quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Mairon no deserto - Parte 2: Três dias no lombo de um camelo

(Continuando de Mairon no Deserto, Parte 1: Chegando na região.

Às 5:20 da manhã eu acordei. Havia chegado o dia. Tudo acertado, às 6h da manhã passava o jipe que ia me pegar numa rua aqui perto do hotel em Jaisalmer. Antes mesmo de o sol nascer, lá fui eu.

Um par de roupas somente -- não haveria porque trocar. Nada de banho por três dias. Nada de banheiro.

Fui em minha nova vestimenta branca, comprada nas mãos de Joni e Soni lá em Udaipur. Mangas compridas e calças compridas também, pra evitar o queimar do sol. Pensei em levar turbante também, hehehe (não, vocês não vão me ver de turbante, haha), cheguei a experimentar alguns em algumas lojas, mas em geral eu não gosto de usar nada na minha cabeça, por tanto fui sem. Tenho cabelo suficiente.

No caminho, no jipe, a primeira coisa que fiz foi tirar o relógio do braço. Desliguei o celular - caso funcionasse pois há torres em Jaisalmer. Pronto, estavam cortadas as ligações com o mundo civilizado.

O jipe seguiu por mais de uma hora numa estrada, pra se certificar que estávamos bem embrenhados no deserto. Thar, o deserto daqui, não é como o Saara. Lembra muito mais aqueles desertos da Palestina que a gente vê em filmes de Jesus na época da Páscoa. Terra seca e pedregosa, mato espinhento, arbustos aqui e ali. Em alguns locais, dunas de areia. E eu de barba e de branco caminhando por lá. Pronto, estava feito o cenário pra a história bíblica.
Nascer do sol no Deserto de Thar
O Deserto de Thar
O jipe me deixou no "acampamento", onde havia basicamente uma fogueira o que levaríamos conosco -- água, comida, e alguns utensílios básicos, cobertor etc. Havia também os camelos. Os camelos de Thar são na verdade dromedários, com um lombo só nas costas em vez de dois. E eles são ENORMES. As costas deles ficam a dois metros de altura do chão, então você parece que está montado numa girafa.

Jamal, o cameleiro principal, e Armik, seu escudeiro (um garoto de 15 anos) seriam minha companhia pelos próximos dias. Outras agências que organizam isso fazem você ir sentado junto com o cameleiro, pra ter maior segurança. Mas não aqui. Aqui era eu e Deus. No caso, o deus Shiva, que era o nome do camelo que eu peguei. Ledo engano. Minhas mãos ainda estão doloridas e com as cicatrizes de tentar me segurar no lombo de Shiva.

Os primeiros dez minutos em cima do camelo são O cagaço. Você "Pronto, lascou, vou cair daqui de cima". Tem sela mas nenhum lugar firme de segurar. Como você vai na frente do lombo, pra trás você não cai. Por outro lado, capotar pra frente, em cima do pescoço do camelo, é a coisa mais fácil do mundo. E ele arreia sem avisar, ajoelha pra frente e se você não estiver com o corpo todo jogado pra trás, lá vai você. Havia umas sacolas junto da sela, então tentei me agarrar a tudo que pude. Quando o camelo começa a trotar, quem sacoleja é você. É a receita certa para voltar o tchai.
Jamal (à direita) com um pastor de ovelhas e cabras da região. Atrás, Armik, o escudeiro de Jamal e excelente cozinheiro.
Fomos os três deserto adentro, e passamos tanto por áreas isoladas quanto por áreas onde alguns moradores tentavam - e conseguiam - fazer alguma agricultura. Muito parecido com os sertanejos. Havia pastores também. Paramos e visitamos algumas aldeias no caminho, casas muito simples feitas de barro e esterco seco. As paradas eram também uma bênção para as pernas e os quadris inteiros, que depois de horas trotando estão pedindo arrego. Para os homens, sente errado e você vai tomando batida de ovos o caminho inteiro. Para as mulheres, quanto maior o peito deve ser mais difícil, porque o sobe e desce não é mole.

Quando o sol vai chegando ao topo, é hora de parar, pois fica quente demais (e olhe que não é o verão, aqui agora é meio do outono). Nos ajustamos onde haja alguns arbustos ou árvores pequenas que dêem sombra, e ali a gente se assenta. Eu era o único turista, e Armik não falava inglês, então minha conversa toda era com Jamal. Não era um mau sujeito, mas às vezes meio inconstante. Ele implicou que queria o meu celular pra ele, então no primeiro dia eu me senti igual Frodo seguindo viagem na companhia do Gollum: seguindo por áreas inóspitas e acampando guiado por alguém que estava doido por algo seu. "Posso ver um pouco o seu celular?", "Posso pegar?", "Você não troca ele por alguma coisa não?". Are baba.
Dunas de areia no Deserto de Thar
Após a camelada pós-siesta, no fim do dia dói tudo. Parece que você foi estuprado e que lhe deram uma surra. O suor também lhe encharca, você bebe água igual doido, e a areia vai por toda parte. Nos assentamos, desta vez pra dormir. Tínhamos bons cobertores pra evitar a frieza da noite. Deitar na areia também é confortável (após passado o calor do sol, é claro). Comida simples mas boa, que havíamos trazido. Tudo cozido ali no fogo do acampamento mesmo. A princípio o estômago não queria comer muito - parecia estar vendo que não havia banheiro por perto e não queria pôr pra nada dentro. Hehe, mas não tinha pra onde correr. Não ia passar três dias sem comer ou se ir ao banheiro. Ali, o mundo todo é banheiro à sua disposição. Eu havia levado papel comigo, então o negócio foi ir atrás do arbusto mesmo, hehehe.

