sexta-feira, 13 de maio de 2016

Bangkok de dia: Os lindos templos budistas da Tailândia e o famoso Buda deitado

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Bangkok é uma cidade que se transforma do dia para a noite. Durante o dia, temos uma cidade quente, moderna, de altos prédios reluzentes, combinada a uma de visível pobreza, com muitos mendigos na rua e casebres de madeira às margens do rio. Os lindos templos budistas são o que de mais belo há para se ver aqui nestas terras tropicais. O budismo tailandês sinceramente lhe proporciona um espetáculo difícil de superar por qualquer outro país. 

Vamos por partes. Primeiro, prepare-se para o calor. Bangkok é uma metrópole tropical, calor nível Rio de Janeiro ou Nordeste do Brasil. Mesmo no inverno tailandês 
 de dezembro a março, a "alta estação" do turismo aqui  a temperatura fica na casa dos 30+ graus com aquela típica umidade tropical. Nada absurdo, mas venha preparado.

Segundo, Bangkok é uma cidade grande e movimentada, um tantinho suja, mas de bom transporte público e bastante segura. São 8.5 milhões de pessoas circulando pelo metrô subterrâneo, pelo BTS Skytrain (ótimo metrô de superfície), pelos barcos públicos com rotas fixas no rio, em seus carros particulares ou nos notórios táxis rosa-choque de Bangkok. De modo geral, o nível de infraestrutura 
 e de muvuca  das ruas é o mesmo do Brasil.

Precisando de ajuda, pergunte. Os tailandeses falam pouco inglês, mas em geral são gentis e simpáticos. Bem mais que os chineses ou coreanos, por exemplo, e são mais abertos que os japoneses. Em verdade, eles parecem tão bem humorados e irreverentes quanto os brasileiros. (Há, é claro, as exceções. Do mesmo jeito que no Brasil você não pode sob hipótese alguma ser "irreverente" sobre a mãe do outro, aqui você não pode ser irreverente sobre o rei, ou pode ir em cana. Mais sobre isso mais à frente neste post.)

Umas senhoras vendendo banana grelhada na rua.
Por fim, talvez o mais importante do ponto de vista do visitante: aqui você verá um autêntico budismo, não a versão à la carte ocidentalizada, individualista, e que só fala em meditação e karma, mas a prática social da religião, com os seus rituais coletivos, idas ao templo, presença dos monges na sociedade, etc. Dizer, como às vezes se diz no Brasil, que budismo não é religião mas "filosofia de vida" é um desconhecimento sem tamanho. Inclusive, você por toda parte verá críticas à apropriação casual e desregrada que o Ocidente faz do budismo.  
Estas placas estão por toda parte, dos templos ao aeroporto de Bangkok. "É errado usar Buda como decoração ou tatuagem", diz a mensagem. Ali em letras menores a placa avisa que você deve se vestir e se portar modestamente dentro dos templos, que comprar produtos comerciais com a cara de Buda é desrespeitoso, e que símbolos ou imagens budistas devem ser respeitosamente postos acima da altura da cintura, e nunca usados como mera decoração. No Sri Lanka, outro país de budismo semelhante ao tailandês, você pode inclusive ser multado ou preso se tiver tatuagem de Buda. (Ainda sobre a questão da altura, é curioso notar que os muçulmanos dizem o mesmo acerca do Corão, o seu livro sagrado. Você o verá exposto nas casas dos muçulmanos praticantes, sempre numa altura acima da cintura.)

O budismo aqui na Tailândia é de linha Theravada, que é a mesma escola do Sri Lanka, Cambodia, Laos e Myanmar (antiga Birmânia), diferente da escola Mahayana de China, Coreia e Japão, e da escola Vajrayana comum ao Tibete e à Mongólia. 


Não cabe aqui aprofundar-se nos detalhes sobre as diferenças entre as distintas escolas de budismo. Em síntese, as diferenças são ontológicas (ex. acerca da natureza da alma); escriturais (e.g. o budismo Theravada apega-se ao "cânone" dos primeiros registros dos ensinos de Buda na antiga língua Páli, enquanto que outras escolas usam também outras escrituras); litúrgicas (ex. rituais funerários); e de preceitos éticos (ex. a Mahayana solicita vegetarianismo, as outras escolas nem tanto). Além de uma infinidade de outros aspectos filosóficos.


