sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

Mairon vai a Machu Picchu

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Eis a famosa. Repare na miudeza das pessoas na foto.

Machu Picchu, a cidade perdida dos incas. Este é talvez o mais famoso e místico destino na América do Sul. É também a mais popular trilha das Américas, para aqueles que curtem caminhar na selva. O que torna Machu Picchu especial e diferente de outras regiões de montanha é que aqui você tem muito verde, não apenas rochas, e tem todo o misticismo que cerca os incas. Em poucos outros lugares do mundo você encontrará ruínas assim tão bem conservadas, e rodeadas do povo que as construíram.

Machu Picchu foi (re)descoberta em 1911 pelo explorador norte-americano Hiram Bingham. Por séculos ficou abandonada na floresta, embora algumas versões digam que camponeses viviam na região. O certo é que os habitantes deste interior do Peru, que são quase todos de origem indígena, sempre souberam de Machu Picchu (que, na língua quíchua, quer dizer "Velho Pico"). Foram eles que levaram até lá o explorador norte-americano que então publicaria sua descoberta da "cidade perdida dos incas", lançando-a às capas da National Geographic e à fama internacional.

(Para quem gosta de entender as coisas em contexto, vale saber que nesse período do século XIX e começo do XX, os Estados Unidos estavam tentando fortemente se impor num mundo então dominado pela Europa. Essa foi a época do Orientalismo, de europeus fascinando-se e estereotipando as civilizações antigas  egípcios, árabes, turcos, indianos  que conquistavam em seu imperialismo na África e na Ásia. Os Estados Unidos, não querendo ficar para trás, lançaram-se então para explorar o que havia das civilizações americanas pré-colombianas. Chamaram, ainda no século XIX, os Mayas da América Central e do México de "O Egito Americano". E, pouco depois, alardeariam suas descobertas sobre os incas. Trabalho arqueológico interessante, mas não deixem de perceber também a dimensão simbólica da coisa. Esses estudos sempre trabalharam estereotipando tais povos "tradicionais", tratados como irremediavelmente conservadores  e, portanto, a-históricos  em contraste à enaltecida civilização ocidental, baseada na razão. Dessa mesma matriz surgiram preconceitos mui atuais, como tratar de "filosofia" apenas o pensamento "ocidental", leia-se de pensadores europeus ou anglo-americanos, e de achar que índio ou árabe não muda, pois são vistos como povos irremediavelmente tradicionais.)    

Voltemos a Machu Picchu. Vamos primeiro à logística para os interessados em vir, antes de eu narrar a minha visita.
Visitar Machu Picchu é trabalhoso, e requer atenção. Não estou me referindo às longas e íngremes escadarias de pedra, mas à burocracia. Como este é um sítio de conservação natural e arqueológica, a visitação é limitada a alguns milhares de pessoas por dia. Pode parecer muito, mas não é. As entradas muitas vezes se esgotam semanas antes, sobretudo na alta estação (a estação seca, de junho a agosto). Para fazer a trilha que chega a Machu Picchu a pé o limite é ainda menor, de apenas 400 pessoas, então é necessário comprar com meses de antecedência. Planejar é fundamental.

A compra se dá no site oficial do governo peruano (http://www.machupicchu.gob.pe). Atualmente estão aceitando pagamento online com cartão de crédito, mas às vezes não funciona. Quando eu fui, esse serviço estava suspenso; era necessário reservar online e depois fazer um depósito identificado no Banco Nacional Peruano (o que complica se você não estiver fisicamente no Peru para isso). Mas como fui na baixa estação (novembro, que tem certo risco de chuva), consegui comprar entradas em Cusco diretamente no Instituto Nacional de Cultura poucos dias antes. O site oficial lhe diz quantas vagas ainda restam pra cada dia. O preço, seja qual for o procedimento, é de 128 soles peruanos por pessoa (em 2016), ou aproximadamente R$ 140. Lembre que não é possível comprar o ingresso na entrada.

