1 de maio, que  muito antes de vir a ser o Dia Internacional do Trabalho, no século XIX  era um antigo feriado europeu de celebração da primavera. 

Diocleciano venceu um número de batalhas nas fronteiras do império, mas perdeu a que mais cara lhe foi: contra o cristianismo. Diocleciano esteve à frente da maior perseguição aos primeiros cristãos no império romano. De 303 a 311 DC, houve um número de leis (éditos) restringindo direitos aos cristãos, destruição de templos e, basicamente, execuções por métodos variados como queimar vivo. Nessa foram martirizados São Jorge, Santo Expedito e outros. Mas essa perseguição foi também a última, pois com Constantino poucos anos depois o império viria a abraçar o cristianismo como sua única religião oficial (em 324 DC).  
A Última Oração dos Mártires Cristãos (1883), do pintor francês Jean-Léon Gerôme, representado a perseguição às comunidades cristãs nos tempos romanos.
Diocleciano viveu no seu palácio aqui em Split de 305 a 311 DC, quando morreu, aqui mesmo, aos 66 anos de idade.

Ocupante à parte, o palácio é lindo e ainda restam belas estruturas em mármore (arcadas, colunas) muito bem preservadas. Há também interiores, parcialmente no subterrâneo, bem preservados. 
Estruturas em mármore ainda preservadas do Palácio de Diocleciano.
Arcadas romanas.
Interiores do antigo palácio, hoje transformados em banquinhas de souvenirs.
Pra que ninguém ache que brasileiros são os únicos a descumprir as regras.
Fundações do palácio, que podem ser visitadas a um custo.
Com cara de romano sobre as ruínas do palácio.
A maior novidade inserida neste complexo é a torre de arquitetura romanesca da catedral construída aqui no século VII, bem sobre o mausoléu de Diocleciano. (Não sei se foi uma revanche). Seja como for, a Catedral de São Domnius (não confundir com Domingos), em homenagem a um dos muitos santos cristãos executados durante a perseguição de 303-311 DC (ele, aqui na Dalmácia), é hoje a mais antiga catedral católica do mundo a permanecer em uso na sua estrutura original

É talvez o ponto mais marcante da cidade, e que serve também de orientação. Você pode subir se tiver pernas e paciência pra esperar a fila. A escada também é apertada (eu taquei a cabeça na pedra), mas a vista vale a pena.
Torre da Catedral de São Domnius, erigida no século VII aqui nas imediações do antigo Palácio de Diocleciano.
No alto através das colunas da torre.
Se tiver medo de altura, passe longe.
Mas se não tiver, aproveite a linda vista da baía de Split.
Como você é capaz de imaginar, este é um ambiente pra lá de agradável. As manhãs são frescas e de sol. Não são como as do litoral do Brasil, onde 7h da manhã já está começando a fazer calor. Não. As daqui são menos úmidas, mais refrescantes.

A comida, ainda que não seja exatamente o ponto forte daqui, tem seus pontos positivos. Corra atrás dos quitutes eslavos de café da manhã feitos com frutas temperadas, como as aqui chamadas "frutas do bosque" (no Brasil conhecidas como "frutas vermelhas", embora nem todas sejam vermelhas). Vá na feirinha aqui do centro e você as encontrará, juntamente com croatas simples e pobres. Às vezes são meio ranzinzas, mas lembre que eles viveram a guerra nos anos 1990. São também amáveis, muitas vezes.
Feirinha livre em Split. Nestes países mais pobres da Europa do leste é que você muitas vezes encontra o melhor. Na Europa Ocidental a coisa já está muito industrializada, com aquele "sabor" de fruta de supermercado.
Vendedora.
Maravilhosas framboesas.
E o que não faltam são apresentações públicas (teatrais da época romana, música ao vivo...) e vida noturna. Basicamente, como outros lugares da costa da Dalmácia, no verão a vida aqui não pára nunca.

Do Calçadão Riva, à beira-mar, a todas as ruelas do interior, a estadia é pra lá de agradável. E o mar está logo ali, aguardando você para embarcar a uma das muitas ilhas da costa. Foi o que fiz, a seguir. Por ora fiquem com mais do visual de Split.
Soldados romanos, com alguém representando Diocleciano e sua mulher, ali atrás. 
O fuzuê gostoso das ruas no centro de Split.
O palácio e a torre à noite, à luz da lua cheia.
A beira-mar, com o Calçadão Riva ali entre as palmeiras. Aqui em Split, no verão, a noite é sempre uma criança.



