sexta-feira, 10 de julho de 2015

Belezas e estranhezas dos comes e bebes no Irã


Este post vai para aqueles que planejam aventurar-se no Irã, e para os que simplesmente estão curiosos pra saber o que, afinal, se come e bebe por aqui.

Não vou falar muito de "culinária iraniana", pois seria pretensioso demais. Eu entendo pouco da gastronomia persa, e não comi na casa de nenhum iraniano (exceto na de um certo músico no dia em que visitei Persépolis, mas é um serviço pra turistas). Restaurantes aqui são raros e, quando existem, são normalmente para turista. Então é difícil dizer até que ponto os iranianos realmente comem no dia-dia o que eu comi.

O que eu posso lhe dizer com certeza é o tipo de coisa que você, visitante, vai encontrar nas ruas aqui e por onde passar. Prepare-se, pois há tanto belezas quanto estranhezas.
Na lanchonete fast-food.

O cardápio, é claro, é a primeira estranheza. Dificuldade deste nível eu só havia tido no Japão. Os iranianos são mais comunicativos, então embora não falem muito inglês, dá pra você trocar umas palavras básicas  enquanto que os japoneses normalmente se fecham lá em sua concha e você fica a ver navios. Por outro lado, pelo menos lá no Japão dava para entender o preço, enquanto que aqui você terá que aprender os numerais arábicos orientais (ver aqui), ou ficar perguntando "E esse aqui, quanto custa?" e a pessoa lhe mostrar nos dedos das mãos, como se você fosse retardado.  

Mas não perca seu tempo (e apetite) nesses fast-foods ocidentalizados do Irã. Parece que o programa iraniano de ir comer fora é sempre nesses lugares, pois há uma escassez incompreensível de restaurantes decentes na rua. No entanto, o menu  em todo o país  parece ser sempre o mesmo nestes lugares: batata frita melada de gordura, hambúrgueres, e uma pizza grossa, cheia de coisa por cima e sem gosto de nada. Evite. Eu só comi neles mesmo quando estava passando fome.

Se quiser alguma coisa rápida, o que presta (embora nem sempre) são os sucos feitos na hora. Quer dizer, normalmente há uma fila de liqüidificadores no balcão, já com fruta dentro (ou já o suco), e ele só dá aquela (re)batida e vira pra você no copo. Vá no melão. Tomei uns maravilhosos. Só às vezes é que enchiam de gelo e eu acabava tomando gelo batido com um pouco de fruta  não muito diferente do que ocorre no Brasil. Mas pelo olho você determina.
Casa de sucos e vitaminas na rua, em Teerã.
Tomando um belo suco de melão cantaloupe batido, em Isfahan.
Já este aqui foi um copo de vitamina de banana com uma bola de sorvete dentro.

Esqueça café  ou traga sachês de casa na viagem. Nas grandes cidades, sobretudo em Teerã (a capital), é possível achar cafeterias à moda europeia nas áreas de classe mais alta, mas não é o comum. Nos cafés da manhã de hotel, por exemplo, havia nada, "chafé" aguado, ou uns sachês malignos "3 em 1" que diziam conter café, leite em pó e açúcar (ver aqui). É um negócio que você só toma por falta de opção mesmo

Dizem que a Pérsia era tradicional por seu café, como ainda é hoje a Turquia, mas os ingleses, quando estiveram por aqui querendo fazer da Pérsia colônia no século XIX, trataram de estimular as pessoas a beberem chá, que é o que eles (os ingleses) tinham para vender. Resultado é que, hoje, chá preto é o que você avista por toda parte.

Apesar de eu não ser o maior fã de chá, em alguns lugares ele vem bem bonitinho, e dá um ar de charme. 
Bandeja de chá no Irã. Na rua, obviamente, não é assim, mas em restaurantes você é servido desta maneira. Isso amarelo nos pauzinhos são cristais de açúcar, para você dissolver na bebida se quiser.

Bebidas alcoólicas, obviamente, são banidas. Você só vai achar no contrabando, ou na casa de algumas pessoas. O Islã proíbe o consumo de álcool, já que é um entorpecente, e aqui estamos numa república islâmica, afinal. Então, apesar de toda a conversa sobre vinho em Shiraz, não espere encontrar.

Se quiser uma bebida local, experimente a Zam Zam Cola. Zamzam, pra quem não sabe, é o nome do poço sagrado em Meca que, tradicionalmente, se crê ter sido criado por Deus para dar beber a Ismael, filho de Abraão. Os muçulmanos a tem como uma água milagrosa. Beber um pouco de água do poço Zamzam é parte da peregrinação a Meca que todo muçulmano deve fazer ao menos uma vez na vida. Tal como a água benta para os cristãos ou a água do Rio Ganges para os hindus, há também versões enfrascadas de água do zamzam que os muçulmanos às vezes guardam em casa e usam pra vários tipos de coisa. Só que, neste caso, a servem também como bebida, o que é sempre considerado uma muito especial.  

