sábado, 30 de julho de 2011

Ucrânia: Comidas e folia de 10 dias num hotel em Kiev


Kiev é uma cidade boa para eventos, vide a Eurocopa 2012 junto com outras cidades da Ucrânia e da Polônia. Mas turista que se cuide, pois aqui as lendas do leste europeu de passar turista pra trás se fazem verdade. Logo no primeiro dia, fui dar uma volta na praça, tirei foto com uma menina fantasiada e ela já veio me cobrar dinheiro. Outro rapaz, da República Tcheca, tomou o típico city-tour com o taxista, que cobrou três vezes o preço. Coisas que na Europa Ocidental não acontecem, ao menos não aqui no norte. Nesse sentido, o leste europeu é um pouco como o Brasil.

O rapaz do táxi era um dos vários participantes que vinham das várias partes da Europra pra o evento que eu estava ajudando a organizar. Fizemos uma semana de oficinas e debates sobre questões de justiça ecológica. Isso, é claro, regado com uma boa dose de folia ao fim de cada dia. Estávamos (umas 25 pessoas) num hotel nos arredores de Kiev, com comida e hospedagem garantidas. As senhoras da administração do hotel estavam se vendo loucas com a fuzarca.

A melhor noite do evento foi provavelmente a Noite Ucraniana, quando uma banda de música folclórica veio pra animar a folia. As danças tradicionais europeias são muito aquela coisa de vilarejo, de dança ao redor da fogueira, em grupo cantando, etc. Não é à toa que, no Brasil, talvez a dança mais similar seja o forró de quadrilha. São danças folclóricas e normalmente feitas com as roupas típicas.
Grupo tradicional de música folclórica ucraniana
Músico da banda em roupa tradicional
As letras (eles nos explicaram) são quase sempre uma história, e às vezes os cantores "conversam" uns com os outros cantando. Lembra um pouco a música celta e as canções dos hobbits em O Senhor dos Anéis. E, é claro, o que não faltam são brincadeiras a se fazer com as músicas, quase sempre envolvendo bebida (vodka) ou troca de parceiro de dança, essas coisas.
Esse aí à direita é o palestrante convidado e que ficou para tirar uma lasquinha. A menina no meio está esperando a música chegar num certo ponto pra poder tentar roubar o parceiro de alguém.
As cantoras fazendo a demonstração dos passos.
Esse aí sou eu abduzido como cobaia pra demonstração da música com o esfregão.

Um outro ponto alto da semana foi o desfile de moda vestindo lixo no centro de Kiev. A ideia foi manisfestar-se contra o consumismo e a geração exagerada de lixo urbano. Uma forma divertida de sensibilização. Catamos um bocado de bagulhos, desde garrafa pet até sacola plástica, e decoramos alguns voluntários a modelo.
Voluntários vestidos para o desfile.
Fomos pra a parte mais movimentada da cidade, à Praça da Vitória, no centro de Kiev.
Nossa amiga explicando à polícia.
A parte pífia da semana ficou por conta da comida. Os vegetarianos basicamente comeram a semana inteira cogumelo com batatas amassadas e às vezes arroz. O café da manhã era cada amarra-estômago de dar arrepios. Às vezes salsichão, ovo fervido e pão. Ou salada de repolho cozido com ameixas secas no vinagre. Ou um caviar que, apesar da reputação, parecia que você estava comendo pão molhado na água do mar. Nessa região da Europa se come muita batata, carne cozida, cogumelo e repolho, além de algumas sopas frias com creme de leite dentro. Não varia muito disso, e depois de uma semana você começa a imaginar como é que se pode viver anos nessa falta de criatividade culinária.
O infame caviar. Não se deixe enganar pela aparência. Cada mordida é como tomar um gole de água do mar.
Esses pasteiszinhos de massa (vareniky) são fervidos, super típicos na Ucrânia. Isso aí por cima é banha de porco. O recheio pode ser batata, repolho,  etc. A versão doce é gostosa, com cerejas, e troca-se a banha por creme de leite.

