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A Rússia não é um destino fácil. Fácil é entrar, pois desde 2010 os brasileiros não precisam mais de visto (para a inveja boquiaberta de europeus e norte-americanos). Mas, uma vez lá dentro, prepare-se para olhares mal-encarados, impaciência nos serviços, e um nível de infraestrutura parecido com o Brasil, mas numa terra onde — a menos que você seja fluente em russo — ninguém fala a mesma língua que você (eles não sabem e não gostam de falar inglês). Apesar disso, a Rússia é uma terra de belezas próprias, muito interessante, e que vale a pena ser conhecida.
Para quem chegou até aqui após ler meu post da Finlândia (Lapônia), não se perca. Dali foi a minha segunda viagem à Rússia, entrando por São Petersburgo no inverno. A primeira ocorreu poucos meses antes daquilo, num mês de setembro, entrando por Moscou. Vou tomar essa primeira experiência como carro-chefe, e inserir coisas da segunda quando necessário.
Minha primeira chegada à Rússia foi de avião, partindo da Alemanha. No meio do trajeto, o capitão nos acalentou anunciando que uma peça-chave tinha dado defeito. Sem ela não seria possível chegar até Moscou, e era preciso retornar a Frankfurt. Que maravilha. Lá aguardamos 1h até a peça ser substituída, e decolamos novamente. Assim foi por água abaixo o meu plano de chegar a Moscou ainda à luz do dia, quando é mais fácil de se virar numa cidade desconhecida.
Éramos um grupo muito peculiar de amigos meus: uma engenheira mecânica chinesa, uma holandesa tímida jogadora de futebol (e praticante de boxe), uma cientista política italiana, e um brasileiro trabalhando com conservação da Amazônia no Acre. Ah, e eu. Não, não houve briga de boxe nem quebra-cabeças de engenharia -- como ocorreria se fosse filme americano. Mas nossa experiência não deixou de ser bem aventuresca.
Ninguém falava russo. Somente eu estudei da internet por uns dois meses e aprendi um basicão, além de saber ler o alfabeto cirílico, o que é muito importante, pois te permite por exemplo saber que ресtоран se lê "restoran", e deduzir que é um restaurante. São muitas palavras assim. Além disso, saber ler os sons (ainda que não saiba o significado) te permite se orientar no metrô de Moscou, onde os nomes das estações e os avisos de áudio são apenas em russo.
Vendinha simples nos arredores de Moscou. Não espere que essa tia fale algo além de russo. |
Saímos de trem, até a Estação Paveletsky. Uma vez na rede de metrô, você está tranquilo. Ele custa barato e, com 12 linhas, cobre toda a cidade, a ponto de pouco existirem ônibus urbanos. Você verá muitos guardas e funcionários públicos uniformizados com cara de mau, entediados em suas cabinezinhas observando o movimento. Não quis dar razão pra tirá-los do tédio, então não tirei foto deles. Mas você os verá vigiando as escadas rolantes. A Rússia tem das estações de metrô mais fundas do mundo, da época da Guerra Fria, e a ideia era servirem também de abrigo anti-bombas. Leva minutos pra subir e descer em cada escada.
O naipe das escadas rolantes do metrô na Rússia. Mal dá pra enxergar o fim. Às vezes se passam minutos. |
Do metrô, uma caminhada breve nos levou até o albergue, um cafofo no quinto andar de um prédio velho sem elevador. (Havia elevador, mas daqueles onde só cabe uma pessoa, e que na maior parte das vezes está quebrado). Ao subir as escadas, você assiste aos moradores à porta dos seus apartamentos fumando, criando toda uma atmosfera completamente sufocante, que mistura cigarro e cheiro de prédio velho (aquela combinação de poeira, mofo e cimento).
A verdade é que a cultura de albergagem na Rússia não é como na Europa, voltada a jovens turistas estrangeiros. Aqui os albergues fazem mais o estilo cortiço, com famílias que se hospedam por meses, aquela tia bem dona-de-casa costurando na sala enquanto vê televisão, e grupos de senhoras lavando as roupas íntimas no banheiro. Eu, como tenho sorte, caí bem num desses.
Certa vez, pra usar o único banheiro às 6 da manhã eu precisei convencer as tias de que eu estava apertado a ponto de fazer nas calças, enquanto elas monopolizavam o banheiro coletivamente (entravam três, saíam duas, entrava uma outra). Me senti na época de vacas magras do pós-guerra.
Os russos, em geral, são calorosos por dentro e frios por fora. Após você fazer certa amizade, eles poderão se revelar pessoas maravilhosas, bem humanas e bem "amizade de irmão" do tipo "eu entraria numa briga por você". Mas, como você terá pouca oportunidade de chegar a esse nível como turista, prepare-se para a rudeza ferrenha dos russos para com estranhos — sobretudo em serviços, tipo na lanchonete, na rodoviária, etc. O que você mais encontrará é uma cara que combina tédio, impaciência, e desprezo por você, como se a pessoa estivesse put@ da vida e a culpa fosse sua.
A mensagem é: prepare-se para uma firmeza de personalidade (que às vezes leva a um certo embrutecimento) e que eles também esperarão de você. Não sorria demais, pois é tomado como falsidade. O esquema aqui é ter uma atitude firme. (As mulheres, inclusive, muitas vezes te encaram de volta e sustentam seu olhar nos olhos por mais tempo do que em outros lugares).
Os russos também são provocantes. Propaganda de celular na rua. |
No nosso cafofo, três armênios tomavam conta da coisa. Mantinham o aquecedor no máximo, e circulavam de calções, pulôver e meias pelo albergue. Numa bela noite, enquanto jantávamos milho de lata e coisas afins compradas no mercado da esquina, um deles veio perguntar se alguém ali falava francês. Eu aconteço de falar, e perguntei do que se tratava.
Na recepção, um senhor idoso engravatado rodava impaciente, queixando-se de um jeito que só os franceses sabem fazer. Não falava uma palavra de inglês ou russo. Aparentava ter uns 65 a 70 anos, já meio calvo, com cabelos brancos dos lados. (Não me perguntem como esse personagem veio parar aqui). Dei boa noite e perguntei do que ele precisava. Mal sabia eu o que viria dali. Ele queria saber como chegar numa cidade do interior onde "alguém" o aguardava. Aí ele me mostrou o e-mail mais recente, que começava com "Bonjoooooooooour, mon amooooooour", e continuava em tons sedutores, aparentemente de uma jovem russa apaixonada que o aguardava ansiosamente.
Na Europa é notória a fama das russas em busca de marido rico, e que às vezes procuram esses idosos interessados num pouco de "emoção", hehe. Só não imaginei que eu fosse me deparar em primeira mão com um caso desses. O e-mail era todo romântico, e o velho fez questão de ler algumas partes pra mim enquanto apontava a tela com o dedo. Como eu era a única pessoa com quem ele podia conversar, eu tinha que tomar cuidado, pois era só ele me ver que achava mais assunto para puxar conversa. A cidade aonde ele ia ficava a 23h de ônibus de Moscou, e eu nunca soube se o velho jamais chegou ao seu destino.
As coisas que me acontecem...
Bem, no próximo post eu passo à visita a Moscou, e ao que há de mais interessante a se ver.
Áreas populares. A Moscou mais simples, fora das áreas turísticas. Pra quem quiser treinar a leitura do alfabeto cirílico, ali está escrito "Vernissage" em letras vermelhas. |
Hahahahahaha teu santo é forte hein?
ResponderExcluirBancando o cupido (SQN) e aprendendo russo?
Sempre me surpreendo!