Depois das luzes em Shibuya e das ofertas de garotas em Roppongi, achei que era hora de algo mais construtivo para temperar. Tóquio — e até certo ponto o Japão — são isso: tradição e espiritualidade de um lado, combinadas com uma frenética sociedade do trabalho, entretenimento e consumo do outro. Eu sei que é clichê dizer isso sobre o Japão, mas é a verdade. No entanto, não acho que os dois lados estejam tão bem equilibrados quanto dizem.
Trabalho (das 8 ou 9 da manhã até as 9 ou 10 da noite, às vezes com trabalho extra e não remunerado no fim de semana, e quase sem férias durante o ano) e consumo hoje parecem muito mais fortes. O Japão é o país onde eu me senti mais próximo desses filmes de ficção, não só pela tecnologia mas também pelas alterações sociais e no ambiente. Não é a toa que os japoneses produzem tão bem esse tipo de obra, a là Cyberpunk, com pouca ou nenhuma natureza não-transformada restando e indivíduos solitários rodeados de máquinas. Devem estar antevendo onde podem ir parar.
Então meu tempero pra a Tóquio moderna foi ver as origens da cidade, no Edo-Tokyo Museum e no Parque do Palácio Imperial.
Parque do Palácio Imperial, centro de Tóquio. |
Pra quem não sabe, o Japão "sempre" teve e ainda tem um imperador, que é como a rainha britânica ou as outras monarquias da Europa: há um parlamento e um primeiro-ministro, que é quem manda, mas há uma figura de Estado com poder simbólico. No Japão, por definição a capital é onde o imperador mora. Entre 794 e 1869 foi Kyoto, a clássica capital japonesa, mas desde 1869 passou a ser Tóquio, que antes era conhecida pelo nome de Edo.
Edo ganhou proeminência desde 1603 quando, após um período de guerras, a família Tokugawa se apossou do poder e constitutiu uma espécie de governo militar (xogunato) centrado aqui. O imperador continuou a imperar de Kyoto, mas quem mandava de fato era o xogum, em Edo. Então foi um período de centralização no Japão, conhecido como Período Edo, e que durou até 1868. Esse foi também um período em que o Japão se isolou do resto do mundo. Relações dilomáticas eram mantidas somente com a Coréia e um pouco com a China para o comércio. Os holandeses eram o único povo ocidental com permissão para fazer comércio aqui. Os portugueses, que haviam vindo nos idos de 1500 até 1603, foram expulsos e ficaram proibidos de aportar, em grande parte porque estavam disseminando o cristianismo, que foi proibido. (Aaah, jesuítas).
Pra quem não sabe, há uma série de palavras japonesas que vem do português, por exemplo: Arukoru (álcool); Bídoro (vidro); Birodo (veludo); Kappa (capa de chuva); Koppu (copo); e Tempura (sim sim, a famosa comida japonesa dos legumes que a gente chamaria de "à milanesa", é uma receita portuguesa, com ovos, levada ao Japão, e o nome vem da palavra "tempero").
Algumas maquetes do Edo-Tokyo Museum dão uma ideia de como era Edo entre 1603 e 1868.
Representação do porto de Edo, atual Tóquio. |
Antigo interior da casa de um carpinteiro. Um só cômodo. |
Representação das antigas ruas de Edo, atual Tóquio. |
Interior de casa em Edo. Três gerações da família num só cômodo. |
"Banca de revistas" da época, com livros ilustrados e tal. |
Livros da época entre 1603 e 1868, inspiração para os mangás modernos. |
Representação de Edo\Tóquio já nos séculos XIX e começo do XX, com influências arquitetônicas do Ocidente. |
Devia ser uma sujeira, né? Na verdade, relatos de ocidentais visitantes na época dizem que Edo era, na verdade, bem mais limpa que as cidades europeias (ou brasileiras). A guia do museu me explicou que havia todo um sistema de coleta de resíduos orgânicos para serem levados à zona rural como fertilizantes. Havia também brigadas populares de incêndio, já que quase tudo era de madeira e palha, e bons níveis de organização comunitária.