Vale pelo menos saber que Sidarta Gautama, depois chamado de Buda ("iluminado"), é uma figura histórica. Ele foi um príncipe na Antiga Índia, nascido nos Himalayas (em Lumbini, atual Nepal) por volta do ano 563 AC. Dizem que, aos 29 anos, chocou-se ao ver a pobreza e o sofrimento humano do mundo exterior ao seu palácio, o que o levou à reflexão. Após praticar ascetismo e mendicância para depuração por muitos anos, pregou o caminho do meio, "nem a auto-indulgência, nem a mortificação". Pregou As Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho Óctuplo, mas, tal como Jesus e Maomé, não escreveu nada, seus seguidores é que depois o fizeram. Diferenças e múltiplas vertentes surgiram com o tempo, embora todos adiram àqueles princípios.  


Buda é geralmente laudado como sendo o primeiro líder religioso a levar as pessoas a olharem para dentro de si na busca pelo divino. Isso, numa época politeísta de sacrifícios aos deuses etc., foi algo revolucionário. (Talvez ainda hoje o seja.) 


Em Bangkok há uma infinidade de templos e não dá pra ver todos, mas não deixe por nada neste mundo de visitar ao menos o Wat Phra Kaew (Templo do Buda Esmeralda), o Wat Arun (Templo da Aurora), e o Wat Pho (Templo do Buda Reclinado). O Wat Traimit (Templo do Buda Dourado) também vale a pena, se você quiser mais. (PS: Tailandês não é latim. O Ph não tem som de F, tem som de P seguido por um H aspirado, de house.) 

O Buda gordo, careca e risonho, muito popular no Ocidente, não é o próprio Buda, mas um monge chinês do século X, que dizem ter sido uma figura excêntrica mas muito espirituosa. Assim como noutras religiões, há uma veneração àqueles que se fizeram notáveis por suas virtudes. Já o Buda propriamente dito normalmente tem uns nodos na cabeça para retratar o cabelo cacheado dos indianos, em contraste ao cabelo liso dos orientais. E muitas vezes ele está na presença dos discípulos (não, não são várias cópias dele próprio. Os discípulos dele têm nome, e eram cada um notável por um aspecto de personalidade.)
Interior de um templo budista, com muitas flores e um monge ali. Nas paredes há pinturas retratando as histórias contidas nos textos sagrados budistas. É difícil de entender se você não for versado; é o equivalente a ver as pinturas numa igreja cristã sem conhecer as histórias bíblicas.  

Vamos às visitas. Por sorte, todos esses templos principais estão próximos uns dos outros, a distância que dá para cobrir a pé. Estão todos no centro histórico de Bangkok, aonde o metrô e o Skytrain não chegam, então é preciso tomar o barco a partir de uma das estações do Skytrain na beira do rio (a estação Saphan Taksin). 


Lembre que os barcos só funcionam de dia. Se quiser ficar até a noite para ver os templos iluminados (o que vale a pena), terá de achar outra maneira de voltar. Foi o que aconteceu comigo. 


Saindo do hotel na área de Sukhumvit, tomamos o Skytrain cruzando os prédios modernos da cidade e depois o barco, margeando algumas de suas partes mais humildes.

O Skytrain no bairro de Sukhumvit de Bangkok.
O barco pelo Rio Chao Phraya, que cruza a capital tailandesa. Há diversas rotas e paradas fixas à margem do rio, como um transporte público.
Já outras partes da cidade são mais precárias, como mostra esse ponto onde as pessoas aguardavam o barco, no centro.

Nós começamos pelo Wat Arun, ótimo para passar a tarde. Há vários pavilhões e áreas externas. O complexo é extenso, então permita-se pelo menos um par de horas. Os lugares são lindos.