sexta-feira, 21 de agosto de 2015

O café mundo afora: Para apreciadores da bebida e curiosos de plantão


Café, um dos elementos mais populares e adorados na gastronomia mundial. E cada vez mais. O café é nativo da Etiópia, no nordeste africano (no chamado "Chifre da África"). Diz a lenda que um pastor etíope notou suas cabras animarem-se quando comiam do fruto de um certo arbusto, e certo dia resolveu experimentar. Os árabes, que faziam comércio nessa região, depois abraçaram a ideia e difundiram a bebida pelo Oriente Médio. O registro escrito mais antigo sobre o café data do século XV, no Iêmen, sul da Península Arábica, onde ele era consumido num mosteiro islâmico sufi (ver aqui se você não faz ideia do que se trata). No século XVI, o café começou a chegar à Europa pelos portos de Veneza e trazido nas conquistas turcas dos Bálcãs (o sudeste europeu). Em 1600, opositores o levaram ao Papa Clemente VIII para banir essa "bebida muçulmana". Mas o papa, em vez disso, aderiu ao café, e disse que a bebida era cristã também. 

Daí foi uma expansão global que prossegue até hoje. Atrevo-me a dizer que, mundialmente, o café é a bebida Número 1 depois da água. Em volume, chá e cerveja são mais consumidos, mas volume não é indicador de preferência, e nem faz sentido comparar café e cerveja por quantidade. Além disso, a cerveja é quase restrita ao Ocidente, e o chá tem comparativamente poucos entusiastas fora do Oriente. Já o café, do México ao Japão, passando pela Europa com suas charmosas cafeterias italianas e francesas, e por todo o mundo islâmico onde as bebidas alcóolicas são impopulares ou proibidas, tem centenas de milhões de adeptos e uma cultura crescente. 

Mas como é realmente o café mundo afora? Como de costume, não espere de mim um artigo típico de revista, que só exalta coisas positivas. Faço questão de dizer também o que não gostei e de passar a minha opinião sincera. Você vai se surpreender com algumas bizarrices, e se encantar com outras particularidades interessantes. Comentarei os que, na minha opinião, são o mais famoso, o melhor, o pior, o mais caro, o mais estranho, o mais tradicional, e o mais sofisticado que já tomei.

Foto na parede de uma cafeteria onde eu estive em Nápoles, sul da Itália.
O mais famoso no mundo é sem dúvida o café italiano, ainda que na Itália provavelmente não haja um único pé de café. Tornou-se uma das assinaturas culturais do país. E é bom; a fama não é em vão. Afinal, ainda que não produza grãos de café, a Itália tem sido a principal maestra mundial em ditar como consumir o café: espresso, cappuccinocafé latte, café machiatto, etc. É a principal origem da onda gourmet também (no que diz respeito ao café), que chega até mesmo a países onde a bebida tem tradição popular, como o Brasil.

Porém, contudo, no entanto, todavia, prepare-se pois o café na Itália frequentemente é desgraçadamente pequeno. Não espere o mesmo tamanho dos espressos do Brasil. Às vezes, de tão pequeno, quando você leva à boca já está frio só do contato com a xícara. Isso já me ocorreu várias vezes na Itália. E não foram poucas as vezes em que tive que pedir um segundo espresso, pois o primeiro mal coube no buraco do dente. Está certo que qualidade é mais importante, mas uma quantidade mínima é necessária, senão é um engodo. (Mais comentários sobre a gastronomia italiana aqui).   


Por isso que, pra mim, o melhor é o café de Portugal, que em nada fica devendo na qualidade, e não há mesquinharia. De quebra, ainda é barato. (Com um pastel de Belém então, fica uma maravilha.)


Por todo o sul da Europa você encontra variantes boas. Acho legal quando fazem adaptações nacionais, senão vira colonialismo cultural. (E a gente do Brasil então que tem um complexo histórico de vira-lata...). Abaixo um mostruário da Espanha, com os principais tipos italianos  que estão largamente difundidos por toda a Europa  e e mais alguns criativos.

Percebam que os cappuccinos europeus capricham na espuma de leite. Normalmente é muito mais do que a figura sugere. Pra você chegar ao café, é tipo como extrair petróleo do pré-sal. 

Já o norte da Europa prima mais pela quantidade do que pela robustez do café. As porções normalmente são grandes, de até meio litro naqueles copos plásticos estilo Starbucks. Quem já visitou, sabe. Inclusive, quando o café está forte, há quem adicione água para diluir. Já cansei de ver isso entre alemães e holandeses aqui em Amsterdã, onde moro há sete anos.  Na Suécia e em outras partes da Escandinávia, é comum inclusive que o café seja free refill, ou seja, você paga uma vez e recarrega quantas vezes quiser. Muitas vezes é "chafé", daqueles que dá até para enxergar o fundo da xícara.


