sábado, 28 de fevereiro de 2015

Monumentos Mayas: Uxmal e os cenotes

Nas ruínas de Uxmal.

Uxmal, a mais bonita das ruínas mayas que visitei. Menos famosa que Chichén Itzá (aqui), pois fica mais longe de Cancún e assim recebe menos turistas, mas bem mais impressionante. Uxmal, que em maya quer significa "três vezes construída", foi uma cidade habitada entre 500-1100 DC. Ao final deste período sofreu uma forte invasão tolteca (outro povo indígena, do centro do México) e uma persistente crise de falta d'água. As ruínas, no entanto, ainda guardam a magnífica Pirâmide do Adivinho, um belo Palácio do Governador, e outras estruturas. De quebra, há um show de luz e som à noite que lhe permite ver a pirâmide à luz da lua e as estrelas. Impressionante. 

A minha jornada até Uxmal foi num destes grupos de turismo que saem numa van com um guia e o motorista. Eram quase todos mexicanos, exceto por duas peruanas. Estávamos, portanto, num ambiente hispanofônico. O nosso guia, Jorge, era uma mistura de Roberto Bolaños (o Chaves) e Agildo Ribeiro, o comediante. Era já um senhor de idade, risonho, com olhos de quem está atento a tudo o que você diz pra ver se pode ser convertido em uma piada. Aquele sorriso meio safado. E era meio pesado, daqueles cuja barriga é sustentada pelo cinto da calça.

O motorista era Guillermo, e atendia pelo apelido de "Memo". Era também já um senhor, moreno escuro gordo, com rosto meio de sapo e um beição caído e que permitia ver os dentes de baixo. Era simpático, apesar de muito feio. Os dois pareciam que já trabalhavam juntos há muito tempo, pois não paravam de fazer gozação um do outro. E o pior é que eram engraçados.

A nossa primeira parada foi num lugar onde haviam filmado a novela (mexicana, obviamente) Abismo de Pasion. Era, realmente, um abismo, de onde os antigos mayas tiravam água. Tal qual São Paulo, as cidades mayas tinham dificuldade de abastecimento hídrico. E da mesma forma que no Brasil alguns apelam a São Pedro, os mayas antigos oravam a Chaac, o deus da chuva. Só que, ao contrário dos paulistas, os mayas não tinham (e não têm) rios. Não há rios aqui na Península de Yucatán. Todo o suprimento de água doce depende de chuvas ou dos amplos lençóis freáticos da região, que chegam à superfície na forma de cenotes  como se chamam aqui os muitos olhos de água. É num desses cenotes que filmaram a tal novela Abismo de Pasion, uma bela área de caverna e água cristalina escondida em meio à floresta.
Um cenote, fonte onde brota água subterrânea, em meio à floresta maya. O contraste de cores é lindíssimo.
Garotada no cenote e mergulhadores. Pode parecer raso, mas a parte azul escura chega a 40m de profundidade, onde está o lençol freático.
Eu no Abismo de Pasion.

Jorge não aprendeu o meu nome, então começou me chamando de "do Nascimento", em alusão a Pelé. Depois aprendeu o meu último sobrenome (Lima), e nisso ficou. Engraçado foi quando chegamos numa região produtora de lima, e começou a história capciosa de quem queria comer lima. "Mas lima não se come; se chupa", anunciou ele às coroas do grupo, sorrindo de uma orelha a outra.  

Depois descobrimos que Jorge era diácono da igreja. "Eu me transformo completamente", disse ele. Disse que certa vez alguém disse a ele que jamais tomaria a comunhão em sua mão. "E o que é que tem o corpo de Cristo a ver com isso?", disse ele que respondeu. Uma senhora do nosso grupo concordou, rindo, que também não tomaria. De fato, era difícil imaginar aquele velho piadista celebrando missa. Mas ele sabia um monte de coisa sobre a Igreja, então não acho que era mentira. Logo quando demos partida ele havia feito o sinal da cruz e perguntado se éramos todos católicos. Eu nem abri a minha boca e todos já estavam respondendo em uníssono: "Si, claro!". "Como não!", disse uma senhora ao meu lado. Assim são os mexicanos: descontraídos mas tradicionais na religião. 

Almoçamos e visitamos uma caverna antes de seguir a Uxmal. O almoço foi um dos mais básicos que já tive, numa das casas mais pobres que já visitei. Ficava à beira da pista. Era o que podia-se chamar de uma oca: uma casa de pau e palha, de um só vão, com duas aberturas e uma rede de dormir dentro. Ali se cozinhava e fazia tudo (exceto banheiro, no mato). A senhora, no entanto, era extremamente gentil, e fazia-nos umas tortilhas (ver aqui) com o automatismo de décadas de prática.
Interior da casa que visitamos, onde nos foi preparado o almoço.
Um almoço simples do interior aqui da região maya: tortilha de milho, frita, com uma pasta de feijão cozido por cima, a verdura que tiver, e frango desfiado. (As mesas plásticas da Coca-Cola, como é hábito, onipresentes nas zonas rurais  América Latina afora).
Interior das cavernas que visitamos.
Abertura para a floresta acima.
Na saída, ainda comi um copo de côco verde com limão, sal e pimenta  à maneira mexicana. O limão até que cai bem, mas o sal e a pimenta acabam com o côco. Ao menos tirei uma foto com a mocinha.  
Meu copo de côco ali ao lado. E sim, como eu disse no post sobre Chichén Itzá, os mayas são bem baixinhos. 

