sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Praias Romenas 2: Farofa, nudismo e rock n' roll

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Depois de alguns anos, estamos de volta à Romênia. Ah, terra de tão interessantes praias! Não tanto pela praia em si, que no Brasil temos melhor, mas pela muvuca. E cada uma tem uma muvuca à sua maneira.

Meu destino este ano foi a praia de Vama Veche [Véke], uma das mais badaladas e preferidas dos jovens alternativos na Romênia. Cheguei aqui após duas breve noites na cinzenta  porém interessante  capital romena, Bucareste. (Pra quem perdeu a minha incursão anterior a este país, vejam aqui). Não é o clima que é cinzento em Bucareste, mas os prédios, quase todos herdados da época comunista (1947-1989), sobretudo da época governada pelo um tanto excêntrico Nicolae Ceausescu (executado na noite de Natal em 1989), que passou o rodo na cidade histórica, varreu as "mansões burguesas" e construiu prédios cinzentos todos iguais. Não consigo ficar em paz com essa faceta pouco criativa do comunismo. (Dentre as excentricidades do rapaz está uma Casa do Povo [Casa Poporului], residência de estado que hoje abriga a Câmara dos Deputados romena, e que é o segundo maior prédio administrativo do mundo, após o Pentágono  minha visita a ele pode ser lida aqui).
Centro de Bucareste, a capital romena.

Seu Vlad, pai da minha amiga, faleceu nesse ínterim entre a minha visita anterior e esta. Desta vez conheci o Tio Adolf, o irmão mais novo (nascido em 1940, antes de o nome vir a se tornar impopular por causa de Hitler). Tio Adolf não falava inglês, mas isso não o impedia de dirigir-se a mim em romeno ainda que eu nada entendesse. O conheci na "casa de campo" da família da minha amiga, aonde fomos com a mãe dela. Uma casa dessas de cidade do interior, com quintal e árvores na frente. 

Lá presenciei a conversa de comadres entre as senhoras, que se sentavam a prosear da mesma maneira que me recordo da minha tia avó fazendo com suas contemporâneas há 20 anos atrás  todas à época já com seus 80 a 90 anos. Foi nostálgico. Isso é porque enquanto no Brasil houve mudanças sociais importantes a partir dos anos 1960, aqui na Romênia essas mudanças só entraram pra valer a partir dos anos 1990, depois da queda do comunismo. Então aqui a filha é moderninha, mas a mãe se parece muito com a avó, enquanto que no Brasil a mãe muitas vezes já é mais moderna.  

Tio Adolf, sentado num banquinho, às vezes intervinha, entre um gole e outro da sua pinga caseira, que ele se servia de uma garrafa plástica dessas de água mineral de 500ml. A pinga era provavelmente um destilado de ameixa, segundo a minha amiga.   

Na saída, ganhei um saco de abóboras do jardim, que acabei esquecendo de levar comigo na viagem. (Tô dizendo que o negócio aqui é às antigas). Seja como for, na manhã seguinte iríamos à praia. 
Interior da casa de campo aonde fomos, parecendo cenário de Escrava Isaura ou alguma outra novela de época da Globo. Aqui presenciei a nostálgica conversa de comadres. Como manda o costume, elas não estavam à mesa, mas sentadas em cadeiras de braço; não de frente umas pras outras, mas uma ao lado da outra e de frente para o jardim da casa, como a minha avó de 95 anos ainda faz.
  
O trajeto de Bucareste a Vama Veche incluiu: um trem, uma van, e um táxi. De trem fomos até Constanza, uma cidade portuária onde no estacionamento fora da estação havia um sem-número de figuras suspeitas perguntando quem queria transporte para praias famosas da região, como Mamaia  aonde vão os mauricinhos e patricinhas da Romênia fazer ostentação. Negociamos passagem numa van com um tio arredondado de calção samba-canção, óculos escuros e chapéu de palha. Aqui a Romênia é cheia desses tipos. Estava agenciando o povo. Ao meu lado, uma romena bem apessoada com seus longos cabelos escuros e unhas enormes usava o smartphone enquanto segurava um cigarro com a outra mão, aquele ar de poderosa. Estávamos aguardando a van encher.