Agora falta o transporte. A menos que você faça a trilha inca de alguns dias, será preciso chegar  de trem ou ônibus  ao povoado de Aguas Calientes, à beira de Machu Picchu. (Oficialmente, mudaram seu nome para Machu Picchu pueblo, então atente se for comprar passagens online.) De lá você pode: subir algumas horas de caminhada até a entrada de Machu Picchu (não recomendado), ou tomar um ônibus espertamente cotado em dólares (US$ 9 por pessoa, quando eu fui) e que te deixa nos portões de Machu Picchu em 20 minutos. 

Embora o ônibus seja caro, acho que ele vale a pena. Na minha opinião, Machu Picchu já exige bastante das pernas. Além disso, ao invés de gastar as preciosas horas da manhã subindo beira de estrada, talvez melhor seja entrar em Machu Picchu logo no começo da manhã, quando há menos gente e não tem aquele sol de meio-dia na sua cabeça. Foi o que eu fiz.
Aquela estradinha em ziguezague é a que leva de Machu Picchu ao povoado de Aguas Calientes, rio abaixo. Você escolhe entre 20min de ônibus ou algumas horas de caminhada. Eu preferi guardar as energias para a visita às ruínas.

E para chegar até Aguas Calientes? Há ônibus e trens. Se optar pelo trem, certifique-se de comprar suas passagens bem antecipadamente, pois lota rápido. (Ver mais sobre isso em No Andean Explorer, o charmoso trem pelo interior do Peru.) A PeruRail tem serviços desde Cusco ou desde Ollantaytambo, inclusive o caríssimo trem de luxo Hiram Bingham (sim, batizado com o nome do historiador). Mas não vi sentido em pagar tanto por luxo se o atrativo principal da viagem é a vista. Acho que o trem poderia oferecer até show de strippers, e ainda assim a sua a atenção se desviaria para a paisagem montanhosa. 

Há quem durma em Aguas Calientes, mas eu não vi nada aqui que merecesse isso, a menos que você tenha chegado a pé  só há barracas vendendo souvenirs e restaurantes para turista. Por outro lado, se você sair de Cusco, levará 2h até Aguas Calientes e provavelmente chegará a Machu Picchu quase na hora do almoço. Bad idea. Eu preferi um meio termo; optei por dormir na aconchegante Ollantaytambo, e tomar um trem de manhã cedo que chega em 30 minutos a Aguas Calientes  te permitindo já estar em Machu Picchu ainda nas primeiras horas de sol.  

Uma última observação prática: não é permitido comer nas ruínas, e você vai passar horas lá dentro, então alimente-se bem antes de ir. Na entrada há comida e bebida, mas tudo é caríssimo (R$10 a água mineral), então é uma boa ideia levar lanches para antes de entrar e/ou depois de sair. Água você pode levar, e leve bastante, pois você vai suar, e dentro não há nada. É permitido sair e entrar de novo com o mesmo ingresso no mesmo dia, mas dado o tamanho da escadaria de entrada, é improvável você terá vontade de subir tudo outra vez depois de descer. Vá por mim. Entre de uma vez, cedo, e veja tudo o que puder.
Trem da PeruRail a caminho de Machu Picchu.
Era mesmo bastante cedo quando eu acordei em Ollantaytambo, os primeiros raios de sol apenas começando a tirar a escuridão da noite e a revelar as nuvens e montanhas ao redor da vila. Infelizmente, tive que sair antes da hora do café da manhã. Na rua, apenas vendedores estavam à vista, começando a montar suas barraquinhas em preparação à vindoura horda de turistas. Apressei-me pra a estação de trem, a 15 minutos de onde eu estava. 
Praça em Ollantaytambo no início da manhã.
Os vendedores começando a montar suas barracas simples. Cedeiros, como outras gentes trabalhadoras mundo afora.
Quase na estação de trem, a presença de barracas de souvenirs se intensificava. Começavam também a aparecer outros viajantes.
Na estação de Ollantaytambo, prestes a tomar o trem pra Machu Picchu.
A viagem de trem para Machu Picchu é curta, e muito boa. Qualquer trem tem "teto solar" que te permite ver a paisagem através do vidro, além de pelas janelas. Lindas vistas de montanhas cobertas de verde. (O interior do trem em si é também decorado com temas incas.)
Interior do trem de Ollantaytambo a Aguas Calientes.
Chegada do trem em Aguas Calientes, e ali a bilheteria para as passagens de ônibus.
As lindas vistas que você tem do ônibus, ziguezagueando na estradinha à beira do abismo. Ele te deixa basicamente nos portões de entrada para as ruínas.
Aqui o ônibus te deixa. Entrada para Machu Picchu. Prepare as pernas.
A apoteose lá em cima. Ou melhor, só o começo da visita.
A vista de lá é magnífica. A sensação, melhor ainda. Você leva um tempo internalizando "estou em Machu Picchu", e inevitavelmente se pergunta se atende às suas expectativas, se é tão impressionante quanto você imaginava. A minha resposta foi um retumbante "Sim", mas a sensação você não consegue imaginar antes de vir. Sentir-se envelopado naquelas montanhas verdes, absorvido naquele ambiente, é indescritível.