No século XIX o poder dos Tokugawa foi se enfraquecendo, e — com uma ajudinha dos estrangeiros, em especial dos Estados Unidos — outras famílias tomaram o poder e restauraram a autoridade de fato do imperador, que mudou-se para Edo e transformou-a em capital, agora com o nome de Tóquio. Essa foi a chamada Restauração Meiji em 1868, que levou a um período de rápida modernização no Japão e abertura novamente ao ocidente (sob grande pressão dos Estados Unidos).
Mas aí o Japão começou a querer dar uma de gostoso, a invadir a Coréia, Taiwan, a China, o Vietnã, e a querer ser imperialista com o lema de "a Ásia para os asiáticos". Envolveu-se em guerras e acabou experimentando, ele também, as agruras da guerra moderna.
Tóquio após bombardeio americano na Segunda Guerra Mundial. |
Eu saí do museu com sede. Por sorte, nas ruas do Japão há máquinas automáticas de vender tudo — água, refrigerante, suco, chá quente, café e até banana. Eu lembro que assistia a Cybercops quando era criança e achava engraçado como os caras achavam um painel eletrônico escondido em qualquer lugar da cidade. Finalmente entendi. No Japão, até o beco mais escuro e o calçadão mais abandonado vão ter no mínimo uma maquininha de bebidas.
Máquina de vender banana e pedaços de manga fatiada numa estação de metrô. (A cada X dias vem um carinha da empresa que renova os produtos e coleta o dinheiro). |
Peguei um chá de gengibre quente (pois as máquinas tem uma parte de bebidas geladas e outra de bebidas quentes) e depois um café espresso de latinha. O café tem a qualidade que você imagina, com aquele delicioso gostinho de conservante e de lata de alumínio no final.
(Dica do viajante: No Japão, evite café, chocolate e pão. Deixe esses pra quando visitar a Europa. No Japão, prefira o chá verde, os doces tradicionais, e o arroz).
Café espresso na latinha quentinha da máquina. |
Fui tomando meu espresso enlatado enquanto caminhava para o Parque do Palácio Imperial, onde há um tour grátis com guias voluntários aos sábados. Cheguei lá — carregando a latinha vazia o tempo inteiro, pois no Japão praticamente não há lixeiras na rua — e encontrei os guias Yusuke e Issamu, um coroa animado que nos falou da história de Tóquio e nos explicou vários hábitos da cultura japonesa, como o de cumprimentar curvando-se em vez de apertando as mãos, pois os japoneses tradicionalmente acham intrusivo demais tocar a outra pessoa. Ele explicou que o respeito que você demonstra é proporcional ao quanto você se curva (90 graus sendo o máximo).
Entrar na atual morada do imperador requer uma burocracia enorme, mas o parque em si é lindo. As fotos não me deixam mentir.
Parque do Palácio Imperial em Tóquio. |
Parque do Palácio Imperial em Tóquio. |
Issamu nos explicou que esses jardins foram elaborados, em parte, para que o imperador pudesse contemplar a natureza sem ter que sair de sua propriedade, onde poderiam atentar contra a sua vida. O mesmo vale para as outras mansões e senhores de terra, que também não podiam simplesmente sair andando por aí. É nessa que entram os ninja, assassinos sorrateiros que eram contratados para eliminar essas pessoas importantes.
Resolveram demonstrar armas como o shuriken (as estrelas ninja cortantes), e para isso pegaram alguém pra vestir de ninja. Adiviiiiinheeeeeem quem escolheram? Isso mesmo.
Eu "vestido de ninja" (vulgo: com uma camiseta preta na cabeça) sendo fotografado na demonstração de como atirar as estrelinhas. |
Com o cair da tarde o parque fecha, as luzes da cidade se acendem, e fica impossível não deixar Tóquio abraçar você.