A van nos levaria até Mangália, um hub local de praias, já quase na fronteira com a Bulgária, a sul da Romênia. Como no Brasil, os carros vindo na direção oposta da estrada sinalizavam com a luz para avisar que havia polícia à frente. O nosso tio prontamente jogou o cinto por cima do ombro, para fingir que estava usando caso a polícia visse. À beira da pista e por todo o caminho o que não faltavam eram tias segurando cartolinas escrito Cazare (acomodação pra alugar), ou mesmo sacudindo chaves como se tivessem acabado de ganhar a casa própria no Baú da Felicidade.
O nosso tio, agenciador.
Em Mangália. Ali a bem apessoada companheira de transporte. Mas esse povo aqui na Europa, sobretudo na Europa do Leste, fuma feito umas chaminés.

Mais um táxi e finalmente chegamos a Vama Veche, esse pequeno povoado de quase só uma rua, a que leva da praia à pista. Mas não pense numa tranquila aldeia de pescadores. Assim talvez o era, mas já há décadas Vama Veche foi "colonizada" por roqueiros e alternativos em geral, e nestes últimos anos tem se tornado um pouco da moda nos verões romenos.

Nossa acomodação era bem ali, na esquina da rua com a pista, um belo prédio moderno de três andares e com varanda. Chez Alex, era o nome da pousada. (Para os menos versados em francês, "Chez" significa tipo "na casa de"). Alex era tão fino que tinha o nome da pousada escrito também em chinês  isto é, deduzi que aqueles ideogramas eram o nome da pousada.
Ali, onde está virando o caminhão. Nossa pousada era aquela branca, junto do sombreiro colorido.
Em detalhe. Lugar de primeira linha.
A nossa aconchegante varanda. Estas portas davam para os quartos. Havia três andares disto. Nesta mesa víamos os donos às vezes fumando e jogando baralho.

Quando chegamos, não havia ninguém na recepção  uma saleta com cara de repartição pública abandonada. Uma moça logo apareceu (pelo lado de fora) e foi chamar quem eu acredito que seja Alex, um tio de óculos e de calção, meio pipio das vistas, com aquela barriga caída cobre-pinto e Ryder no pé. Obviamente não havia café da manhã, nada incluso, mas ao menos os banheiros eram privados. Seu Alex portanto subiu conosco a escada, carregando na mão um rolo de papel higiênico para nós. 

(Mais tarde, quanto eu estava lendo à brisa na varanda, veria o tio voltar, trazendo os recém-chegados ocupantes do quarto ao lado, com um novo rolo de papel higiênico que ele brandia para mostrar o interior do quarto e a vista para o mar).
A minha vista para o mar, e a rua.
A rotina dos nossos dias era simples: tomar café da manhã num dos bares da rua, ficar na praia até o sol esquentar, almoçar em algum lugar, sossegar com um livro à tarde (no meu caso), e retornar à praia ao entardecer. A noite incluía ficar por ali também. 

Vama Veche é tida entre os romenos como uma praia rock n' roll, mas há um elemento meio roça também. Sim, você tem bares de death metal com caveira, crucifixo e tudo preto; mas há também a peixada do Seu Chico, usando chapéu de palha junto da chapa; cachorros pegando picula na areia pra lá e pra cá; crianças soltando pipa; e famílias (muitas vezes todas nuas) montando a grelha pro churrasquinho de frango ao lado do trailer branco estacionado na areia. E o mar ali quebrando.

