quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Chegando a Plovdiv, no leste búlgaro



Casario e ruas antigas em Plovdiv, segunda maior cidade da Bulgária.

Seis a sete horas separam Istambul de Plovdiv, no leste búlgaro. Não acho que muitos brasileiros façam esse trajeto. Ao que turcos, búlgaros, e turistas europeus e norte-americanos passaram, eu fiquei para trás com os policiais de fronteira, que pareciam nunca terem visto um passaporte brasileiro. Checavam no sistema se havia mesmo isenção de visto (como há). Basicamente, todos descem do ônibus e passam a pé por um portãozinho lateral e por uma saleta onde os passaportes são inspecionados. Uns 10 minutos depois, me liberaram. Logo antes de cruzar a fronteira, eu havia gasto minhas últimas liras turcas comprando um pacote de batata Pringles num enorme shopping vazio onde havia mais funcionários que clientes. Um deserto de concreto, onde as bandeiras da Turquia, da Bulgária e da União Europeia balançavam hasteadas. Agora era hora de conseguir alguns levs búlgaros (a moeda) e conhecer um novo país.

Em Plovdiv me esperava Romina, uma amiga búlgara. Mas antes mesmo de chegar lá você já vê a transição na paisagem. A Bulgária é um país bastante simples, e relativamente pobre para os padrões europeus. Passou a fazer parte da União Europeia em 2007, mas ainda é vista como uma prima pobre. Da janela do ônibus via muitas casas humildes, alguns carros velhos, e uns descampados agrícolas. Para efeitos comparativos, parece ter mais ou menos o mesmo nível de infraestrutura do Brasil. Ou seja, não é uma zona como a Índia, mas também não se compara à arrumação de países ricos como a Holanda ou a Alemanha. É, como em geral nos países do leste europeu, arrumadinha, mas com calçadas quebradas ali, umas casas abandonadas aqui, e pessoas de jeito em geral modesto, diferente do jeito cheio-de-si que a gente vê nos países ricos.

Em Plovdiv, a rodoviária era modesta. Umas bodegas aqui e ali, barraquinha com cara de ponto de ônibus, e pátio de cimento. O tempo estava friozinho, com o outono já querendo se instalar, e alguns meninos agasalhados corriam lá e cá. Eu, doido pra ir no banheiro (já que os ônibus turcos não têm banheiro) mas sem dinheiro búlgaro pra pagar o da rodoviária, aguardava Romina andando pra lá e pra cá.
O deserto de concreto do lado turco da fronteira, com o shopping center quase vazio logo ali. Hasteadas, a bandeira turca em vermelho à direita, a azul da União Europeia à esquerda, e junto dessa a da Bulgária, em listras horizontais de verde, vermelho e branco.
Rua em Plovdiv. Jeito do Brasil? Na placa a escrita búlgara, que usa o alfabeto cirílico (o mesmo do russo).
Banquinha de frutas na calçada.
Fim de tarde em Plovdiv.

Basicamente não havia Plano B caso Romina não aparecesse. Mas tínhamos contato por celular, e após uns 20 minutos de espera ela deu as caras, com Buágo (o namorado) e Nadia, uma amiga. Eu não estava lá com muita fome, mas fomos comer. A culinária búlgara, eu logo descobriria, é uma culinária de caminhoneiro. Fígado de porco, coração de boi, língua, tripa, sopa de estômago... Haja estômago. Me falaram que eu deveria experimentar tarator, uma sopa fria com iogurte e pepino. Foi a minha felicidade: "Pronto. Vou ficar só com a sopinha mesmo. Não estou com muita fome". "Mas a sopa é pra beber", me retrucaram. "E pra comer?".

A sopa veio naquelas canecas de vidro grosso, de cerveja. Não é terrível, mas, bem, é meio litro de coalhada com sal e pedaços de pepino dentro. Os últimos goles foram literalmente de arrepiar. Já imaginando o que podia ser, pedi um suco de laranja pra rebater. O pessoal ainda pediu churrasco no espeto com cebola, limão e tomate, e eu achei um risoto de ervilha na manteiga, que não estava mau.
Nós tomando sopa de iogurte na caneca de cerveja.
Churrasquinho com cebola, limão e tomate pro pessoal. Minha caneca de sopa terminada. Pauleira.

Mas o lugar era agradável. Tocava músicas americanas dos anos 80 e, por algum motivo, acho que metade de todo o repertório foram músicas de Michael Jackson.

Fora dali já escurecia, mas ainda fomos dar uma andada pelo centro histórico de Plovdiv, muito bonitinho. Ali você deixa as ruas com ar de Brasil e os prédios com ares velhos e comunistas, e passa a uma época histórica da Bulgária dos séculos XVIII e XIX, época do ressurgimento da cultural nacional búlgara, que passou cerca de 500 anos sob domínio do Império Turco Otomano. (Você imagina aí o que são 500 anos de dominação estrangeira? Acho que qualquer sonho de independência passa a ser encarado como utopia. Que bom que alguns acreditaram).
Ruelas no centro histórico de Plovdiv.
Muretas e torres antigas no centro histórico de Plovdiv.
Vista da parte antiga da cidade.
Plovdiv, na verdade, é a cidade mais antiga sendo continuamente habitada de toda a Europa. São de 6000 AC os primeiros vestígios daqui, da antiga Trácia. Em 342 AC foi conquistada por Filipe II da Macedônia (pai de Alexandre), que a nomeou Philippopolis. Os trácios a reconquistaram e adaptadam o nome para Pulpudeva, origem do nome atual. Em seguida ela se tornou uma colônia romana, que devido às colinas os romanos rebatizaram de Trimontium (se fosse em Minas Gerais seria "Trêsmontes", pra fazer companhia a Sete Lagoas e outras).

Por aqui passava a Via Militaris, a estrada romana de quase 1000km que ligava Singidunum (atual Belgrado, capital da Sérvia) a várias outras cidades dos Bálcãs até Bizâncio (que viria a se tornar Constantinopla e depois Istambul). Aqui nos anos 70 acharam durante uma escavação um anfiteatro romano que segue até bem preservado.
Ruínas de anfiteatro romano em Plovdiv.

Passado o período romano, os eslavos colonizaram a região e Plovdiv ficou trocando de mãos entre os búlgaros e os bizantinos, até a região ser conquistada pelos turcos em 1364. Somente em 1878, após mais de 500 anos, os turcos foram expulsos. Tenham em mente que durante esse meio milênio de dominação turco-otomana na região as pessoas não ficavam confinadas em fronteiras com base em sua etnia. Havia gregos, turcos e búlgaros por toda parte, e muitas vezes misturados. Hoje, se você fala com alguém da região, quase sempre há um "Ah, eu sou turca mas meu avô era búlgaro", ou "Minha família é turca mas vivia na Grécia", etc. Só durante as guerras de independência do século XIX é que houve uma migração geral, temendo represálias, e foi cada um pro canto onde estão hoje.

Mas chega de história pois já era de noite, e ainda tínhamos uma jornada de algumas horas pra fazer de carro até Sófia, a capital, onde meu albergue estava reservado.

Cheguei lá, já estava quieto o centro, onde eu ficaria. Num beco de uma praça, meu albergue, naquela porta marrom ali à esquerda, em frente ao sex shop. Era só o começo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário