quinta-feira, 7 de março de 2013

Descobrindo Tóquio: Parte 2


Depois das luzes em Shibuya e das ofertas de garotas em Roppongi, achei que era hora de algo mais construtivo para temperar. Tóquio  e até certo ponto o Japão  são isso: tradição e espiritualidade de um lado, combinadas com uma frenética sociedade do trabalho, entretenimento e consumo do outro. Eu sei que é clichê dizer isso sobre o Japão, mas é a verdade. No entanto, não acho que os dois lados estejam tão bem equilibrados quanto dizem.

Trabalho (das 8 ou 9 da manhã até as 9 ou 10 da noite, às vezes com trabalho extra e não remunerado no fim de semana, e quase sem férias durante o ano) e consumo hoje parecem muito mais fortes. O Japão é o país onde eu me senti mais próximo desses filmes de ficção, não só pela tecnologia mas também pelas alterações sociais e no ambiente. Não é a toa que os japoneses produzem tão bem esse tipo de obra, a là Cyberpunk, com pouca ou nenhuma natureza não-transformada restando e indivíduos solitários rodeados de máquinas. Devem estar antevendo onde podem ir parar.

Então meu tempero pra a Tóquio moderna foi ver as origens da cidade, no Edo-Tokyo Museum e no Parque do Palácio Imperial.
Parque do Palácio Imperial, centro de Tóquio.

Pra quem não sabe, o Japão "sempre" teve e ainda tem um imperador, que é como a rainha britânica ou as outras monarquias da Europa: há um parlamento e um primeiro-ministro, que é quem manda, mas há uma figura de Estado com poder simbólico. No Japão, por definição a capital é onde o imperador mora. Entre 794 e 1869 foi Kyoto, a clássica capital japonesa, mas desde 1869 passou a ser Tóquio, que antes era conhecida pelo nome de Edo.

Edo ganhou proeminência desde 1603 quando, após um período de guerras, a família Tokugawa se apossou do poder e constitutiu uma espécie de governo militar (xogunato) centrado aqui. O imperador continuou a imperar de Kyoto, mas quem mandava de fato era o xogum, em Edo. Então foi um período de centralização no Japão, conhecido como Período Edo, e que durou até 1868. Esse foi também um período em que o Japão se isolou do resto do mundo. Relações dilomáticas eram mantidas somente com a Coréia e um pouco com a China para o comércio. Os holandeses eram o único povo ocidental com permissão para fazer comércio aqui. Os portugueses, que haviam vindo nos idos de 1500 até 1603, foram expulsos e ficaram proibidos de aportar, em grande parte porque estavam disseminando o cristianismo, que foi proibido. (Aaah, jesuítas).

Pra quem não sabe, há uma série de palavras japonesas que vem do português, por exemplo: Arukoru (álcool); Bídoro (vidro); Birodo (veludo); Kappa (capa de chuva); Koppu (copo); e Tempura (sim sim, a famosa comida japonesa dos legumes que a gente chamaria de "à milanesa", é uma receita portuguesa, com ovos, levada ao Japão, e o nome vem da palavra "tempero").

Algumas maquetes do Edo-Tokyo Museum dão uma ideia de como era Edo entre 1603 e 1868.
Representação do porto de Edo, atual Tóquio.
Antigo interior da casa de um carpinteiro. Um só cômodo.
Representação das antigas ruas de Edo, atual Tóquio.
Interior de casa em Edo. Três gerações da família num só cômodo.
"Banca de revistas" da época, com livros ilustrados e tal.
Livros da época entre 1603 e 1868, inspiração para os mangás modernos.
Representação de Edo\Tóquio já nos séculos XIX e começo do XX, com influências arquitetônicas do Ocidente.

