sábado, 27 de abril de 2013

Os segredos de Nara (e de como fazer brigadeiro de chá verde)

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Se estiver interessado(a) em Nara, veja Nara, a primeira capital e o maior Buda do Japão

Se estiver interessado(a) nos brigadeiros de chá verde, veja Uma receita nipo-brasileira: Como fazer brigadeiro de chá verde

Nara é uma cidade bastante budista, marcada por gazelas que circulam livres, e de acordo com o Google Earth é também o lugar mais distante (do meu ponto de partida, Feira de Santana) onde já fui. Mais distante que Nara e o Japão só quando eu for a Guam ou às Filipinas  então aguardem que um dia desses eu vou!
Estátua do Buda com uma criança sobre a lótus, em Nara.

Pra dar um pouco de contexto, Nara foi capital do Japão (710-794) antes mesmo de Kyoto. Durante os anos 600 o Japão recebeu forte influência da China: administração centralizada, técnicas e estilos arquitetônicos, e também as filosofias confucionista e budista. A China estava experimentando uma era de ouro, de unidade e de muito desenvolvimento intelectual e organizativo com as dinastias Sui (581-618) e Tang (618-907), e muito disso se filtrou para o Japão. A corte imperial Japonesa assim empreendeu uma série de reformas (as chamadas "Reformas Taika") para consolidar seu poder central, adotando princípios de administração chinesa. Nara foi, assim, a primeira capital do Japão sob o budismo.

A título de curiosidade, vale dizer que a corte japonesa foi além e teve a brilhante ideia de alterar as lendas e mitos populares inserindo-se nelas, construindo uma ideia de que eram herdeiros dos deuses e de que portanto governavam segundo uma forma de "direito divino". Por exemplo, inventaram histórias envolvendo os deuses criadores do Japão nas lendas populares e tesouros imperiais que ainda hoje são guardados como relíquias. É como se os suecos ou os dinamarqueses dissessem que tem guardado o martelo de Thor ou alguma coisa assim.

Para os fãs de Naruto, é dessas lendas que vêm os nomes Amaterasu, Susano'o e Tsukuyomi, os três deuses mais importantes. Nessas lendas a corte inseriu a espada Kusanagi (que dizem guardar até hoje), com a qual Susano'o matou a serpente de oito cabeças, um espelho (que já estava na corte) e que disseram ter sido usado pela deusa Amaterasu, e uma conta de colar em forma de vírgula, que se tornou insígnia imperial. São as três relíquias do império ainda hoje.
Insígnia imperial usada nas edificações. (Qualquer semelhança com o "sharingan" em Naruto não é mera coincidência)

Mas vamos a Nara. Era uma sexta-feira, fria mas ensolarada. Eu deixei o albergue sozinho pela manhã, deixando as minhas coisas em Kyoto, já que é uma viagem curta de não mais que 30-40min. Além disso, meus amigos ainda me cobravam fazer os brigadeiros de chá verde antes de ir embora. Era, portanto, uma viagem de um dia só (até porque Nara é pequena).

Lá, chegando de trem, me dirigi logo ao Parque de Nara, onde estão concentradas as principais atrações  inclusive o grande daibutsu, a maior estátua de Buda do Japão.

À entrada você logo encontra o Kofuku-ji, um templo (budista) estabelecido em 710, e um dos oito patrimônios mundiais reconhecidos pela UNESCO na cidade.
Templo budista Kofuku-ji, em Nara.
Pagode perto do Templo Kofuku-ji, em Nara.

Outro aspecto interessante é que na área do Parque de Nara há uma grande quantidade de gazelas passeando livremente em meio às pessoas, e você pode comprar um biscoito de ração pra alimentá-las (com um grande aviso de "Impróprio para o consumo humano"). No xintoísmo elas são tratadas como mensageiras dos deuses.
Gazelas passeiam pelo Parque de Nara.
Gazelas em meio às pessoas num calçadão de lojas no Parque de Nara.
Gazela olhando minha câmera.
Às vezes os vendedores tem que fechar as lojas, pois elas não são nada tímidas e querem entrar.
Tio japonês com biscoito na mão e que foi cercado.

É engraçado porque elas te seguem mesmo, se perceberem que você está com comida na mão. Quando você menos percebe já tem uma gangue ao seu redor. Mas não fazem nada não, embora haja avisos pra se tomar cuidado.

Como já tenho visto muitos templos ao longo destes dias, optei por ir direto à estátua gigante do Buda e ir andar pelo parque.
Vista dentro do Parque de Nara.
Templo Todai-ji, que abriga a maior estátua de Buda de todo o Japão.