A Europa do Leste, por sua vez, tem uma visão meio negativa sobre o café. Você encontra dessa versão rala e, em alguns lugares, as versões goumet italianas cada vez mais populares. Mas nesses países o café ainda sofre um estigma e é normalmente visto como um vício, tipo o fumo. (Por que? Porque de fato a cafeína vicia). Grosso modo, beber café na Hungria ou na Romênia é tipo como nós, no Brasil, vemos o hábito de fumar. 

Mas vá chegando mais para o sul, até a Grécia ou a Turquia, e a visão novamente se transforma. Na Grécia, por toda parte você vê o café gelado estilo frappé, batido frio naqueles copos de milkshake do Bob's (plásticos transparentes com tampa redonda e canudo por dentro). E há a versão tradicional, que a Grécia compartilha com a sua vizinha Turquia e outros países da região. É o café tradicional de toda a região que era Império Turco Otomano, de antes de o café se difundir pelo Ocidente. 

Esse café turco  ou grego, ou bósnio, era tudo parte do império turco mas hoje cada um puxa o estilo do café pra si  é o mais tradicional que já tomei. Primeiro, o pó tem um sabor distinto porque o método de tostagem é diferente. Segundo, ele não é filtrado. Vem o pó na sua xícara, assentado no fundo, e você deixa o último dedo sem tomar. Por isso é preciso dizer de antemão o quanto de açúcar vai querer, pois se adicionar depois e mexer, mexe pó com tudo e aí precisa esperar ele assentar de novo. 
Café tradicional sendo preparado na Grécia, na casa de uma amiga na Ilha de Creta.
Café ao estilo tradicional turco na Bósnia. Você bebe nessa porcelana pequena sem alça. Devido ao formato do recipiente de metal, o pó fica preso no fundo em vez vir demais para a sua "xícara" quando você vira. E ali no palito um lokum (ou Turkish delight ou manjar turco, como é conhecido no Ocidente), doce tradicional turco para acompanhar.

É daí que surge a antiga tradição árabe e turca de ler o futuro na borra do café (cafeomancia). Você põe o pires sobre a xícara, vira de cabeça pra baixo, e deixa um tempo. A maior parte da borra cairá sobre o pires, mas parte fica aderida nas bordas da xícara, e é lá que você "lê" a sorte da pessoa com base nas formas que ficarem. Vai girando e vendo os sinais. 


Noutras partes do mundo islâmico, como no Marrocos, você vê muito o café com especiarias  chicórea, cardamomo, canela e outros. A ideia é melhor do que o resultado, pra o meu gosto. Fica um café com um sabor meio "engraçado", com um azedinho puxado aqui, outro ali. Mas há quem goste. 
O pó que fica no fundo. Esse aí eu não havia virado no pires. 

Já o que eu não consigo engolir (figurativa e literalmente) são os cafés com essências artificiais da América do Norte. Pra mim, o café na América anglófona é disparado o pior no mundo. Digo anglófona para ser específico, pois o México tem outra tradição e o Canadá francês (em particular a Província de Québec) também tem uma cultura e gastronomia muito diferentes das dos vizinhos, e muito mais próximas às francesas. 

Morei dois anos perto de Toronto, no Canadá anglófono, e convivi diariamente com bizarrices do tipo café com sabor artificial de nozes, café com aroma e sabor de caramelo, e o meu favorito: a quimera café com sabor de framboesa ao chocolate. Eu não resisti; comprei e tomei por puro espírito etnográfico. O negócio é tão ruim quanto você imagina, com aquele gosto de framboesa de pasta de dente. Uma descabida ofensa à framboesa, ao chocolate, e ao café.

É o mais estranho? No gosto, sim. Na apresentação, não. Foi no Japão que tomei o café mais peculiar de todos, em latinha que sai aquecida da máquina de venda automática. Dá aquele toque do alumínio na boca, e a sensação de você ser um astronauta ou já estar num futuro de ficção científica meio distópico onde a comida é toda industrial  como nas obras futuristas cyberpunk que os japoneses tanto gostam de produzir. Não é sem base; o dia-dia deles parece já estar a meio caminho de lá.
O gosto é o de bebida processada de máquina mesmo. Não tem nem comparação com um café feito na hora. Mas quem não tem cão, caça com gato. No Japão é muitas vezes só o que está disponível.

Já outras vezes você encontra no Japão café que não é de lata, mas cuidado, pois foi aí que eu paguei pelo café mais caro de toda a minha vida até o momento: R$ 25 a xícara, no sofisticado distrito de Ginza, em Tóquio. Mas o café em si de sofisticado não tinha nada. O que tomei feito por mim mesmo hoje aqui em casa de manhã foi melhor. (Moral da história: no Japão, evite café. Opte pelo chá verde, que eles lá fazem muito bem.)

Falando em sofisticação, foi também na Ásia que tomei o café gourmet mais sofisticado de todos, o mais caro do mundo, o único e inesquecível café luwak. Inesquecível não pelo sabor, mas pelo modo como é feito. O café luwak é produzido na Indonésia, mais precisamente na ilha de Sumatra, onde vive um bichinho chamado luwak (um pequeno mamífero primo do suricate). O bichinho come os grãos de café e os defeca quase intactos, agregando a eles no caminho pelo seu trato digestivo um sabor todo especial. Os grãos daí então são coletados e limpos manualmente (dizem). 

Paguei mais do que ouso admitir nesse pacote de café luwak aí abaixo. (Se não for caro, é enrolação. Abundam na Indonésia marcas com o nome "luwak" mas sem ser realmente o café luwak. Você distinguirá o verdadeiro pelo preço, absurdamente mais caro, e pelo certificado dourado com número de série que vem dentro.)


Verdade seja dita, não notei diferença alguma no sabor. Pareceu-me simplesmente um café bom, cujo preço é mais pelo exotismo do método de produção do que por um sabor realmente superior. Ou me perdoem o paladar pouco apurado. Seja como for, o efeito placebo de você saber que está tomando um café cujos grãos foram coletados na bosta lhe dão, realmente, uma sensação única. 

O idiosincrático café luwak, da Indonésia, o café gourmet mais caro do mundo. Porém, defensores dos animais, evitem. Depois eu descobri que a criação dos luwak em cativeiro para fabricação do café não é nada bonita.

Onde ainda falta conferir? Faltam-me ainda alguns países importantes, como a Etiópia, a terra de origem, o Iêmen, de onde primeiro se popularizou, e na América Latina faltam-me a Colômbia e a Costa Rica, também famosas pelo seu café forte. Sugestões outras são bem vindas!

Passei por muitos países de café insosso e inexpressivo, como o Chile, o Irã, a Rússia e outros que ainda utilizam sobretudo o café solúvel (tipo Nescafé), com aquele gosto aguado e azedo. Prefiro os "pingados" de rodoviária brasileira, que pelo menos são autênticos. Mas no geral, a tendência mundial me parece claramente de expansão da "cultura do café", como chamam aqui na Europa. Espero que o Brasil não fique pra trás, pois o que não nos falta é criatividade própria  ou café.

Com uma amiga alemã no casamento de uma amiga indonésia, na Holanda. (Não, o café não era luwak). E viva a mundialidade.


sexta-feira, 14 de agosto de 2015

Sorrento e a Costa Amalfitana

Sul da Itália. Costa Sorrentina e Costa Amalfitana, das áreas de resort mais tradicionais de toda a Europa. A poucas horas de Nápoles, não faltam aqui mansões nas encostas, vinhedos, plantações costeiras de limoeiros para fabricação do licor tradicional aqui da região da Campânia, o limoncello  e, é claro, não faltam também belas vistas pra o mar. Sorrento é uma das mais famosas dentre outras cidadezinhas que pontuam esta parte da Itália, como Amalfi, Positano, e a ilha de Capri.

Se você não conhece a famosíssima canção napolitana Torna a Surriento, é hora de preencher esta lacuna. A canção é de 1902, e de lá pra cá já foi gravada por Pavarotti, Plácido Domingo, Andrea Bocelli, Frank Sinatra, Elvis Presley e, no Brasil, Jerry Adriani  dentre muitos outros mundo afora. Video'o mare quanto'è bello, spira tantu sentimento...


Andrea Bocelli canta Torna a Surriento em 2011.

Uma chegada aqui é recomendadíssima pra quem for até Nápoles. O ambiente é outro. Enquanto Nápoles te lembra as metrópoles latino-americanas  caótica, vibrante, agitada, meio suja (ver aqui as cidadezinhas das costas sorrentina e amalfitana são românticas, tranquilas, sossegadas, bonitinhas e, é claro, bem mais turísticas. Vale a pena conhecer ambos os lados.

Cheguei a Sorrento de trem, vindo de Pompeia. A mim, sozinho, uma tarde foi o bastante para percorrer Sorrento, comer bem, tomar sorvete italiano, e ver o quanto o mar é belo. 
Ruas em Sorrento. Muito tranquilas.
Como também muito turísticas.