Devia ser uma sujeira, né? Na verdade, relatos de ocidentais visitantes na época dizem que Edo era, na verdade, bem mais limpa que as cidades europeias (ou brasileiras). A guia do museu me explicou que havia todo um sistema de coleta de resíduos orgânicos para serem levados à zona rural como fertilizantes. Havia também brigadas populares de incêndio, já que quase tudo era de madeira e palha, e bons níveis de organização comunitária.

No século XIX o poder dos Tokugawa foi se enfraquecendo, e  com uma ajudinha dos estrangeiros, em especial dos Estados Unidos  outras famílias tomaram o poder e restauraram a autoridade de fato do imperador, que mudou-se para Edo e transformou-a em capital, agora com o nome de Tóquio. Essa foi a chamada Restauração Meiji em 1868, que levou a um período de rápida modernização no Japão e abertura novamente ao ocidente (sob grande pressão dos Estados Unidos).

Mas aí o Japão começou a querer dar uma de gostoso, a invadir a Coréia, Taiwan, a China, o Vietnã, e a querer ser imperialista com o lema de "a Ásia para os asiáticos". Envolveu-se em guerras e acabou experimentando, ele também, as agruras da guerra moderna.
Tóquio após bombardeio americano na Segunda Guerra Mundial.

Eu saí do museu com sede. Por sorte, nas ruas do Japão há máquinas automáticas de vender tudo  água, refrigerante, suco, chá quente, café e até banana. Eu lembro que assistia a Cybercops quando era criança e achava engraçado como os caras achavam um painel eletrônico escondido em qualquer lugar da cidade. Finalmente entendi. No Japão, até o beco mais escuro e o calçadão mais abandonado vão ter no mínimo uma maquininha de bebidas.
Máquina de vender banana e pedaços de manga fatiada numa estação de metrô. (A cada X dias vem um carinha da empresa que renova os  produtos e coleta o dinheiro).

Peguei um chá de gengibre quente (pois as máquinas tem uma parte de bebidas geladas e outra de bebidas quentes) e depois um café espresso de latinha. O café tem a qualidade que você imagina, com aquele delicioso gostinho de conservante e de lata de alumínio no final.

(Dica do viajante: No Japão, evite café, chocolate e pão. Deixe esses pra quando visitar a Europa. No Japão, prefira o chá verde, os doces tradicionais, e o arroz).
Café espresso na latinha quentinha da máquina.

Fui tomando meu espresso enlatado enquanto caminhava para o Parque do Palácio Imperial, onde há um tour grátis com guias voluntários aos sábados. Cheguei lá  carregando a latinha vazia o tempo inteiro, pois no Japão praticamente não há lixeiras na rua  e encontrei os guias Yusuke e Issamu, um coroa animado que nos falou da história de Tóquio e nos explicou vários hábitos da cultura japonesa, como o de cumprimentar curvando-se em vez de apertando as mãos, pois os japoneses tradicionalmente acham intrusivo demais tocar a outra pessoa. Ele explicou que o respeito que você demonstra é proporcional ao quanto você se curva (90 graus sendo o máximo).

Entrar na atual morada do imperador requer uma burocracia enorme, mas o parque em si é lindo. As fotos não me deixam mentir.
Parque do Palácio Imperial em Tóquio.
Parque do Palácio Imperial em Tóquio.

Issamu nos explicou que esses jardins foram elaborados, em parte, para que o imperador pudesse contemplar a natureza sem ter que sair de sua propriedade, onde poderiam atentar contra a sua vida. O mesmo vale para as outras mansões e senhores de terra, que também não podiam simplesmente sair andando por aí. É nessa que entram os ninja, assassinos sorrateiros que eram contratados para eliminar essas pessoas importantes.

Resolveram demonstrar armas como o shuriken (as estrelas ninja cortantes), e para isso pegaram alguém pra vestir de ninja. Adiviiiiinheeeeeem quem escolheram? Isso mesmo.


Eu "vestido de ninja" (vulgo: com uma camiseta preta na cabeça) sendo fotografado na demonstração de como atirar as estrelinhas.