O templo Todai-ji é a maior edificação de madeira do mundo. Veja pelo tamanho minúsculo das pessoas entrando nele na foto. Ele também abriga a maior estátua de Buda do Japão, com 16m. É um ponto de peregrinação para muitos japoneses. Aqui era o centro da religião budista e onde eram feitas as ordenações de monges durante a época em que Nara foi a capital.
Templo Todai-ji visto de frente.
Grande daibutsu de Nara, a maior estátua de Buda do Japão, com 16m.
Daibutsu de Nara visto de outro ângulo. Encará-lo é uma sensação poderosa.
Em frente ao Todai-ji.

Caminhei mais pelo parque, entre árvores e gazelas, de vez em quando avistando alguma máquina automática de bebidas perdida no meio do nada.
Pra quem ainda duvidava que essas máquinas se encontram aqui em QUALQUER lugar no Japão.

No parque havia também muita coisa cor-de-rosa para o Dia de São Valentim (celebrado com o Dia dos Namorados na América do Norte e na Europa). No Japão, contudo, a celebração é diferente. Aqui a mulheres dão presente no Dia de São Valentim, normalmente chocolate, de preferência caseiro, feito pela própria pessoa. Mas sem revolta, garotas: um mês depois, em março, há o chamado Dia Branco, em que os homens devem retribuir, de preferência com presentes com o triplo do valor do chocolate recebido. Paulada, hein? Outra coisa, para os solteiros: aqui não se presenteia somente o(a) namorado(a), mas amigos(as) ou qualquer pessoa do sexo oposto de quem você goste.

Passei um dia agradável na pequena cidade de Nara, mas o caminho de volta a Kyoto me aguardava. Cheguei lá já no fim do dia para a excentricidade culinária dos brigadeiros de chá verde.

Chegando na cozinha coletiva do albergue, as sacolas com os ingredientes e com meu nome escrito nelas já me esperavam. Meus amigos não estavam lá mas não aceitariam desculpas desta vez. O pó de chá verde (que eles chamam de ma-cha) eu já havia comprado, então era hora de pôr a mão na massa. Comecei, e depois eles chegaram ainda a tempo de ver a confecção.

Ingredientes: 2 colheres de manteiga, 1 lata de leite condensado (ou, se você estiver no Japão como eu, uns 3 tubos), 4 colheres de pó de chá verde.


Sacolas marcadas com meu nome na muvuca da cozinha coletiva do albergue.
Tubos de leite condensado e manteiga ali no pacotinho comprido.
O ingrediente principal: ma-cha, pó de chá verde.
Depois de derreter a manteiga na panela, adicione o leite condensado e depois misture o pó.
Vá mexendo até ganhar consistência. Pare quando começar a desgrudar da panela.
Não há chocolate granulado, então guarde um pouco do pó verde para rolar as bolinhas nele e dar mais sabor.

Voilà! Receita simples e fácil, se você achar o pó (que deve ser achável em lojas de comidas japonesas). O sabor? Hmmm... Tem o gosto doce do leite condensado, mais aquele sabor forte concentrado de chá verde com o amarguinho no final. Distribuímos na cozinha do albergue dizendo que era um doce típico japonês, e as pessoas caíram. Os ocidentais faziam aquela cara de "Hm, diferente esse gosto; é, se come, mas não gostei muito não", mas diziam que tinham achado "interessante". Já os japoneses, que obviamente sabiam que aquilo não era doce típico coisíssima nenhuma, adoraram. Acho que estão mais habituados ao sabor do chá verde. Disseram que eu não me espantasse se na próxima vez que vier ao Japão encontrasse esse doce como mania nacional, sendo produzido em escala industrial.

Dada a aprovação, levamos alguns para a família de uma japonesa amiga minha e do letão. Iríamos para a casa dela no dia seguinte, em Osaka, convidados para um jantar de família. Me despediria portanto de Kyoto. A metrópole de Osaka (segunda maior cidade do Japão depois de Tóquio) era o meu próximo destino.

2 comentários:

  1. hahahahaha...uaaaauuu..que loucyra,,,qye gororoba é essa rapaz...afimaria estômagos de avestruz...
    Amei as gazelas e achei Nara bem bonitinha...

    voilá mestre cuca das arábias...

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  2. Vc poderia aproveitar e patentear a marca, né Mairon?
    Todo mundo ia chamar o doce pelo seu nome.
    Não é muito diferente de um brigadeiro comum, só substitui o chocolate pelo chá verde.

    As gazelas são fofinhas, parece um lugar bonito pra passar o dia.

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