Luzes à noite no distrito de Shinjuku. |
Às vezes o abraço é bem literal. Hordas de japoneses no cair da tarde no distrito de Harajuku, Tóquio. |
Shinjuku é chamado de o segundo centro de Tóquio. É onde fica a humilde prefeitura de 48 andares, e onde há também uns guetos tidos como redutos da yakuza, a máfia japonesa. De fato, há uns becos bem esquisitos e cheios de tocas de coelho.
Prédio da prefeitura de Tóquio. |
Vista do distrito de Shinjuku do alto da prefeitura. |
Becos em Shinjuku. Aquele cheiro maravilhoso de fritura. E, sim, isso ENCHE de gente. |
Em Shinjuku à noite. |
Mas após o parque, minha ida foi para o distrito de Harajuku. Se Shinjuku é tipo um centrão, Harajuku é tipo a Savassi de Belo Horizonte, o Batel de Curitiba, ou o bairro da sua cidade onde as classes mais altas vão se divertir e desfilar moda no final de semana.
Hooordas de pessoas. Rapazes de cabelo laranja e moças de sainha e salto alto sem saber andar, você vendo a hora de ela torcer o pé.
Jovens desfilam em Harajuku, Tóquio. |
No final, ainda fui ver o que a noite reservava em Akihabara, o distrito dos eletrônicos e dos animês. Entrei em cada cafofo de fliperama, com cheiro de cigarro (pois fumar é permitido nesses interiores) e jovens com caras de saídos da escola, do trabalho, ou da festa à fantasia. A quantidade de bugingangas coloridas (DVDs, bonecos, etc.) faz você se sentir na 25 de Março, em São Paulo, ou em Ciudad del Est, no Paraguai — só que, é claro, com muito mais limpeza e segurança, e acho que mais luzes também.
Distrito de Akihabara, dos eletrônicos e animês. |
Jovens num prédio com 5 andares de arcades. |
E ao fim do dia, voltando pra casa, a quiromante de toda noite, no ladinho do passeio, com uma vela numa banquinha aguardando transeuntes interessados em saber a sorte escrita na sua mão. Pra quem acha que isso são crendices de sociedades pobres, o Japão está aí para desafiar você.
Quiromante oferecendo leitura da sorte nas suas mãos. |
É uma sociedade econômica e tecnologicamente avançada, só que mais espiritualizada que a Europa ou os Estados Unidos. Aqui as coisas se misturam, em vez de haver uma ala cristã conservadora e uma ala progressista materialista. É diferente, e não é tão fácil de entender, e talvez exatamente por isso seja tão fascinante.
Aeeeeeeee vc foi em Harajuku!!!!
ResponderExcluirAchei que vc nunca iria lá!!!
Fotos lindas, migo! Amei o post!
Dica: arigatou nao vem de obrigado. Arigatou vem de arigatai (adjetivo pra "grato"), do mesmo jeito que ohayou (bom dia) vem de ohayai ("o" é prefixo de respeito, hayai é o adjetivo para "cedo"). É algo explicável pela gramática japonesa, não uma transformação de "obrigado".
ResponderExcluirO autor do livro onde encontrei a informação ("Portugal, a Primeira Aldeia Global") se equivocou, então. Corrigi o erro. Obrigado pelo esclarecimento!
ExcluirPor nada! :)
ExcluirÉ um equívoco que foi bastante difundido pelos lusófonos, mas dificilmente "obrigado" viraria "arigatou" (viraria "oburigado" ou algo parecido, já que esses sons existem na língua japonesa).
A quem interessar: http://www.aprendendojapones.com/2007/09/29/arigato-obrigado/
Não comentei antes, mas gostei muito do seu blog! Não só a parte do Japão, mas dos outros países também. Achei várias dicas valiosas, pois tenho muita vontade de sair viajando por aí! :D
Abraço