Sim, eu esqueci de mencionar que parte da praia é de nudismo. Não vi nada que preste, vou logo dizendo. Quase todos os pelados são homens, crianças ou senhoras (algumas, inclusive, você se arrepende de ter visto e teme que possam lhe assaltar os pensamentos à noite  tratei logo de tirar os meus óculos). 
Motoqueiro chegando com um cachorro na mochila. Percebam ali ao lado alguém nu se abaixando para pegar algo.
Em frente a um bar de metal muito louco, com uma vibe horrível.
Mas, não muito longe dali, a peixada do tio na chapa.
... os trailers dos nudistas acampando...
... e coisas difíceis de explicar...
A comida aqui era daquelas coisas comuns: pizza, sanduíche, macarrão com molho, etc. Alguns até nem eram ruins, embora não especial. Especial só uma refeição especialmente horrível que eu fiz num buffet à beira da praia, e retratado abaixo. Por outro lado, em certas barraquinhas havia crepes de nutella com frutas muito saborosos.
Séria candidata a pior refeição feita este ano. Isso no meio é torta de espaguete, duro de assado e sem gosto. Ali ao lado feijão sem tempero, e do outro salada de beterraba de conserva  daquelas que vêm que o gosto forte de vinagre. Nem lembro quanto paguei por esse abacaxi.
Uma das barraquinhas de crepe. (Favor notar a duvidosa ilustração com as frutas ali acima).

E nesta curiosa localidade passei quatro dias, muito semelhantes uns aos outros. A água do mar em si não era má, embora tivesse bastante alga. Os dias eram tranquilos e divertidos com as loucuras desse cenário. Lembro-me que certa vez sentei-me numa pedra para descansar a janta e ler o meu livro de História do Irã, mas uma suspendida de vista e, à minha esquerda, via a moça dançando Fear of the Dark do Iron Maiden (a dança eu deixo por conta de vocês imaginar, mas incluía um bom sacolejo de madeixas); à direita, um ménage à trois canino na areia. E a vida em Vama Veche seguia. 

As noites, por outro lado, eram menos interessantes. Primeiro que a cama quase me derruba, e tive que logo trocar com a minha amiga. Segundo que fazia um calor de forno e o prédio era de cimento, ao que você imagina que era agradabilíssimo após uma tarde de sol em cima dele. E terceiro que, como era fim de semana, havia sempre eventos. Sabe o que é pior do que música de boate no restaurante vizinho quando você quer dormir? Uma sessão de uma hora com alguém contando piadas ao microfone. Em romeno. (Não sei se ter entendido as piadas teria sido melhor ou pior).

Por sorte o filho da mãe parou antes da meia-noite, embora o batidão no bar em frente tenha continuado até as 5 da manhã. Os embalos de sexta, sábado e domingo à noite. 
Pedras onde me sentei numa tarde para ler, e observar.
Esse exagerou nos embalos.

Dali eu voltaria a Bucareste, onde ainda passaria mais uma noite. Nessa noite, fui com um grupo de amigos num bar bem legal chamado Éden, no meio do mato, por assim dizer, por detrás de um casarão antigo. Coincidência ou não, acabei esbarrando num camarada que havia ficado no mesmo albergue que eu em Marrakech alguns meses atrás. Surreal como às vezes o mundo é pequeno.
O casarão abandonado. Esse é dos que não foram destruídos por Ceausescu. 
Os fundos. Bar Éden, em Bucareste. Lugar extremamente agradável. (Só não pode chover).

Da Romênia eu seguiria para Malta neste verão. Mais um país a conhecer. Deixo vocês com as fotos de Vama Veche, para lembrarem, visitarem e viverem a muvuca.
Não, a dama de vermelho não é salva-vidas, tolinho. Senão ia ter marmanjo se afogando por minuto.
Nascer do sol, visto da lage da nossa humilde residência.
Espreguiçadeiras alugáveis na praia. 
Ou algo mais chique, se você preferir.
Ê vida.


sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Zagreb (Croácia) e o Museu dos Relacionamentos Partidos


Bem vindos a Zagreb, a capital croata. Uma cidade simples, mas bonita e rica em história. Ao contrário da costa da Croácia, que atualmente recebe enxames de jovens festeiros de toda a Europa e parece funcionar na base do turismo, a capital é autêntica: uma cidade de croatas e para os croatas. Isso significa preços mais baratos e maior contato com o povo local.

