sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Udaipur: Indo aonde esteve James Bond

Ocidental que se mete em desventuras no terceiro mundo, de quem você lembra? Vai depender do seu imaginário de livros e filmes. Às vezes me dá uma sensação de Indiana Jones ou até Lara Croft quando visito as tumbas, mas no dia-dia da cidade, de me meter em ônibus e barco, é James Bond (007) quem me vem à mente. E desta vez achei de visitar exatamente um lugar onde ele esteve: Udaipur, local do filme 007 contra Octopussy.

Udaipur é a chamada "Lake City", tida como a mais romântica do Rajastão e talvez de toda a Índia. O filme (de 1983) contribui muito pra isso, pra quem viu. Pra quem não viu, não tem problema, os restaurantes pela cidade inteira exibem o filme toda noite. No sul do Rajastão, Udaipur é rodeada de colinas, e com um belo lago no meio onde estão dois palácios, hoje hoteis de luxo. A cidade é também repleta de havelis, que são tipo casas coloniais, em estilo antigo, com arcos, varandas, pátios no meio, etc. Muito charmosas. Boa parte se tornou museu ou hotel/restaurante. Muito bonitos de visitar, e nesse decorrer vocês verão algumas fotos.

Primeiro uma visão geral de Udaipur:
Visão do anoitecer em Udaipur, de um dos hotéis de luxo no centro do lago (Haa, tá pensando que eu não fui no hotel de luxo? Fui sim, de penetra, dei uma volta, senti a ambience e me mandei)

A cidade é agradável de visitar e relativamente boa de explorar a pé (o que é raro na Índia). Nesse caso eu sempre aproveito pra andar à paisana. Hehe, eu explico. Como na Índia o povo fica enchendo (e muito) o saco de turistas pra comprar isso e aquilo, pra dar esmola, pra pepepê e caixa de fósforo, eu às vezes saio disfarçado de indiano. A cara morena já ajuda, com a barba então fica beleza. O traje típico do homem indiano moderno é camisa listrada ou xadrez (daquelas tipo de festa junina) e calça comprida. Fácil. Nem todos caem no disfarce, mas engana a maioria. O problema é que quando eu puxo a máquina fotográfica, quebra o disfarce. Aí tenho que dar o fora. Perco o disfarce mas não perco a foto.
Entrada de um templo no centro de Udaipur
Perto do hotel não dava pra escapar muito, porque me viam entrar e sair. E se você vai num restaurante, é aquela coisa de "depois vá ali na loja do meu amigo". "Venha, venha". Ficavam feito pombos na rua, a conversar de um lado pro outro e pegar quem passa. Foi nessa que conheci Gopal, num restaurante. Diferente do Gopal da novela, esse era mais franzino. Gopal era quieto, às vezes sorria quando se comentava algo, mas não ia muito além disso. Era um faz-tudo no restaurante: recebia as pessoas na porta, trazia o menu, cozinhava e servia. Fui lá duas vezes. Da segunda havia dois rapazes espanhóis, e começamos a fazer graça, e perguntar se não tinha crocodilo no lago (os crocs habitam a região). E olhamos pra Gopal em busca de uma resposta. Gopal olha pra a gente, e olha, e olha... olha fixamente... de repente Gopal cai.

Convulsiona no chão. A gente dá alguma coisa pra ele morder, mas não resolve muito. E o que mais fazer? Ninguém ali era profissional de saúde. Corre alguém pra descer a escadaria e chamar alguém. Leva Gopal de tuk-tuk pra o hospital público. Deu pena. A cozinhazinha dele, de 2x2, vazia. Fazia milagres ali dentro. Ficaria rico em qualquer restaurante no ocidente. Ainda estou devendo 200 rúpias a Gopal.   
Visão do palácio da cidade, onde há um museu e onde também ainda mora o marajá de Udaipur


Pátio no interior do palácio

Os "pombos" que ficavam ali perto do restaurante de Gopal acabaram todos me conhecendo, e pra consolar eu fui na loja de um. Quer dizer, de dois: Joni e Soni. (Se diziam irmãos, mas quase nunca é verdade). Faziam roupas por encomenda. Já era meu dia final, eu partiria de ônibus cedo na manhã do dia seguinte. "Mas a gente entrega no mesmo dia", diz Joni, conversador fiado. Ok. Como o material era bom e o preço barato, aceitei. Ia pegar de tardinha. Mal sabia eu que estava entrando numa barra funda, a là James Bond.

Fui passear. Parte dessas fotos eu tirei ao fazer um passeio de barco no lago com uns franceses. Normalmente, os passeios se encerram de tarde - ou seja, você perde o pôr-do-sol, que é o melhor. Mas na Índia não há regra que não seja flexível, hehe. Estava eu rondando o lugar de onde sai o barco, e um grupo de franceses chega perguntando se não tem mais barco. Já era de tardinha. O cara: "Não não, é só até 5h, voltem amanhã". "Poxa, mas a gente queria fazer hoje". "Não tem mais. Quer dizer, deixa eu dar um telefonema pra ver se não tem mais mesmo". Hehe, não deu outra, arrumaram um barco e eu me juntei. Fomos inclusive a um dos hotéis de luxo bisbilhotar.
Hotel de luxo, numa ilha no centro do lago de Udaipur
Ali no meio o outro hotel de luxo, onde Mr. Bond estava e onde rolaram as filmagens



Sol se pondo, hora de ir buscar minhas roupas. Chego lá, as roupas estão prontas. Mas aí é que bateu a tentação. "Vou me arrepender de não ter pegado mais", pensei. Só tinha mandado fazer uma camisa. Joni queria que eu fizesse terno, casaco, calça, cueca, o diacho a quatro. "E pelo amor de Deus quando é que tu ia ter tempo de me entregar isso, Joni?". "A gente trabalha de noite", diz ele. Eu fiquei desconfiado, mas queria mais camisas. (Virei meio 'shopaholic' aqui na Índia, com os preços baixos). Falei que só dava metade do $ antes. Aí, como sempre aqui na Índia, depois que você dá o dinheiro vem as coisas: "As camisas ficam prontas hoje de noite, mas pra botar os botões só amanhã de manhã". Faltei meter a mão na cara de Joni. "Não se preocupe não, meu irmão vai lhe levar tudo pronto de manhã no hotel. Seu ônibus é 8h, então 7:30 meu irmão chega lá, a tempo". A essa altura não havia muito o que fazer, a não ser ameaçar dizendo que cabeças iam rolar se esse irmão, Soni, não aparecesse lá. Nisso, Soni chega na loja, e eu falo com o dedo apontado pra ele. "Ok ok, fique tranquilo", ele diz. Hm.

No dia seguinte, já acordei achando que ia fazer churrasco de Joni e Soni. Mas 7:30 Soni estava lá. Soni sim, as roupas não. "Cadê as roupas, Soni?". "Até agora não achei um lugar pra botar os botões, mas agora vai abrir. Vá pra a parada de ônibus que eu te encontro lá antes do seu ônibus sair", diz ele. Eu avisei que perdia o ônibus mas não viajava sem as roupas.

Na parada de ônibus, dá 8h e nada de Soni. O motorista me apressando pra dar a bagagem e entrar. Eu falei que estava esperando alguém, e ligo pra Soni. Ele sugere: "Fica mais perto pra mim alcançar o ônibus numa parada que ele faz na estrada". Ha, essa não, meu camarada. "Nem a pau! Venha onde eu estou que o motorista tá esperando!", "Ok então, tô chegando, 3 minutos e eu tô aí!". Eu digo ao cobrador (tem sempre o figura que pega os tickets e que grita pra pegar mais passageiros na estrada). Sujeito ganancioso. "Três minutos vai custar 50 rúpias". Bah, dois reais, eu queria era as roupas. Liguei pra Soni mais umas quatro ou cinco vezes. 8:20 ele me aparece, e o motorista já bufando, o cobrador comprado por 50 rúpias, e minhas roupas na minha mão. Segui viagem para Jodhpur.
Taj Lake Palace, onde ocorreram as filmagens de 007 contra Octopussy
Entrada de hotel de luxo no lago



Vídeo feito de uma dança folclórica do Rajastão num haveli, uma das "casas coloniais" de que falei.

http://www.youtube.com/watch?v=GGMFLkr7Xgc

Continua em: Mairon no Deserto, Parte 1: Chegando à região.

Um comentário:

  1. menino... e uma diáriazinha nesse hotel? Lindíssimas fotos (pra variar)! As danças são bem exóticas daí. Beijão, amigo!

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