À noite o melhor de tudo. A lua brilhava forte jogando sua luz na areia. Melhor ainda, após a lua se pôr no meio da noite, as estrelas ficavam ainda mais claras, e a visão do universo era melhor do que nunca.

No segundo dia levantei cedo, antes mesmo do sol. E o nascer do sol é um outro espetáculo. Tomávamos chai com leite tirado das cabras dali mesmo, e fervido nas especiarias. Mais um dia de camelada. Desta vez eu já estava garantido o suficiente pra tirar a câmera do bolso e ir fotografando de cima do camelo.

Inclusive, troquei de camelo. Fui de Shiva para Al Pacino, um camelo mais experiente e cuja sela dava mais estabilidade. Você começa a se sentir já o Sheik das Arábias, hehehe.



No deserto. Parecendo personagem de novela espírita da Globo.
A verdade é que entre andadas pela areia, pela terra pedregosa, e trotadas no lombo do camelo, uma experiência única - dolorida, mas diferente de qualquer passeio mais convencional. Ao final do terceiro dia você está todo quebrado, e as moscas já reconhecem seu suor impregnado. O banho, quando você toma, é quase uma ressurreição de Páscoa, tamanha é a sujeira, o cansaço, e a vontade d´água.
Já no terceiro dia
Água agora é que não vai me faltar. Próximo passo: 30h de trem, de Jaisalmer, a Varanasi, pra me banhar no Ganges no aniversário. Até lá!
Al Pacino e o sol.

7 comentários:

  1. HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA
    Meus vizinhos estão agora com a certeza absoluta que o problema nos meus pés afetou, de alguma forma, minha cabeça. Tô rindo tem uns 10 minutos, sozinha e no silêncio do apartamento!
    Notícias reveladoras neste post: você passou 3 dias sem banho, você aderiu a tecnologia e possui um celular e vai se arriscar a nadar no Ganges. Amigo, pense direitinho...é muita bactéria, se duvidar vírus, coliformes fecais na água daquele rio... Vejo que é um homem de fé! Brincadeiras a parte, li sobre o Ganges ser um dos rios mais poluídos do mundo e misteriosamente as pessoas não morrem das doenças que aquelas águas carregam. Não sei onde eu li isso. Bem, até o próximo post!

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  2. Ae Mairon,
    esse comentário terei que fazer parte por parte.

    Devia ter pego o turbante. Se falasse que era o Saara, ia ficar com cara de árabe mesmo.

    Pelo visto você não foi agraciado por Shiva mesmo.

    Eu pensei mesmo em fazer essa experiência no deserto com dromedários... Até a parte dos ovos... Devia ter levado uma almofadinha.. HUAHUAHUAHUAHA

    Conseguiu localizar a constelação de Dragão?
    Aqui, apesar das luzes, vez ou outra, tentavamos localizar algumas constelações.

    E é isso. Vi você de branco e só lembrei de... A VIAGEM!! No Vale a Pena Ver de Novo..

    Boas viagens ae!!

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  3. Draco das Índias!!!!
    Quer dizer que andou sacolejando por aí no lombo de Shiva e Al Pacino? eheueh Acompanhado de um indiano cobiçando seu celular (sim, tb estou surpreso) e um escudeiro dele que não fala inglês. Ao se banhar no Ganges, lembre-se do momento que Shaka fala com Buda sobre o sentido da vida, ao sentir-se triste por ter nascido neste país tão miserável... espero q seu trabalho possa trazer algum benefício para este lugar.
    No demais, muitas felicidades, um ótimo aniversário e tudo de bom para vc hj e sempre.

    \o/

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  4. Huaehauehaeu, Mairon, você tá com mais caro de indiano que nunca esteve!!

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  5. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Massa!!!! Essa roupa branca no sol deve ser um brilho heim!!! =] está ótimo!!!! Amei! bjssssss

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  6. Esse cara é incrível. Passa o tempo todo fugindo de água de torneira pra no final ir nadar no Ganges.

    Boa sorte e feliz aniversário! Estamos torcendo pra você voltar vivo e inteiro! XD

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