segunda-feira, 7 de abril de 2014

Visitando Marrakech, parte final: Jardim Majorelle, Palácio Badi, e as Tumbas Saadianas


Marrakech pode ocupar bem uns 3 dias de visita. Se o post anterior falou de lugares de beleza arquitetônica, o foco deste agora são alguns outros de talvez menos beleza física, mas com histórias interessantes por trás. Vamos ver se vocês concordam.

O primeiro deles é o Jardim Majorelle. Fazem um bafafá enorme sobre esse jardim, e é talvez a atração mais comentada da cidade. É também a mais cara de se entrar (5 euros). Trata-se hoje de um jardim botânico turístico fundado pelo francês Jacques Majorelle em 1931, após os franceses entrarem aqui e tomarem conta a partir de 1912. (Na teoria, o Marrocos era um "protetorado" francês, mas na prática era uma colônia. A independência do Marrocos só se deu em 1956).

E, assim, franceses excêntricos vinham pra cá. Esse decidiu que queria plantas das várias partes dos mundo, de cactos a bambu. Em 1980, o estilista francês Yves Saint Laurent e seu namorado (sim, ele era gay) compraram o jardim. Hoje ele é aberto ao público. É pequeno, e pra mim que estou acostumado a ver cacto no Nordeste, não impressionou muito, mas vale a visita se você tiver tempo suficiente. O melhor, na minha opinião, é o Museu de Cultura Berbere que fica dentro do jardim. Os berberes (beduínos, tuaregues, e outros povos nômades) são os povos nativos daqui do norte da África, que se misturaram aos árabes ao longo dos séculos. No museu não se pode tirar foto, mas ele mostra um pouco da cultura e trajes típicos berberes, que são coloridos, cheios de balangandans, e diferentes dos sóbrios trajes árabes. Nas montanhas do Marrocos ainda há aldeias berberes, onde se falam línguas berbere, e também na cidade de Agadir.

(Por curiosidade, talvez você não saiba, mas há às vezes discriminação entre os marroquinos de origem berbere e os marroquinos de origem árabe. Uma amiga minha marroquina, árabe, disse que certa vez num restaurante de Agadir com a família, os garçons berberes estavam combinando de servir a eles os restos da comida do dia anterior. Por sorte, o cunhado dela era berbere, entendeu a conversa dos garçons, e deu-lhes um esporro).
Entrada para o Jardim Majorelle.
A turistada em meio ao bambuzal.
Memorial ao Yves Saint Laurent, que em 2008 morreu, foi cremado, e teve suas cinzas dispersas aqui pelo jardim.
Cactos, que são o que mais tem aqui.

Passemos do Jardim Majorelle a algo mais histórico, o Palácio Badi. Este, lamento, não existe mais, mas você ainda pode visitar as ruínas. A história é interessante:

O Palácio Badi (que, em árabe, quer dizer "incomparável") foi construído a partir de 1578 pelo sultão Ahmad Al-Mansur, com dinheiro português. Naquele ano houve a "batalha dos três reis", também conhecida como Batalha de Alcácer Quibir, à qual o rei português Dom Sebastião I, último da dinastia de Avis, foi e nunca voltou. Os outros dois "reis" da batalha eram um sultão marroquino deposto e o seu tio que lhe usurpou o trono com ajuda dos turcos otomanos. O sultão deposto então correu pra pedir ajuda a Portugal, que veio, e lutaram ambos contra o tio usurpador. Na batalha, morreram os dois sultões, tio e sobrinho, e Dom Sebastião desapareceu.

Portugal ficou então sem herdeiro definido, já que Dom Sebastião I não tinha filhos. Nisso, Filipe II, rei espanhol, se aproveitou e invadiu Portugal. Assim se estabeleceu a "União Ibérica" (1580-1640) por 60 anos, até a Dinastia de Bragança reconquistar a independência para Portugal. Mas ninguém nunca achou o corpo de Dom Sebastião. Criou-se um mito de que ele voltaria para salvar Portugal do jugo espanhol, e histórias se espalharam de gente que havia supostamente o visto, etc. À época surgiu o rumor, por exemplo, de que ele foi visto em Veneza 20 anos depois. Nisso se criou uma crença quase messiânica sobre a eventual volta de Dom Sebastião que se perpetuaria pelos séculos influenciando até na História do Brasil, como na Guerra de Canudos, onde alguns criam que Dom Sebastião chegaria para ajudá-los. É uma daquelas coisas que a gente nunca vai saber o que realmente ocorreu, se ele morreu mesmo em batalha ou não.