Com o cair da tarde o parque fecha, as luzes da cidade se acendem, e fica impossível não deixar Tóquio abraçar você.
Luzes à noite no distrito de Shinjuku.
Às vezes o abraço é bem literal. Hordas de japoneses no cair da tarde no distrito de Harajuku, Tóquio.

Shinjuku é chamado de o segundo centro de Tóquio. É onde fica a humilde prefeitura de 48 andares, e onde há também uns guetos tidos como redutos da yakuza, a máfia japonesa. De fato, há uns becos bem esquisitos e cheios de tocas de coelho.
Prédio da prefeitura de Tóquio.
Vista do distrito de Shinjuku do alto da prefeitura.
Becos em Shinjuku. Aquele cheiro maravilhoso de fritura. E, sim, isso ENCHE de gente.
Em Shinjuku à noite.

Mas após o parque, minha ida foi para o distrito de Harajuku. Se Shinjuku é tipo um centrão, Harajuku é tipo a Savassi de Belo Horizonte, o Batel de Curitiba, ou o bairro da sua cidade onde as classes mais altas vão se divertir e desfilar moda no final de semana.

Hooordas de pessoas. Rapazes de cabelo laranja e moças de sainha e salto alto sem saber andar, você vendo a hora de ela torcer o pé.
Jovens desfilam em Harajuku, Tóquio.

No final, ainda fui ver o que a noite reservava em Akihabara, o distrito dos eletrônicos e dos animês. Entrei em cada cafofo de fliperama, com cheiro de cigarro (pois fumar é permitido nesses interiores) e jovens com caras de saídos da escola, do trabalho, ou da festa à fantasia. A quantidade de bugingangas coloridas (DVDs, bonecos, etc.) faz você se sentir na 25 de Março, em São Paulo, ou em Ciudad del Est, no Paraguai  só que, é claro, com muito mais limpeza e segurança, e acho que mais luzes também.
Distrito de Akihabara, dos eletrônicos e animês.
Jovens num prédio com 5 andares de arcades. 

E ao fim do dia, voltando pra casa, a quiromante de toda noite, no ladinho do passeio, com uma vela numa banquinha aguardando transeuntes interessados em saber a sorte escrita na sua mão. Pra quem acha que isso são crendices de sociedades pobres, o Japão está aí para desafiar você.
Quiromante oferecendo leitura da sorte nas suas mãos.

É uma sociedade econômica e tecnologicamente avançada, só que mais espiritualizada que a Europa ou os Estados Unidos. Aqui as coisas se misturam, em vez de haver uma ala cristã conservadora e uma ala progressista materialista. É diferente, e não é tão fácil de entender, e talvez exatamente por isso seja tão fascinante.


4 comentários:

  1. Aeeeeeeee vc foi em Harajuku!!!!
    Achei que vc nunca iria lá!!!
    Fotos lindas, migo! Amei o post!

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  2. Dica: arigatou nao vem de obrigado. Arigatou vem de arigatai (adjetivo pra "grato"), do mesmo jeito que ohayou (bom dia) vem de ohayai ("o" é prefixo de respeito, hayai é o adjetivo para "cedo"). É algo explicável pela gramática japonesa, não uma transformação de "obrigado".

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    1. O autor do livro onde encontrei a informação ("Portugal, a Primeira Aldeia Global") se equivocou, então. Corrigi o erro. Obrigado pelo esclarecimento!

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    2. Por nada! :)
      É um equívoco que foi bastante difundido pelos lusófonos, mas dificilmente "obrigado" viraria "arigatou" (viraria "oburigado" ou algo parecido, já que esses sons existem na língua japonesa).
      A quem interessar: http://www.aprendendojapones.com/2007/09/29/arigato-obrigado/

      Não comentei antes, mas gostei muito do seu blog! Não só a parte do Japão, mas dos outros países também. Achei várias dicas valiosas, pois tenho muita vontade de sair viajando por aí! :D

      Abraço

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