Para quem está perdido, a Croácia fica a leste da Itália. A costa praieira no sul lembra o lado italiano, mas aqui o norte do país lembra mais as suas origens centro-europeias como parte do Império Austríaco. A foto acima não deixa mentir, com seu ar semelhante à Alemanha, Áustria, Hungria e outros países da região central da Europa. Aqui em Zagreb encontrei uma bela cidade, e vi um dos museus mais originais que já visitei em todo mundo.
Pra quem estiver geograficamente perdido, eis a Croácia em vermelho. À esquerda em laranja é a Itália.
Cheguei à Croácia de trem. Embora em 2013 ela tenha se tornado o 28o membro da União Europeia, ainda há controle de passaporte na fronteira, mas coisa rápida. Também ainda não adotou o euro. (Visite antes que isso aconteça, pois os preços invariavelmente sobem). Enquanto na costa turística tudo é caro, em Zagreb os preços são para os croatas  portanto, quase sempre mais baratos que na Eslovênia ou na Itália, que usam o euro.

Cheguei à noite, caminhando por três belas praças conjugadas que levam da estação central de trens até o coração do centro, a Praça Ban Josip Jelačiċ. Como é comum na Europa, andam o bonde elétrico (VLT) e os pedestres  nada de carros no miolo da cidade. 
A Praça Ban Jelačiċ, o coração de Zagreb.

Estão vendo aquela estátua do cavaleiro? Costumava ficar voltada para o norte, na direção da Áustria. Não mais. Agora está para o sul. A explicação do porquê lhe ajudará a posicionar a Croácia na História.

Aquele é Josip Jelačiċ [lê-se Yelátitch], herói nacional da Croácia. Até 1848 estas terras eram parte do Reino da Hungria, que por sua vez integrava o Império Austríaco da dinastia dos Habsburgo. Em 1848, a Europa entrou em convulsão com uma série de movimentos nacionalistas e revoluções de independência. Napoleão, no princípio dos anos 1800, já havia disseminado a semente desses ideais nacionalistas em suas campanhas pela Europa, e os europeus também assistiam aos bem-sucedidos movimentos de independência nas Américas. E perguntavam-se: por que não livrar-se do jugo alheio aqui também na própria Europa?


Os húngaros trataram logo de buscar sua separação do Império Austríaco, e voltarem a ser independentes. A Croácia à época fazia parte dos domínios húngaros dentro do império. Jelačiċ, que era um nobre na Croácia, opôs-se ao movimento independentista húngaro. Em vez disso, ele aproveitou-se da situação e chegou pro imperador austríaco: nós ficamos com você, mas com algumas condições: queremos plenos direitos civis aos croatas, abolição da servidão na região da Croácia, e a nossa separação do Reino da Hungria. O imperador concedeu, e os húngaros ficaram p*****. Os húngaros acabaram frustrados na tentativa de conseguir sua independência completa, mas ganharam maior autonomia. O império passou a chamar-se Austro-Húngaro, com a famosa "monarquia dupla" (o rei húngaro tomava conta dos seus assuntos internos, mas a Áustria continuava a definir a política externa). A Croácia também seguiu sendo parte do império, mas ganhou autonomia dos húngaros e a sua própria assembleia nacional (curiosamente 
chamada Sabor). 

A estátua foi posta em 1866, após as convulsões, devidamente voltada para o norte, na direção da coroa austríaca. Teve gente que não gostou. Em 1918, com a Primeira Guerra, colapsa o Império Austro-Húngaro, e a Croácia junta-se aos sérvios e eslovenos para compor um novo país: a Iugoslávia. Em 1947, o governo comunista iugoslavo manda remover a estátua dizendo que era símbolo de servitude aos interesses estrangeiros. Em 1990, com a independência completa da Croácia, a estátua 
 que havia ficado guardada no porão de alguém  volta à cena, mas desta vez voltada ao sul.
Criança diante da esfinge, e a estátua de Josip Jelačiċ ao fundo, na praça principal de Zagreb. 
Meu caminho pelas praças iluminadas de Zagreb até o meu albergue.
Passando pela praça principal à noite. 

Cheguei ao meu albergue, não longe dessa praça principal, e encontrei Ana, uma simpática croata branca, alta, de cabelos compridos negros cacheados e que namorava um brasileiro. Estavam se arranjando, ele em São Paulo. Ensaiou algumas palavras em português enquanto me cedia uma toalha de banho. Enquanto isso, o tunts-tunts rolava solto no bar ao lado.

O que não faltam são festas em Zagreb, mas eu estava em modo mais reflexivo que festivo, e contente em zanzar sozinho pela cidade. Além do mais, é quase impossível sentar-se às mesas de algum bar sem fumar 
 ativa ou passivamente. Os europeus, sobretudo aqui nestas bandas do continente, parecem ter enorme dificuldade em conceber socialização sem beber e fumar. 

Ainda havia barraquinhas de Natal, pois era janeiro. Minha primeira tentativa foi um negócio chamado Fritule, que eu 
 burro, ou talvez fosse a falta de glicose no cérebro  li como se fosse algo de fruta. Ledo engano; era fritura. Não passava de uma bola de massa frita no óleo, com açúcar por cima. Crendiospáde. Mas a Croácia ainda me presentearia com doces melhores.
Bela decoração de Natal no centro de Zagreb, com as cores da bandeira croata. Ali, uma barraquinha vendendo fritule.

No dia seguinte, fiz um tour a pé sozinho, já que a Croácia 
 por alguma ganância disfarçada de ordem  proíbe os tours gratuitos feito por voluntários e só permite os seus licenciados, e pagos. Recusei-me a pagar o equivalente a 10 euros [30 reais] pelo que normalmente sai quase de graça nos outros países da Europa ("quase" porque, mesmo nos tais tours gratuitos, o guia espera receber uma pequena gorjeta, ainda que não seja obrigatório).

A caminhada foi agradável e bastante cênica. Zagreb tem uma parte alta, mais histórica, e uma parte baixa, que é o grosso da cidade e onde o dia-dia acontece. A parte alta é uma fofura, bem bonitinha e preservada, 
apesar de um incêndio em 1731 e um terremoto em 1880 terem destruído muito das casas mais antigas. 

Sobe-se lá por ladeiras ou por um plano-inclinado barato. Num dos caminhos você passa por um túnel que era um antigo portão da cidade, hoje um altar na rua. Uma imagem da Virgem Maria sobreviveu ao fogo de 1731 e até hoje permanece como local de peregrinação. Os croatas, como são bastante católicos, mantêm o local sempre em atividade. É curioso estar caminhando pela rua e, de repente, ver velas acesas, altar, e pessoas orando no túnel.


Ao lado da área de velas, placas com mensagens de agradecimento. "Hvala" é obrigado em croata.
Na cidade alta, parte mais histórica de Zagreb.
A simpática Rua Tkalciceva, a mais movimentada da cidade alta, com casario tradicional e recheada de bares.
Bela vista do alto para a cidade baixa de Zagreb, junto ao plano inclinado.

Já a cidade baixa é mais mundana. É onde o dia-dia acontece. Há uma mistura de casario da época austríaca e prédios feios da época comunista iugoslava, aqueles monstros cor de cimento que se encontram por todo o leste europeu. Afora eles, sobretudo no centro, as ruas são simples mas bem conservadas.
Cidade baixa de Zagreb. Arquitetura da era imperial. 
Grandes calçadões por onde normalmente só passam pedestres e bondes elétricos.
Partes mais humildes fora do centro. Prédios da época da Iugoslávia comunista. 
Estátua de Nikola Tesla (1856-1943), dos primeiros e mais renomados engenheiros elétricos do mundo. Trabalhou com Thomas Edison. Voltou a ganhar fama por ter sido tomado como o patrono dos carros elétricos. Leiam sobre ele. Era sérvio, mas nascido na Croácia. Há aqui na Croácia até mesmo o Dia Nacional de Nikola Tesla (10 de julho).

A culinária croata não me impressionou tanto (pareceu-me uma mistura de influências austríaca e italiana, com coisas genéricas tipo bife, salada, peixe assado...), mas os doces, aí sim, a gente começa a conversar. Cheguei até a ir, no dia seguinte, a cidadezinha só porque era o local clássico de uma certa torta (e, bem, eu já havia visto o grosso de Zagreb no primeiro dia). 
As patisserias croatas são bastante atraentes, como as fotos abaixo vão mostrar. Novamente, é forte a influência da Europa Central. Receitas da época do império, e de que quase todos partilhavam. 
Que bela vista. Guloseimas que você pode comer em Zagreb.
Essa é a Kremshnita, que me fez ir até o vilarejo de Samobor, experimentá-la num local onde me recomendaram. Parece-se com um pudim de leite aerado. (Se bater um vento na sua mesa, desmancha e leva).
Na bucólica cidadezinha de Samobor, nas cercanias de Zagreb.
Pra você treinar o seu croata. Percebam como as coisas aqui são simples. Aí comprei deliciosas geleias caseiras.