Seja como for, Portugal perdeu, e ainda teve que pagar tributo ao Marrocos. O lado do tio golpista foi que venceu, apesar de ele ter morrido na batalha. Seu irmão, Ahmad Al-Mansur, herdou o trono, e com o tributo pago por Portugal pela derrota ele construiu o Palácio Badi para si. Você hoje pode visitar o sítio desse palácio em Marrakech.
Muralhas em ruínas do Palácio Badi, em Marrakech.
Interiores do que restou do Palácio Badi. Originalmente eram 360 aposentos, com interiores revestidos com mármore italiano e ouro do Sudão.
Jardins internos do Palácio. Hoje são laranjais com algumas palmeiras.
Área interna do Palácio Badi.
As flores ainda crescem.

Caso você esteja se perguntando como o palácio se arruinou tanto dos idos de 1600s pra cá, isso nos leva ao próximo monumento, as Tumbas Saadianas.

Ahmad Al-Mansur, o sultão que ordenou a construção do Palácio Badi (acima) e o habitou, foi o quinto sultão marroquino da Dinastia dos Saadi. Eles governaram o Marrocos de 1554 até a morte de Ahmad em 1603, quando teve início uma guerra civil pela sucessão do trono. (Isso não se estuda na escola). Após anos de conflitos, divisões entre famílias poderosas, e governos breves, em 1664 a família dos Alaouí (ou Alaouítas) conseguiu assegurar o trono com Mulay Al-Rashid. Al-Rashid foi aos poucos conquistando as várias cidades do Marrocos, que estavam sob o controle de famílias diferentes: Fes, Tafilalt, Marrakech, e por aí vai. Em 1672 ele morreu de uma queda do cavalo, mas aí o poder da sua família -- que virou Dinastia Alaouíta -- já estava consolidado. A família governa até hoje, com o atual rei Mohammed VI. Eles dizem, inclusive, serem descendentes do Profeta Maomé, através da sua filha Fátima. Vai saber.

Seja como for, Al-Rashid mandou detonar o Palácio Badi em Marrakech, mas ficou meio cioso de mandar destruir as tumbas dos Saadi, pois isso poderia ser desrespeitoso demais e ainda dar mau agouro. As Tumbas Saadianas eram onde as pessoas importantes da Dinastia Saadi, que governou antes, eram enterradas com pompa, em mármore italiano. A solução foi selá-las pra que ninguém as visse. Elas só foram redescobertas em 1917, quando os franceses fizeram voos de reconhecimento na região e notaram algo escondido entre as muralhas.

As Tumbas Saadianas são hoje abertas à visitação, e é o único lugar onde você ainda encontra o mármore italiano e as decorações intactas, não-pilhadas. É uma visita curta, mas custa 1 euro e vale a pena.

Fica pra você que acha que os políticos de hoje são os únicos a chegarem e quererem desmanchar o que os antecessores fizeram. Naquela época faziam muito pior.
Exterior e muralhas das Tumbas Saadianas, com o vozinho marroquino passando.
Interior, e tumbas de pessoas menos importantes ligados aos Saadi (serviçais e outros) nos jardins.
Tumbas dos sultões Saadi, decoradas com mármore italiano.
Detalhes das decorações.

Bom, isso encerra a visitação em Marrakech. Deixo vocês com algumas fotos da Mesquita de Koutoubia à noite, na Marrakech de hoje. É hora de zarpar rumo ao Deserto do Saara e de conhecer outras partes do Marrocos.

Em breve, Mairon no Deserto do Saara.

Um comentário:

  1. Da hora esta visita Mairon!!!
    Isso me faz lembrar que uma vez um cara escreveu "a palavra Luxo representa esplendor. Deveria ter vindo então de Luxor (que é no Egito), que inspirou o homem a fazer templos para neles seu ego morar".
    Com tanto luxo em mármore, faz até sentido, né?

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