Shinkansen, o trem-bala japonês. |
Era hora de deixar Tóquio em direção a Kyoto, a antiga capital imperial japonesa. E nada melhor para esse trajeto que o shinkansen, o famoso trem-bala. São cerca de 360km (a mesma distância de Belo Horizonte ao Rio de Janeiro) percorridos em pouco mais de duas horas. O trem vai grande parte do tempo a mais de 200km/h, podendo chegar a mais de 300km/h. Em geral, é mais rápido que a maior parte dos trens de alta velocidade da Europa (embora haja alguns alemães que se equiparam).
Pegar o trem-bala é uma experiência que se deve ter no Japão, então não hesitei, apesar do preço alto (~250 reais).
Plataforma de partida e chegada do shinkansen. Notar o guardinha estilo Chefe Masaki com cap azul e luvas brancas. |
Era final duma manhã de segunda quando deixei o albergue em Toquio. Meu plano: almoçar na estação e depois pegar o primeiro trem-bala com destino a Kyoto, já que tem toda hora. Eu mal me dei conta de que essa era uma combinação terrível: estômago cheio e trem rápido. Subestimei a velocidade do bicho, e não sabia que em alguns momentos ele não fica exatamente plano.
Ali pela estação mesmo achei um almoço bento, com arroz e acompanhantes diversos. Não, não é arroz abençoado; "bento" é o nome de umas bandejinhas de almoço que são típicas no Japão. Daquelas tipo bandejão universário, das que tem os compartimentos onde vem um pouquinho de cada coisa. Me satisfiz, segui as sinalizações em inglês na estação, e cheguei ao meu trem-bala especial Nozomi, o que faz menos paradas. (Há vários sub-tipos: o menos rápido é o Kodama, que significa "eco", em referência à velocidade do som. O segundo mais rápido é o Hikari, "luz" ou "raio". E agora, mais rápido que isso é o que? Nozomi quer dizer "desejo", ou "esperança").
O interior do trem parece o de avião, com duas ou três poltronas de cada lado e um corredor no meio. É bem confortável, e o guardinha vem conferir se o bilhete está certo.
Interior do shinkansen, o trem-bala. |
A sensação de olhar pra fora é, como você deve imaginar, literalmente estonteante. Senti meu almoço bento remexer todo lá embaixo, até que decidi não olhar mais a "paisagem". Pra você que romantiza muito o Japão e imagina que a paisagem lá fora é um belo pomar de cerejeiras com arrozais verdejantes, sinto lhe dizer que na verdade há muito cinza, muito concreto, e muito ambiente natural degradado — o que é um problema no Japão. A vista, portanto, ao menos nestas áreas mais povoadas do Japão, é bem "padrão". Melhor que eu explicar é vocês conferirem no vídeo abaixo.
(Deixem carregar todo)
Duas horas e pouco depois, lá estava eu chegando a Kyoto, a lendária capital imperial japonesa, que foi centro formal de poder e tradição do país desde o século VIII, em 794, até 1868, portanto por mais de 1000 anos.
Você que, como eu, é fã da cultura japonesa deve imaginar Kyoto sendo aquela cidadezinha tradicional, bucólica, pequena e só mesmo com coisas históricas. Ledo engano. A começar pela estação de trem onde desembarquei: um complexo de aço e vidro de 16 andares que mais parece um shopping center.
Notem, por favor, o bendito nome desta loja na estação. |
Ruas do centro de Kyoto. Eu avisei... |
Caminhando pelas ruas com minha mochila, fui internalizando aos poucos a ideia de que Kyoto é, na verdade, uma cidade moderna. Eu descobriria que, como acontece muito no Japão, a parte antiga está nas beiradas, e às vezes escondida.
Segui para o meu albergue pelas ruelas que cortam as avenidas. Para você que acha natural hoje que muitas cidades tenham ruas em padrão de grade — ou seja, com ruas perpendiculares que se entrecruzam formando blocos — saiba que não há nada de natural nisso, e que isso foi inventado num dado momento da História. Não foi inventado num lugar só, mas na Ásia a ideia primeiro surgiu com os chineses da dinastia Tang (618-907), de onde os japoneses copiaram. Isso significa que Kyoto é uma cidade onde se orientar é extremamente fácil, inclusive porque ela se encontra num vale, com florestas em colinas de um lado e do outro. O único problema é que esqueceram de, num dado momento da modernização, acrescentarem calçadas. Isso quer dizer que, em grande parte das ruas, em Kyoto você anda literalmente na rua. Você põe o pé pra fora de casa e arrisca ser levado por alguma bicicleta. Leva um tempo pra se acostumar. Mas é melhor se acostumar rápido.
Ruelas em Kyoto. Esta é uma pequena; há outras mais largas em que passam carros, bicicletas, etc, e sem calçada alguma. Você tem que andar espremido pelo ladinho. |
Como vocês podem ver, já estava escuro quando eu cheguei. Era uma noite úmida de inverno, com um chuvisco. Mal pude esperar para chegar no novo albergue, que provou ser um cafofo (eu devia ter suspeitado de ele ser tão mais barato...). Pelo menos era bem localizado e tinha um espaço comunal bacana, e uma boa cozinha (que eu viria a usar para fazer algo jamais dantes imaginado, como vocês vão ver num dos posts a vir).
Cafofo onde fiquei albergado em Kyoto. São beliches de um lado e do outro. Não fedia, mas tinha aquele cheiro de coberta usada e quarto fechado. |
Resolvi que, apesar do chuvisco, Kyoto merecia um bordejo noturno antes de eu concluir o dia. Eu sabia que ali perto estava Gion, o tradicional bairro das gueixas em Kyoto, e fui conferir. Não demorou mais do que meia hora para ver ao vivo a minha primeira geisha — e a única que eu veria nesta viagem ao Japão. Hoje elas são raras e em número bem reduzido, mas a visão ainda faz você se sentir novamente nos séculos anteriores, quando eram mais comuns. A estética se mantem: aquela pele branca coberta de pó de arroz, o cabelo armado naquele estilo típico japonês, as roupas tradicionais e os tamancos de madeira. Ao contrário do que muita gente pensa, as gueixas não são prostitutas nem normalmente mexem com sexo; a função delas é entreter o cliente de forma artística, cantando, dançando para ele, ou simplesmente servindo de companhia para um jantar ou uma conversa. Normalmente, as gueixas mais veteranas já tem patronos, que meio que as patrocinam e as encontram regularmente. A que eu encontrei estava caminhando sob o guarda-chuva de um senhor, que ia animado contando alguma coisa e ela ria como se fosse a coisa mais engraçada do muito. (Fiquei me perguntando se era engraçado mesmo ou se parte do trabalho dela é fazer ele crer que foi engraçado).
Não quis ser muito tonhão, batendo flash na cara da gueixa pra tirar uma foto que certamente ia sair borrada, já que eles não estavam parados e nem iam parar. Mas, pra quem quiser, na verdade há a possibilidade de arranjar jantar com gueixas em Kyoto — por algo tipo 250 reais a janta e a companhia. A experiência é certamente única, mas acredito que só vá ter graça se você souber falar japonês.
Ar do bairro de Gion, em Kyoto, recanto tradicional das gueixas. |
Não vou negar que há um ar de distrito da luz vermelha, e não foi uma e nem duas vezes somente que vi mulheres com cara de funcionárias da noite e homens de terno me convidando pra dar uma chegadinha mais. Então, na prática, tenha certeza de que rola um comércio além do business das gueixas, certamente aproveitando-se de todo o elã cultural que a presença das gueixas neste distrito cria.
Ruelas do bairro de Gion, em Kyoto. |
Deixo vocês com mais fotos das áreas por onde passei nesse meu bordejo, antes de retornar ao meu cafofo.
Área de templo em Gion à noite. |
Vista da avenida por entre o portão de um templo em Gion, Kyoto. |
Vista do portão de longe. |
Portão de templo com lanternas iluminadas à noite. |
Estátua de leão encarando a avenida, à entrada de um templo no distrito de Gion à noite. |
Migo, sempre quis conhecer Kyoto e ainda quero ir ver de pertinho. Que legal que vc aproveitou e viu uma gueixa, oportunidade única!
ResponderExcluirArroz abençoado foi ótimo hehehe
uaaaauu, garoto...que maravilha de templo..que combinação de cores e luzes...e essa visão da avenida iluminada dá a impressão de que se caminha para o paraiso...muito bem ..parabéns pela experiencia e obrigada por partilha-la conosco...pobres mortais..hahah
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