Foi voltando de Samobor que visitei um dos museus mais interessantes que já vi, se não o mais, e que marcou a minha estadia em Zagreb. O Museum of Broken Relationships, ou Museu dos Relacionamentos "Quebrados", ou Partidos. Tocou-me pela sua humanidade e originalidade. 
Eu iria embora de Zagreb já na manhã seguinte, num trem às 06:50, mas ainda tinha um fim de tarde e uma noite. Cheguei pra visitar o museu era de noitinha, perto do plano-inclinado, na parte alta da cidade. (Enquanto os museus convencionais fecham às 5, esse fica até mais tarde, as 10 da noite).

O conceito do museu é simples: objetos de valor afetivo doados por pessoas de todo o mundo, junto com uma história do relacionamento por detrás deles. Alguns são mais dramáticos, outros engraçados, uns tristes, quase todos tocantes. Vou traduzir alguns pra vocês.


Um Relógio de Prata (Setembro 2002 a Maio 2005; Bloomington, Indiana, EUA). 
A primeira vez que o meu ex disse que me amava, ele tirou o meu relógio e puxou o pino pra fora para marcar a hora em que havia dito. Depois disso eu nunca mais tive coragem de empurrar o pino de volta pro lugar ou usar o relógio novamente. Mas se eu tivesse sabido que ele realmente só iria me fazer perder tempo, teria posto o pino de volta e ido embora em vez de esperar anos demais para recomeçar a minha vida.

1.000.000 de liras turcas (2000; Bursa, Turquia).

Era a noite de formatura dela do colegial. Nessa época a gente ainda não estava saindo. Ela estava com amigos no salão de dança, e eu escutando uma fita de rock no carro, estacionado em frente ao salão. Ela me enviou uma mensagem de texto: "Queria que eu estivesse com você". Eu ainda me lembro dela com aqueles sapatos chiques e desconfortáveis nas mãos, e um All Stars nos pés. Essa nota de 1.000.000 de liras é metade da conta que eu paguei do nosso jantar no fim da noite. Enquanto eu tentava pagar tudo, ela insistia para pagar a metade. Quando eu a levei pra casa, ela me deu um pequeno beijo, deixou o dinheiro no banco do carro, e correu pra casa. Eu peguei o dinheiro, dobrei, guardei na carteira, e por anos a vir essa nota sempre me lembraria dela. Eu depois tentei devolver, mas nunca consegui. A existência dessa nota com o número de série K 330311972 nos daria paz ao longo dos anos. O dinheiro já saiu de circulação. Não tem valor material nenhum. Mas pra mim é uma das memórias mais valiosas que tenho dela.

Danica & Tree (Final de Maio 2007 - Final de Junho 2007; Berlim, Alemanha).

Notas básicas: Eles se conheceram num domingo de chuva, ambos estavam sós no Cinema Kulturbrauerei (filme de Joe Strummer, "O Futuro não está Escrito"). Após o filme ele veio até ela e disse: "Darf ich dich begleiden?". Ela não entendeu o alemão dele, mas o chamou para tomar algo mesmo assim. Ela fez anjos descerem do céu para o aniversário dele, sério. 

Eles trocaram muitas maçãs nesse curto período. Estava chovendo massivamente o tempo todo. Ela gostava de sentar-se na varanda dele enrolada apenas numa colcha, comendo pão, maçãs e mel, e escrevendo-lhe cartas enquanto ele estava no trabalho. Tree começou a esconder-se de Danica um dia depois de eles terem a noite mais singela juntos, quando nenhum dos dois conseguia acreditar que haviam realmente se encontrado. As razões permanecem desconhecidas. Danica não tem tanta certeza de que eles realmente se encontraram. Ela de algum modo acha que o melhor é livrar-se destes três objetos: 


1. O bilhete que ele deixou na porta da casa dela, em Ruckerstrasse.

2. A maçã dada por um anjo ao outro, em Landwerk Kanal, Kreutzberg, perto do Deutsches Techniches Museum, em 2 de junho de 2007. 
3. O canivete que ele trouxe pra ela de presente de Moscou, em julho de 2007 (após a separação).  

E mais três objetos insubstanciais 
 três desejos que não se realizaram:
1. Ele prometeu levá-la a um lago especial aonde eles voltariam no inverno, quando o lago estaria congelado.
2. Ele prometeu que eles dormiriam num telhado.
3. Ela sonhou que ele lhe telefonaria no seu aniversário.
(Não me perguntem se a maçã é ainda a original que a moça deixou pra o museu).
Um Retrovisor. (1983-1987; Zagreb, Croácia).
Certa noite o carro dele estava estacionado na frente da casa "errada". Ele pagou por aquela negligência com o retrovisor. Depois eu lamentei, já que o carro não tinha culpa. Os limpadores de pára-brisas também tiveram o deles, mas eram feitos de material mais sólido e por isso permaneceram no carro. No dia seguinte, quando o "cavalheiro" chegou em casa, ele me contou uma história estranha de como uns hooligans lhe arrancaram o retrovisor do carro e entortaram os limpadores de pára-brisas. Foi tão engraçado que eu quase confessei. Mas, como ele nunca me confessou onde realmente havia passado a noite, eu também não disse nada. Foi o começo do fim do nosso relacionamento.

Novenas (Orações). (Manila, Filipinas).

Eu rezei estas novenas todos os dias em que o meu noivo esteve no hospital por algumas semanas antes de falecer. Eu guardei isso por alguns anos, mas agora quero compartilhar com o mundo. Ele não sobreviveu ao acidente de carro, mas essas orações o mantiveram vivo naquele momento... Elas me mantiveram viva. Algum tempo já se passou. A vida continuou, e eu fui abençoada com uma bela e amorosa família. Eu sei que ele agora está feliz com o Senhor. Eu o libertei...

E há muitos outros, de diversos tipos, em geral todos carregados de bastante sentimento. Se você tiver empatia, é difícil não sair sensibilizado, pensando nas suas próprias histórias, naquilo que você teria pra doar. Uma experiência memorável e fascinante, ainda que, em geral, triste. (Doações de todo o mundo são aceitas, então se você achar que tem alguma...).


Eu fui o último visitante a sair do museu. Não porque tenha ficado excessivamente sensibilizado, mas porque fiquei de papo com a moça do balcão, Marija [lê-se Máriia, a versão local de Maria], uma simpática croata loira de cabelos curtos, óculos, e conversa rápida. A conversa estava boa, e por que acabar? Dali saímos pra jantar alguma coisa.


A moça tinha um noivo australiano (eu sei, é longe, mas eu não tinha a intenção de colocá-la no rol das broken relationships). Mas a conversa rendeu. Senti-me como naquele filme Antes do Amanhecer, em que um cara e uma moça se conhecem e viram a noite conversando pelas ruas de Viena. Fomos postos pra fora do italiano aonde fomos jantar, e dali seguimos para um drink na Tkalciceva, aquela rua simpática que mostrei antes na cidade alta. Como já era bastante tarde, a quantidade de fumantes era menor, e era possível respirar. Pela rua ficamos até quase não haver viv'alma.


Ela não me deixou tirar foto dela, mas tive notícia de que já se mudou pra morar com o noivo na Austrália 
 então vocês não a verão mais lá, se forem ao museu. Mas lembrem-se da história, se visitarem.

Quando cheguei ao albergue após as 3h da manhã, era hora de comer bolo com a turma da recepção. Quem é que ia mais pegar trem às 06:50h? Resolvi dormir e deixar pra o próximo que sairia para Ljubljana às 12:35.


Às 11:45 da manhã, o rádio me expulsava com Hit the road, Jack.  Só que a continuação da música (and don't you come back no more no more...) eu sabia que não iria cumprir. A Croácia certamente me veria novamente.