Me surpreendi em ver os iranianos usarem o nome do poço para fins comerciais. Mas está aí.    
Zam zam cola. Aquele conhecido gosto de imitação. (Não, não acho que seja produzida com água do poço; mais fácil ser de poça).

Já se você quiser algo sólido, recomendo o delicioso falafel, tradicional em todo o Oriente Médio. Existe no Brasil, e é normalmente feito de grão-de-bico prensado com ervas e frito, mas o aqui do Irã é melhor. 

Normalmente eles vendem no pão, numa espécie de imitação do big mac  com ketchup, maionese e picles. Contudo, se você pedir sem o pão eles lhe vendem, e você come na mão. 

No mais, se quiser outros engana-estômago, abuse das frutas secas que aqui eles têm em abundância. Só prepare-se porque aqui, ao contrário do Brasil (onde a coisa chega cristaliza de tanto açúcar que botam), eles usam só mesmo a fruta, então às vezes é um pouco azedo. (Outras vezes é azedo pra ***alho). 
Falafel.
Meu jantar numa destas noites. Falafel no pão com alface, tomate, ketchup, maionese e molho de pimenta. Estava bom.
Frutas secas pra comprar ao peso na rua. 
Damascos, ameixas de várias cores, maçãs, pêras, e outras.

Mas vamos afinal ao que interessa: comida de verdade. 

Aqui no Irã eles tomam muita sopa. Não tenho hábito, mas elas às vezes vieram a calhar. Há umas variações com iogurte dentro, brancas, e outras verdes, com folhas azedinhas de videira ou outra planta. São frequentemente servidas com pão, um pão chato típico cá do Oriente Médio  lembrando o que no Brasil é conhecido como pão sírio.
Pão com sopa no Irã.

As mesas, como vocês podem ver, são quase sempre bem decoradas. Os têxteis persas podem ser lindíssimos, desde os famosos tapetes até as toalhas de mesa. Só que também muito comum é não comer na mesa, mas sim em pequenas plataformas elevadas do chão onde você se senta como se estivesse sobre um tapete.  
Apesar da ilusão de ótica, isso está acima do chão. É mais bonito do que confortável, verdade seja dita. Ao menos pra quem não está acostumado. Você precisa se encurvar todo pra alcançar a comida, e ainda dá cãibra nas pernas.
Ali temos, primeiro, um pratinho de iogurte, que em todo o Oriente Médio se consome sem açúcar e junto com a comida. A amiga turca que me acompanhou nesta viagem, por exemplo, não resiste a um prato de iogurte com arroz. (Ela costuma dizer que "os europeus não entendem iogurte", quando os vê o comerem com açúcar ou coisas doces). 

Aquele prato ali que parece uma sobrecoxa de frango é beringela cozida no caldo e com uvas. Eles aqui fazem pratos saborosíssimos com frutas no tempero. Ainda que pouquíssimos iranianos sejam vegetarianos e o turismo seja mínimo aqui, provei comidas vegetarianas muito boas. Não há lá muita diversidade (cai sempre no arroz com legumes refogados no tempero), mas é saboroso.
Deliciosos bolinhos de arroz temperado, com passas, enrolados em folhas de videira (uva).
Comendo um creme de berinjela bem temperado. (Aquilo branco em cima é acelga, pra decorar).
Arroz, beringelas de tomates no caldo, uma salada com iogurte, e um aqui mais à direita um creme de legumes com temperos e hummus (pasta de grão-de-bico) por cima. Gostoso!

O arroz por si só já é gostoso. E eles aqui costumam temperá-lo com açafrão, que é a especiaria mais cara do planeta. São estigmas e pistilos, pedaços das flores de uma certa planta. Há variedades cujo grama custa mais do que o de ouro. Então, até pelo charme de sua cor amarela, parece que põem açafrão em tudo. É usado tradicionalmente há 4.000 anos, e figurava até no tratado botânico do Rei Assurbanipal, da Assíria no século VII AC. Hoje 90% da produção vem do Irã. Tem um sabor especial, difícil de descrever. 
Açafrão (à esquerda) à venda numa casa de especiarias. 
Açafrão com arroz doce, de sobremesa, com amêndoas em pedaços e canela em pó. 

Pra terminar, um prato de tal estranheza que eu jamais havia visto: sobremesa com frango.

Eu ia pedir, pois me parecia um inocente pudim amarelo feito de iogurte e açafrão, quando um dos meus amigos iranianos com quem estava, sabendo-me vegetariano, sugeriu que podia conter frango. Eu dei risada, crente que ele estava me zoando. Só que não. O outro foi e perguntou à funcionária, que confirmou que havia mesmo frango. Fique besta. 

Trata-se do khoresht e-mast, uma sobremesa tradicional da cidade de Isfahan, feita com iogurte, açafrão, casca de laranja, frango e açúcar. (Não me perguntem o que é que o frango faz ali. Parece jogo dos sete erros).
Ei-la.

Depois deste post tão colorido, tão cheio de sabores, permitam-me, vou almoçar. Volto na semana que vem com o post final do Irã, contando da minha estadia em Isfahan, na minha opinião a mais bela cidade do país.


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