As coisas aqui são caras, devo logo dizer. O mercado é quase todo para turistas; portanto, valem as dicas gerais sobre como comer bem na Itália e evitar ser passado pra trás com algo pega-turista, meia boca. Olho aberto e você conseguirá encontrar coisas autênticas.

Mas como nem só de massa vive o homem (nem a mulher), tenha os olhos abertos também para ver algumas preciosidades, como o Mosteiro de São Francisco. Fica bem no centro da cidade, e no seu interior a tranquilidade de Sorrento é multiplicada por dez. Fiquei um longo tempo sossegando na companhia dessa árvore aí abaixo.
Claustro no Mosteiro de São Francisco, em Sorrento.
Corredores do claustro.
Há numa das praças de Sorrento uma impressionante escultura de São Francisco, magro como era, em êxtase voltado pra o céu exclamando O Cântico das Criaturas. Dá a base da recente encíclica papal Laudato Si (Louvado Seja), sobre a necessidade imperiosa de conservação ambiental e empatia geral para com as demais pessoas e todas as criaturas.
Escultura de São Francisco em Sorrento. Laudato sie mi Signore cun tutte le tue creature
Foi nessa andança que, curiosamente, encontrei um velhinho. Não esse da foto, mas o dono de uma loja, Seu Fernando. (Como o sul da Itália foi posse da Coroa Espanhola por séculos, há nomes ibéricos aqui). 

O que me fez parar foi a seguinte nota pregada numa vitrine por onde eu ia passando.
"Por favor ajudem cães que estiverem doentes. Se vocês são cristãos devem se lembrar de que Deus criou não apenas o homem, mas também os animais. Obrigado"

Me detive. À porta, um cachorro de médio a grande porte fechava a entrada, cochilando tranquilo, sem a menor cerimônia. Parecia um cão idoso. 

Entrei. Lá dentro Seu Fernando assistia algo numa televisão velha, fazendo também alguma coisa com as mãos detrás do balcão. Era um idoso de restos de cabelos brancos penteados pra trás, e um par de olhos azuis incisivos. Não conversava muito, mas lhe olhava perscrutando, com profundidade de atenção.

Resolvi que seria legal levar uma inspiradora imagem de São Francisco dali. Havia uma magnífica. Quando lhe disse que Fernando havia sido também o nome do meu avô, ele parou. Perguntou de volta se era sério. Eu disse que era. Ele continuou a me olhar, pensando não sei o quê. Eu sorri, e ele resolveu ir buscar uma outra imagem pra mim de presente.

Perguntei sobre o cachorro que fechava a porta. "Essa tem sido minha amiga há 20 anos", e caminhou até ela.

Perguntei se poderia tirar uma foto.
Seu Fernando e a sua amiga.
Consegui que a viagem tivesse mais significado que o mero prazer estético. Vi o mar o quanto é belo, e Sorrento me inspirou mesmo muito sentimento.

Você pode ficar um tempo a apreciar a vista, como fazem muitos jovens e idosos, só tomando ar fresco e olhando o mar. Se tiver um sorvete em mãos, melhor ainda. 
Lá embaixo as pessoas tomando drinques à beira-mar, e nadando. A descida é íngreme, como você pode ver. 
Garotada na praça.
     
Se você estiver a fim de algo mais forte que o sorvete italiano, vá atrás do limoncello artesanal, o licor digestivo desta região. O que não faltam são lojas vendendo (com degustação grátis!), como na famosa l'Alambicco (do árabe al-Anbiq). Tem em torno de 30 graus, e se toma em doses pequenas, como um digestivo mesmo. O sabor é doce, mas não chega a ser enjoativo (a menos que você tome um copo cheio, aí o açúcar dele vai te fazer parar antes do álcool). Lembra uma sobremesa saborosa de limão, com aqueles detalhes interessantes do sabor do limão, e sem muito da sua acidez.
... mas sugiro antes as garrafas maiores, artesanais, do que estes de souvenir. Experimente também o crema di limone, a versão cremosa, também muito saborosa.

Por fim, seguramente o nome Sorrento também evoca algo mais a quem é fã de mitologia grega e assistiu a Os Cavaleiros do Zodíaco. Esta costa aqui era um ponto famoso, temido pelos marinheiros como uma alcova de sirenes, belas mas perigosas criaturas que cantavam belamente para atrair marinheiros, fazer seus navios encalharem nas rochas, e devorá-los. A Ilha de Capri, aqui perto, se acreditava ser um reduto delas, e era temida por isso, assim como toda esta costa escarpada daqui. Daí o nome do personagem, Sorrento de Sirene.  
É um hotel de verdade, não é uma casa assombrada (não estamos nos Estados Unidos).
Varandas muito charmosas.
E viva a dolce vita.