sexta-feira, 8 de janeiro de 2016

O Lago Titicaca e a Copacabana original, na Bolívia

Os cariocas terão uma queda de pressão ao saber, mas "Copacabana" não é um nome originalmente do Rio, ou sequer brasileiro. É um nome indígena dos Andes, que viajantes bolivianos trouxeram à praia do Rio de Janeiro no século XVII. Desde antes da invasão dos espanhóis às Américas, há nas margens do Lago Titicaca  hoje na fronteira entre a Bolívia e o Peru  um povoado com o nome de Copacabana. As hipóteses sobre a etimologia exata do nome variam, a mais aceita na Bolívia é a do significado Kota Kahuana ("vista do lago") na língua Aimara, nativa da região.

Dizem que nos idos de 1500 houve uma aparição de Nossa Senhora a um pescador daqui, que talhou uma imagem sua em madeira. Ela ficou conhecida como a Nossa Senhora de Copacabana, ainda hoje a santa mais cultuada da Bolívia e de partes do Peru. No século XVII, mercadores de prata dessa região em viagem à cidade do Rio de Janeiro lá ergueram uma capela à santa, na praia que então era conhecida no Brasil pelo seu nome Tupi, sacopenapã (significando "caminho dos socós", que são aves da família das garças). Com o tempo, a capela de Copacabana deu seu nome à praia e ao bairro. A capela ficava onde hoje é o Forte de Copacabana, lá construído em 1914.
Imagem da Virgen de la Candelaria de Copacabana, talhada pelo índio aimara Francisco Tito Yupanqui em 1583. (Calma, cariocas, não pensem que também o nome Candelária vem dali. Candelária, em português ou espanhol, é o nome dado à celebração católica da Purificação de Nossa Senhora dia 2 de fevereiro, quando tradicionalmente se faz uma procissão com velas pela igreja. "Candela" é vela em espanhol, daí outras palavras relacionadas, como candelabro). 

A cidade boliviana de Copacabana continua hoje sendo o pequeno povoado de sempre, construído ao redor do Santuário, só que ele é hoje muito mais turístico. Numa tarde você percorre ele todo a pé. Há a visitar, basicamente, o Santuário de Nossa Senhora de Copacabana e as margens do lago.

O Lago Titicaca é o maior lago da América do Sul e o mais elevado lago navegável do mundo, a 3.812m de altitude. Você nem se dá conta de que está a essa altura toda, exceto pela baixa de oxigênio no ar e uma certa dificuldade pra respirar, se você não estiver nessa altura já há algum tempo.

Cheguei num ônibus vindo de La Paz, básico porém confortável, como comumente o caso no Brasil. Li bastante sobre bloqueios de estradas na Bolívia, mas não vi nada disso. O curioso é que, como Copacabana fica numa ponta sinuosa às margens do lago, o ônibus o atravessa numa balsa para não ter que fazer uma volta muito grande. (Nisso, curiosamente, você provavelmente precisará já mostrar a sua documentação às autoridades peruanas, pois Copacabana é tão na fronteira que eles entendem que dali você já poderá facilmente entrar no Peru.)

As vistas para o lago são magníficas.
A vista para o Lago Titicaca ainda da janela do ônibus.
Às margens do lago. Nós travessamos de lancha e reencontramos o ônibus do outro lado, após ele atravessar numa balsa.
A vista na lancha para o lago, quase um mar.
Já do outro lado, antes de reembarcar no ônibus. (Ali atrás, caso você esteja lendo, é Comedor mesmo, tipo lanchonete/restaurante em espanhol.)

Chegando do outro lado, o ônibus lhe deixa numa das praças centrais de Copacabana. A cidadezinha, verdade seja dita, não é exatamente bonita. Os bolivianos e peruanos parecem sentir pouquíssima necessidade  e/ou terem pouquíssima condição  de rebocarem suas casas, então o mais comum é ver repetidamente por estas cidades do interior casas de múltiplos andares só no tijolo e com janelas de ferro e vidro. As ruas são repletas delas. De mais ajeitadinha, só mesmo a rua principal que desce para o lago, recheada de cafés e restaurantes com wi-fi (para turistas).
Rua principal de Copacabana. Mesmo lá, as ubíquas casas de tijolo sem reboco e janelas de metal e vidro.
O caminho para o lago.
Apesar do jeitão de "caminho da praia", não vi ninguém tomando banho de lago, pelo menos não aqui. (A esta altitude e neste clima ensolarado porém frio, tenho a impressão de que a temperatura da água é muito pouco convidativa.)

À beira do lago, vi apenas barcos de pescadores e de passeios  como os que levam para a Ilha do Sol e outras com heranças indígenas no meio do lago.
A beira do lago, ao final daquele caminho.
Caminhando uns 10 minutos na direção oposta você chega ao Santuário de NS de Copacabana, uma área colonial e até bonita, embora simples. A arquitetura é portentosa, mas não senti aquela pretensão de outros templos coloniais, talvez pela simplicidade das paredes brancas e de seus arredores.
Com o Santuário de Nossa Senhora de Copacabana atrás.
A entrada para o santuário. Vendedores abundam em frente e nos arredores, mas não no interior. A maioria dos produtos, no entanto, são de baixa qualidade (até pelo baixo poder aquisitivo dos visitantes), aquelas imagens de santo feitas na China e outros badulaques simples.
Estátua de Francisco Tito Yupanqui, que teria tido a visão da Nossa Senhora de Copacabana e talhado sua primeira imagem, no século XVI. 
Não deu para tirar fotos do interior, mas recomendo a visita.

Este não deixa de ser também um bom trampolim por onde seguir em viagem ao Peru. Achei uma noite aqui o suficiente. Mas antes de partir para o Peru, tratei de terminar de gastar todos os meus bolivianos (a moeda, não o salgado brasileiro), e preparar-me para adquirir soles peruanos do outro lado. (Leve dólares, pois não é em todo lugar que trocam real!)

Em termos de comida, como sempre gosto de pontuar, não achei nada de especial aqui. O que você vê  como também verá no Peru  é a tenebrosa Inca Kola, um refrigerante amarelo com gosto de chiclete. Lembrou-me o róseo guaraná jesus do Maranhão, e é tão horrível quanto. (Todo o meu amor aos maranhenses e ao Maranhão, mas aquele guaraná é brabo. O mesmo se algum amigo meu peruano estiver lendo isso aqui.)
O negócio é ruim e eles ainda vendem nessa garrafa enorme.
O sol caía por detrás do lago, dando a impressão de que havia vulcões em erupção (à là Mordor) nas montanhas além. A vista para o Titicaca é linda nesse entardecer.

No dia seguinte, tomaria uma chávena de chá de coca antes de partir para ter energia de carregar a bagagem no baixo oxigênio destes quase 4 mil metros, e seguiria para o Peru. Do outro lado do lago, a cidade peruana de Puno, e dali seguiríamos já diretamente para Arequipa, uma cidade maior. Arequipa fez o traslado valer a pena, mas foi uma das mais desgostosas viagens de ônibus da minha vida.

Deixo vocês, por ora, com o visual do lago à noitinha.
Docas do Lago Titicaca em Copacabana, ao anoitecer.
Rua principal à noitinha. (Não há muito o que fazer, já lhes digo.)
 Até o outro lado, no Peru!

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