Ao final de evento, ainda aproveitamos pra visitar um pouco mais a cidade e vimos um dos pontos principais de Kiev, o monastério ortodoxo de Lavra (nada a ver com a cidade mineira). 

Pra quem ainda está confuso ou não sabe muito sobre o Cristianismo Ortodoxo, deixe-me esclarecer. Antes de haver a divisão entre Católicos e Protestantes (nos idos de 1500), houve uma cisão anterior entre a Igreja de Roma e a Igreja de Constantinopla, depois que o Império Romano se dividiu. Chama-se O Grande Cisma do Oriente. Por tradição não havia Papas, o líder da igreja era o próprio imperador romano - tradição iniciada por Constantino no século IV. Com a queda de Roma e a transferência do trono imperial para Constantinopla, o poder religioso se dividiu. Diz a História que em 1054 um contingente de bispos e cardeais romanos foi a Constantinopla solicitar que reconhecessem Roma como a igreja principal, mas a reunião acabou em excomungação mútua e as tradições se dividiram. De um lado, Constantinopla e a Igreja Católica Apostólica Ortodoxa (nome oficial); do outro, a Igreja Católica Apostólica Romana. 

As diferenças estão presentes em todos os campos, desde o linguístico (grego de um lado, latim do outro) até o arquitetônico e o teológico. Os detalhes todos são muitos pra colocar aqui (e eu não os conheço tão a fundo), mas sei que, por exemplo, os padres ortodoxos precisam estar casados antes de se ordenar, pois eles argumentam que você não pode servir de guia às famílias se você próprio não sabe o que é gerir uma família. Outras curiosidades são que na tradição ortodoxa não há hóstias, o sacerdote serve pão com vinho mesmo, e cada um come/bebe um pouco. Nas igrejas ortodoxas normalmente também não há bancos, todo mundo assiste à missa em pé. E as mulheres tradicionalmente cobrem a cabça com um lencinho ou véu quando entram. E por aí vai. Institucionalmente, como Constantinopla foi conquistada pelos turcos em 1453, rebatizada de Istambul e agora é de maioria muçulmana, o centro da Igreja Ortodoxa se dividiu, então cada país tem seu patriarcado (Rússia, Ucrânia, Grécia, etc.). Pra quem quiser saber mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Ortodoxa

Por ora, deixo vocês com as fotos do restante do que eu vi em Kiev.

No monastério de Lavra, em Kiev.
Área do Monastério de Lavra, Kiev.
E próxima parada: Romênia, pra visitar a Transilvânia e mais. O transporte? Jatinho da Embraer.

Companhia ucraniana, mas jatinho fabricado no Brasil. 

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Ucrânia: Umas voltas em Kiev

Igreja de São Miguel Arcanjo, em Kiev.

Eram 4:30 da manhã quando eu entrei em território ucraniano. Dali até a capital Kiev ainda seriam mais algumas horas no trem. A Ucrânia é grande! É mais um pedaço da ex-União Soviética que ganhou independência em 1991. De lá pra cá, anda flertando com a democracia. Não é como o regime opressivo da Bielorrússia, mas ainda tem aquele cheiro de máfia russa, muamba, e democracia com pintas de corrupção. Tal como a Bielorrússia, não faz parte da União Europeia. E o que eu fui fazer lá?

Meu papel foi ajudar na organização de um evento sobre justiça ecológica para jovens de diferentes partes da Europa. Foram 10 dias de atividades em grupo, apresentações, debates etc. De quebra, é claro, atividades sociais e passeios pela cidade. Tudo começou quando cheguei com o restante do grupo organizador no albergue onde ficaríamos nos primeiros dias. Não demorou pra descobrir que, com exceção de uma moça simpática, toda a equipe do albergue era gay. Igor, o gerente, trazia um "amigo" por noite.  

