sexta-feira, 6 de novembro de 2015

Quimper e a Bretanha francesa: Terra dos crepes e da sidra

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Quimper e a Bretanha francesa: Terra dos crepes e da sidra

Eu pequenino diante da imensa catedral gótica em Quimper.

Calma, não se confunda. Eu sei que isso chocará a muitos brasileiros, mas a Bretanha fica na França. Não a confunda com a Grã-Bretanha, a ilha que abarca a Inglaterra, o País de Gales, e a Escócia, mais ao norte. O nome comum provém dos povos bretões, uma tribo celta da atual Grã-Bretanha e que, após as invasões romanas na época de Cristo, migrou para esta ponta noroeste da França que viria a se chamar Bretagne em francês — ou Bretanha em português. Já foi também chamada de "Pequena Bretanha", pra a distinguir da Grã-Bretanha.

A Bretanha tem uma forte personalidade regional. (Talvez a maior de toda a França, comparável apenas à ilha da Córsega, onde dizem que se um não-córsego comprar uma casa de veraneio, no verão seguinte a encontrará arrombada).

A Bretanha tem seu próprio idioma regional de origem celta, tem um visual à-là-norte-da-Europa bem distinto, quitutes próprios e característicos pratos com frutos do mar (sobretudo ostras). Aqui também surgiram os famosos crepes franceses, e há talvez a mais antiga tradição de fabrico de sidra de maçã.
Regiões francesas e a localização da Bretanha.
Cheguei a Quimper [Cã-PÉR], fofa cidade no interior da Bretanha, numa viagem bate-e-volta a partir de Nantes (ver Nantes, a Cidade de Júlio Verne).

Nantes, administrativamente, não é parte da região da Bretanha, mas historicamente é. Portanto, lá você encontrará muito a que me refiro aqui em Quimper em termos de gastronomia e identidade cultural.

A França, que estamos acostumados a conhecer hoje como uma nação unitária e de cultura singular, foi pela maior parte da História um amálgama de regiões com culturas, línguas, e identidades políticas diferentes: a Bretanha, a Borgonha, a Aquitânia, a Occitânia, entre outras. A Bretanha só foi absorvida ao reino francês em 1532, após a filha do duque da Bretanha  Anna da Bretanha  casar-se com o rei francês Luís XII.  

Ainda assim a Bretanha guardou enorme autonomia e era tratado como um reino distinto, ainda que sob a mesma coroa. Assistam/leiam/joguem coisas da época de Joanna D'Arc (1412-1431), por exemplo, e verão como os reinos e principados franceses se digladiavam uns contra os outros, inclusive aliando-se ocasionalmente aos ingleses. Foi apenas com os reis absolutistas (como Luís XIV) e depois com Napoleão que as identidades regionais seriam forçosamente suprimidas para dar lugar à identidade nacional.

O mesmo virá a ocorrer com a União Europeia, suprimindo no futuro as identidades nacionais de hoje? Há, inclusive, um novo movimento autonomista aqui na Bretenha, querendo reconhecimento maior às identidades regionais sob a União Europeia  como ocorre com a Catalunha, na Espanha, ou a Baviera, na Alemanha.

Chegue aqui a Quimper e você logo notará uma arquitetura e visual distintos.
Com casas de estilo bretão, no centro de Quimper.
Com a distinta senhora Anna da Bretenha, em Nantes.
Castelo medieval bretão em Nantes. Seu fosso foi transformado num parque verde.

Voltando a Quimper, esta cidadezinha lhe ocupará por um dia. Há um centro histórico pitoresco, uma catedral gótica linda, e as delícias regionais a experimentar. Como eu sei que há muita gente curiosa pra o lado da gastronomia, deixem-me já adiantar o que vocês poderão experimentar aqui nas agradáveis mesas das praças e nos cafés.

A Bretanha, como outras partes da França, é uma região rica em patisseria. Aqui, no entanto, você sente claramente que está numa região de forte influência céltica: às vezes se parece mais com a Inglaterra ou a Alemanha do que com o sul da França, de personalidade mediterrânea. Aqui na Bretanha, prepare-se para comer tortas de maçã, pães doces amanteigados, bolos de chocolate fundido, etc. (Não venha pra cá se estiver de dieta).
Não deixe de comer um bretão. É aquele quitute ali com pedaços de maçã e que lembra o apfelstrudel alemão. Os celtas, inclusos aí os antigos gauleses, eram notórios cultivadores de maçãs. Aquelas bandeirinhas são a da Bretanha.
Olha que mesa de café da manhã bonita. Não resisti e comprei um de cada.
Local pra lá de sossegado e agradável, onde você pode viver por um dia aquele mito francês da vida do intelectual tomando um cappuccino em algum café da cidade pela manhã, lendo ou rabiscando algum livro, a refletir sobre a humanidade. 
Calçadões no centro histórico de Quimper.
Se quiser se aventurar, pode experimentar também a coca-cola bretã, Breizh Cola. (Breizh é bretão em bretão). O sabor é o de aspirina diluída em pepsi-cola.

Depois de um pouco circular será a hora de pausar novamente para experimentar algo melhor: sidra artesanal e as galettes tradicionais da região. Os quitutes de maçã são tradicionais em todo o norte da Europa porque aqui os povos celtas já a cultivavam desde a antiguidade. E faziam também a sidra, bebida fermentada de maçã com baixo teor de álcool (4 a 5 graus, em geral). Há vários tipos: doce, seca, semi-seca, e há toda uma cultura em torno dela aqui. A Bretanha talvez seja a região onde a sidra é mais tradicional em todo o mundo.
Sidra, aqui tradicionalmente tomada nesses copos redondos. Acompanha normalmente as galettes.

Galettes têm diferentes significados a depender de onde na França (ou no Canadá francês) você estiver, mas as mais tradicionais são as da Bretanha, que são como crepes abertos e com muito recheio por cima. São uma refeição. Eles aqui, que inventaram os crepes para o mundo, guardam a palavra crêpe para as versões doces. (Os crepes franceses, os originais, são abertos ou dobrados no prato; os crepes suíços, no palito, são uma modificação posterior).

Há galettes deliciosas de vários tipos, e talvez a mais característica daqui seja com moluscos do mar no molho de creme. Soa exótico, mas é bastante saboroso.
Não sou chegado a moluscos, mas esta galette à là bretonne é espetacular.
Crepe doce, com maçã e pêra cozidas, sorvete de baunilha, e caramelo por cima. O caramelo em Nantes é motivo de orgulho pra eles, que são uma região produtora de manteiga (e caramelo é feito de manteiga com açúcar, pra quem não sabe). Almoce aqui e frequentemente receberá, ao final, aqueles caramelos tradicionais antigos que grudam no dente ou no céu da boca. 

Eu sei que a esta altura já tem muita gente babando e com fome. Mas, como nem só de pão vive o homem, não deixe aqui de aproveitar também o belo ambiente desta França menos conhecida, que mistura-se com ares irlandeses e britânicos de Robin Hood, de reminiscências célticas que aqui se fundaram e permanecem, nas entrelinhas, até hoje.
Interior daquela catedral gótica da primeira foto, no centro histórico de Quimper.
Centro de Quimper.
Um convite a você.





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