Área do Wat Arun, o templo da aurora. Há, na verdade, vários pavilhões e estupas, nome dessas estruturas aí na foto. Elas são típicas dos templos budistas. O Wat Arun foi construído no século XVII.
Imagem de Buda com discípulos. 
Embora bastante íngreme, há degraus para subir até o alto das estupas, mas só é permitido até certa altura. 
Pátios externos, com imagem de Buda e lugar para pôr incensos. Os tailandeses usam aqueles incensos de vareta em grande quantidade.
Numa escadaria com figura de influência do folclore chinês, em Wat Arun.
Você verá muitas coisas da prática do dia-dia do budismo tailandês, como a presença de monges em seus mantos laranja, as pessoas entregando-lhes alimentos como donativos ao templo (e para caridade), preces em grupo, fila para tomar água benta, e mais algumas práticas curiosas, tipo passar engatinhando por debaixo de um altar para ter boa sorte.  
Pessoas orando com o monge.
Entrega de alimentos.
Meninada pondo moedinhas e fazendo-as tilintar na série de vasos de metal. 
Outros engatinhando por debaixo deste altar, para ter sorte.
Alguns escrevendo nomes e mensagens nesta toalha roxa, creio eu que pedindo bons auspícios para o ano.
Aqui, num outro templo, um casal fazendo mapa astral com um velhinho astrólogo tailandês.
Os orientais em geral são muito espiritualizados e chegados nas coisas de sorte e astrologia. (Para um comparativo, veja o post Indo ao templo no Japão.) Um amigo meu de Bangkok inclusive diz que os tailandeses são muito mais animistas  ligados a crenças de que há espíritos em tudo  do que seguidores das escrituras budistas propriamente ditas. Acho que em toda religião há uma certa distância entre a teoria e as práticas e crenças populares.

Aqui, neste vídeo abaixo, estamos eu e o meu amigo nos divertindo com as pessoas na fila para tomar uma bênção de água benta. 

Pessoas na fila para receber água benta do monge. Perceba o chão molhado. Aqui a água benta não é aquele pouquinho das igrejas cristãs, é quase um banho.


Neste outro vídeo, gravei um grupo de jovens monges cantando um mantra, puxado por um mais experiente. É comum que outras pessoas (todas descalças) também estejam no templo, embora em silêncio. O mais curioso de tudo é que às vezes entram cães, que deitam-se ali tranquilamente em meio aos monges, sem nenhum problema.

Vamos, finalmente, aos templos restantes.

O Templo do Buda Esmeralda (Wat Phra Kaew) fica nos precintos do Grande Palácio Real tailandês, a morada oficial do rei, e tem um status especial. O "Buda Esmeralda" 
 que é na verdade feito de jade, e se chama assim pela cor  é uma espécie de relíquia antiga, que dizem ter séculos se não milênios, uma pequena imagem do Buda que dizem trazer prosperidade ao lugar que a abrigar. É uma espécie de tesouro da Tailândia. Está no país desde o século XV, embora tenha mudado de localização. Segundo as lendas, elas foi feita na Antiga Índia ainda antes de Cristo.

Não é permitido fotografar o interior do templo. A imagem em si é relativamente pequena (48cm de altura) para lhe chamar muito a atenção, mas o lugar como um todo é de uma beleza fascinante. 

Havia tanta gente, naquele calor úmido tropical, que eu achei que estava na lavagem do Bonfim na Bahia. Acho que é porque era início de ano, e os tailandeses vinham com oferendas de flores querendo dar suas graças e fazer pedidos.
Multidão na entrada do Templo do Buda Esmeralda, Wat Phra Kaew, em Bangkok. Muitas pessoas trazendo oferendas de flores para o Buda no interior.
Bela área nos arredores do Templo do Buda Esmeralda.
Complexo de templos e estupas ao redor do Wat Phra Kaew.
Posando com os templos.
Grande riqueza de detalhes. Digo com tranquilidade que estes são os templos budistas mais elaborados que já vi no mundo. Mais do que os que visitei no Japão ou na Indonésia.
Diante do Grande Palácio. Esta em tese é a residência principal do rei, mas na prática ele tem muitas. O atual rei, Bhumibol Adulyadej, também conhecido pelo nome real de Rama IX, já é um senhor de 88 anos e que anda muito mal de saúde. Ele é adorado pela grande maioria dos tailandeses, e antevê-se que será uma grande crise social e política aqui quando ele morrer, pois seu herdeiro não inspira o mesmo amor popular. Embora a Tailândia seja uma monarquia constitucional (como o Reino Unido ou a Holanda), aqui o rei goza de uma influência muito grande. 