Agora prepare-se pra caminhar. Os antigos incas deviam ter um físico fenomenal, pois haja escadas, e com degraus bastante altos. 

O sítio principal fica logo ali, uma vila construída por volta de 1450 pelos incas. Foi abandonada cerca de 100 anos depois, devido à epidemia de varíola, e os espanhóis nunca a descobriram. Assim foi preservada. Ainda é possível ver muitas das casas, espaços de estocagem de alimentos, etc. O mais fabuloso é imaginar isso aqui cheio de vida, com incas pra lá e pra cá, percorrendo as montanhas.
Imagine acordar de manhã numa casa dessas e ter esse horizonte.
Escadas...
Algumas lhamas que puseram ali para integrar o ambiente.
Caminhos por Machu Picchu.
Entrando nas casas.
Dei muita sorte de ter um dia de sol. Não quero imaginar isso com chuva. Muito menos o caminho que eu tomaria a seguir, rumo à Porta do Sol. 

Foram 2h pra ir e mais 1,5h pra voltar (pois a ida é subindo). A Intipunku, ou Porta do Sol, é na verdade a entrada para aqueles que aqui chegam pela trilha inca. Uma ruína modesta, mas um caminho inesquecível. As vistas (e a sensação) que você tem, trilhando à beira do abismo, são fabulosas. 
O caminho entre Machu Picchu e a Porta do Sol.
Alguns trechos são assim.
A vista que te acompanha.
Relaxando lá no alto. (Só não podia pegar no sono.) 
As ruínas da Porta do Sol. São simples, mas lembre-se daquele ditado de que o que importa não é o destino, mas a viagem.

Duas coisas engraçadas. A primeira é que eu não fazia ideia da distância desse percurso até percorrê-lo. Na ida, perguntávamos frequentemente a quem estava voltando: "E aí, quanto falta pra chegar?". E as respostas variavam enormemente; os anglófonos e os franceses diziam "uma hora e pouco" nos mesmos lugares onde os espanhóis e latino-americanos diziam "só mais uma meia horinha", com exagerado otimismo. Achei comicamente sintomático dos nossos eufemismos (e consequente falta de pontualidade). Uns 10 minutinhos e eu tô chegando aí

A outra coisa foi quando cruzamos com um jovem inglês que vinha já boiando, até que viu a minha mãe, aos quase 70 anos, seguindo firme em frente. "Ok, now that's embarrassing. I suddenly feel motivated again." [Ok, aí já é constrangedor. De repente estou motivado novamente.] Eu ri, ele seguiu adiante, e depois eu contei a minha mãe o que ele havia dito.

Umas cinco horas depois, era hora de terminar a visita. Após retornar da Porta do Sol, ainda circulamos mais e dei uns bordejos por conta própria, mas com o tempo eu também já estava atrás de um descanso  e comida. Estávamos satisfeitos. Além do mais, tínhamos passagens pra um trem de volta a Cusco aquela tarde. Um voo pra Lima nos aguardava no dia seguinte.
  
A 2.700m, Machu Picchu pode não ter sido o mais elevado, mas fica definitivamente como o ponto mais alto desta viagem.


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