Retornando à van, acostei-me com Dona Imelda, que ia ao meu lado no fundão. Era a mãe da moça mais jovem do grupo, que por sua vez ia à frente, entre Jorge e Memo (tadinha). "Você dá conta aí da sogra, Lima", dizia-me Jorge lá da frente. Nem pensar, é óbvio. Dona Imelda estava longe de ser um pitel. 

Seguimos rumo até Kabáh, uma outra cidade maya em ruínas já nas proximidades de Uxmal. Kabah foi habitada do século III AC até pouco depois de 1000 DC. O mais notável são as paredes de templos revestidas de máscaras do deus Chaac, da chuva, que era narigudo. Vejam as protuberâncias.
Entrada de um antigo templo maya em Kabah. As protuberâncias na parede são narizes de máscaras do deus Chaac, o deus  maya da chuva. 
Meu momento Indiana Jones.
Estátua à entrada de casa da nobreza.
A grande Pirâmide do Adivinho, já em Uxmal.
De perto. Haja pernas pra subir essa escadaria!
Vista de outro ângulo.
É grande. São 35m de altura e 53m de largura na base.

Do alto dessa pirâmide o líder espiritual da cidade fazia as suas previsões e preces  e, é claro, acompanhava o movimento dos astros, parte muito importante da espiritualidade dos mayas. Não distante dali ficavam também as casas da nobreza, que é quem vivia em construções de pedra  o povão vivia em casas de madeira nos arredores, mais pra perto da floresta. 
Entradas para aposentos das classes altas, no centro da cidade de Uxmal. Percebam os motivos e símbolos na decoração das paredes. Quase sempre são referências aos vários deuses mayas. 
Palácio do Governador. Após essas escadarias havia um largo pátio de pedra, hoje coberto pela grama.

Não era à toa que o deus Chaac, da chuva, era um dos mais reverenciados. Acredita-se que antes do ano 1000 DC os mayas começaram a sofrer intensas e crescentes crises de abastecimento hídrico, e o resultado foi abandonar o que haviam construído e migrar para o interior do continente, fora da Península de Yucatán, para onde hoje estão Guatemala e Honduras na América Central. As populações mayas continuaram a existir, mas em números bem menores e sem o esplendor do seu período clássico. Quando aqui chegaram os espanhóis nos idos de 1500, os mayas já eram grupos menores, mais pobres, mas ainda assim guerreiros. Somente em 1697 (preste bem atenção, 200 anos depois) é que os espanhóis conquistaram a última das cidades-estado mayas independentes, Nojpetén, na atual Guatemala. 

Como era de se esperar para a época, mas infelizmente, os espanhóis queimaram quase todas as obras escritas dos mayas, que eram altamente pictográficas e cheios de desenhos que os espanhóis consideraram demoníacos. Sobraram apenas três códices, todos eles hoje guardados em museus europeus: Madrid, Paris, e Dresden (Alemanha). São os últimos livros pré-colombianos originais dos mayas. No mais, ficou o conhecimento passado de geração em geração (afinal, os mayas hoje ainda são milhões de indivíduos no sul do México e na América Central, e falam seus próprios idiomas  sim, são vários), e há os relatos dos freis que mandaram queimar a bibliografia maya. Seguem vivos, porém, para encontrarem seu devido lugar na cultura e na política dos estados modernos daquela região, e que até hoje tão pouca atenção dão a eles. O colonialismo acabou, mas não acabou. 

Esperemos que aqueles que sofrem de crise hídrica hoje levem a sério. Senão, a História já mostrou o que acontece.

Deixo vocês com algumas fotos de Kabáh ao entardecer e de Uxmal à noite.
Lado de trás da Pirâmide do Adivinho, em Uxmal, à noite.
Nas fotos não é possível ver as estrelas, mas essa é a parte mais impressionante. À luz da lua cheia também deve ser magnífico. As ruínas ganham todo um ar de misticismo.
Luzes sobre o corpo e a cabeça de Quetzalcoatl, a "serpente emplumada" divina dos indígenas da Mesoamérica.
O crepúsculo de um povo. Foram-se os mayas antigos, ficaram os mayas do presente. Nasceu a multiétnica civilização latino-americana, que ainda tem muitas contas a acertar.

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2 comentários:

  1. Cara, que lugar incrível! Que pena terem destruído tantos registros.
    E as fotos de noite ficaram fora de série!
    Esperamos mais posts, Lima!

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  2. Uaaauuuu impressionante o lugar, belissimas as construções, principalmente sob as luzes, maravilhosas cavernas lindissimas, interessantes histórias, embora um tanto tristes por ver quase que desaparecer docs tão importantes e sentir o peso das patas dos colonizadores desinformados e autoritários.Pesa tambem perceber a pobreza em que vivem, a exclusão e a marginalização, embora destros e habilidosos no que sabem fazer. Adorei as historias, as companhias e a pose do Indiana Jones uaauu, Muito bem sr Mairon Polo dos 7 mares, Valeu. Muito bonito o lugar.

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