A poucos quilômetros dali está o Wat Pho, templo do Buda deitado, ou reclinado. A imagem é mundialmente famosa. O que muitos não sabem é que ela "apertada" dentro de um templo, e tirar fotos é uma trabalheira.

O Wat Pho tem uma área ampla e menos congestionada que essa acima, do Wat Phra Kaew. Foi lá que posamos, eu e meu amigo, para tirar foto com uns monges e eles nos perguntaram de onde éramos. Ao dizer que éramos do Brasil, um deles disse jocosamente que queria aprender as danças brasileiras. Eles aqui em geral são bem-humorados e podem ser bastante divertidos. (Em alguns templos há, inclusive, algo conhecido como "monk chat", em que um ou mais monges se fazem disponíveis para responder perguntas dos turistas estrangeiros e conversar sobre o budismo.)
O Buda reclinado, no templo Wat Pho, em Bangkok.
De outro ângulo, para se ver o tamanho em comparação às pessoas.
Nós com os monges no templo Wat Pho.
Numa outra área do Wat Pho.
O Templo do Buda Dourado, Wat Traimit, em Chinatown.
Wat Traimit. Todos os interiores são ricamente decorados com flores e em arranjos dourados. 
Enfim, em Bangkok você pode passar dias e dias encantando os olhos com os templos.

É inevitável perguntar-se o quanto que a religião budista facilita a aceitação das liberdades sexuais e de gênero vistas aqui (ver Réveillon em Bangok! Bem vindos à Tailândia, a terra da libertinagem), em contraste imenso com o conservadorismo dos países de tradição judaico-cristã ou muçulmana nesse assunto. Os próprios tailandeses a quem perguntei foram dúbios na hora de responder isso.

O budismo tem seu machismo 
 alguns templos, por exemplo, são vetados às mulheres, e os monges, que aqui tem uma série de benefícios como não pagar transporte público e ter assentos reservados nas estações de trem, são uma classe quase que exclusivamente masculina. É inclusive dito que as mulheres não devem tocá-los ou mesmo sentar-se ao lado deles, para evitar a tentação. Aquela velha e predominante ideia da mulher como o carnal que atrapalha a nobre elevação masculina. Portanto, se o budismo é "mais leve" e leva algum crédito pelo liberalismo de gênero da Tailândia, certamente não é ele sozinho. 

Seja como for, será que ainda há alguém aí que acha que budismo não é religião?


Era o entardecer, fim do dia chegando...
Às 18:00h, todos os dias, é a hora do rei. Todos se levantam para ouvir um minuto do hino nacional, fazendo respeitoso silêncio. Não ria nem faça palhaçada, ou pode ser acusado por crime de lesa-majestade. Esta é uma tradicional e notória lei usada aqui para incriminar críticos ao governo, mas pode pegar engraçadinhos também. Em maio de 2016, ela ganhou as manchetes internacionais, pois a junta militar que atualmente governa o país incriminou a mãe de um ativista tailandês que estava no exterior e que publicou algo no Facebook criticando a monarquia.
O dia terminava, e a noite estava prestes a chegar em Bangkok.




Um comentário:

  1. Ahhhh!..que maravilha. Que delicia para os olhos e o coração. que belos templos, que cultura maravilhosa, que riqueza, e grandiosidade. Belo e desconhecido Oriente, maravilhoso e tão pouco conhecido Budismo. Povo simples e simpático. Adorei. Olhos e coração inebriados de tanta beleza. Ótima retratação de uma cultura soberba. Parabéns, viajante dos 7 mares e de tantos ares.

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