Aproveitamos para comer na rua, ver a cidade e o povo, quando não estávamos nos preparativos pra o evento. As(os) ucranianas(os) são como as(os) russas(os), o mesmo biotipo de pele e olhos claros e cabelo que vai do louro ao preto. Em geral são bonitas, mas às vezes meio plásticas quando se arrumam demais (ver abaixo). Aqui é hábito estar sempre de salto alto, até as garçonetes e oficiais de alfândega. Normalmente são muito conscientes da aparência, como no Brasil (e diferentemente de certas outras partes da Europa...).
Apresentadora de TV ucraniana, numa espécie de MTV. Se você acha que as apresentadoras brasileiras são ousadas no vestir...
Outra paixão dessa região é, é claro, a vodka. As seções de álcool são enormes nos supermercados, e há também amplas seções de cigarros  que aqui são bem baratos (e frequentemente contrabandeados para a Europa ocidental). Pedimos pizza uma noite dessas no albergue, e avisaram que de brinde viriam duas garrafas de vinho (?). Saquem só o naipe...
Pizza, sushi, e as duas "garrafas de vinho" que vieram. Ninguém aguentou beber. Nem experimentei, mas disseram que parecia álcool de farmácia.
Na noite seguinte decidimos sair pra comer fora. Perceba como na arrumação da mesa já tem até o copinho da dose de vodka. Às vezes aqui as pessoas tomam vodka com a refeição, como se fosse vinho ou suco (e terminam a garrafa!).
A comida também não é nada especial. Legumes fervidos, batata amassada, peixe cozido no sal... e quase tudo com um creme azedo que eles aqui adoram (creme de leite com gosto de coalhada). Pelo menos não teve sopa de capim de novo. 

Mas pra não fazer uma imagem ruim demais da Ucrânia, preciso dizer que a capital, Kiev, tem áreas bem bonitas. No último dia antes de começar o evento que estávamos organizando, saímos para conhecer um programa de voluntarismo da ONU operando na Ucrânia. O responsável é um italiano, Giovanni Mozzarelli (hehe). Além disso fomos a um evento de arte. 

A infra-estrutura da cidade é parecida à de cidades brasileiras, inclusive com algumas calçadas quebradas, buracos nas ruas e talz. Mas as estações de metrô são uma atração à parte. Pelos túneis há vendedores de todos os tipos - parece um ponto de ônibus ou estação rodoviária, só que subterrâneo. E quando eu digo subterrâneo, leve a sério: as estações de metrô de Kiev foram construídas no começo da Guerra Fria (nos anos 50 e 60) e preparadas pra servirem também como abrigo anti-bomba. Algumas delas estão a mais de 100m de profundidade, e você leva minutos e minutos na escala rolante. Não é para os claustrofóbicos.
As estações de metrô de Kiev foram quase todas construídas na Era Soviética e mantêm a ornamentação comunista.
Numa das profundas estações de metrô de Kiev.
Um looongo caminho...
Duma estação dessas seguimos do escritório do Mozzarelli até a exibição de pinturas daqueles adolescentes bielorrussos que conheci e que mencionei no post passado. Fizeram um super evento para a exibição, com políticos, cantores, coquetel e tudo. Até foto com ex-presidente ucraniano eu tirei (a vir, pois não foi com a minha câmera). Mas o fulano é esse daí de baixo, Leonid Danylovych. Pela cara, já não dá pra dizer que é político? hehe.
Fui na cara de pau no final das apresentações e posei pra foto com ele e mais políticos. Depois quando conseguir a foto eu mostro.
Exibição de arte de crianças e jovens na Ucrânia, com direito a políticos e cantores.
... e é claro, o coquetel.
Por fim, eu falei que mostraria partes bonitas de Kiev, então lá vai. No próximo post eu falo de como o evento transcorreu, de como eu me meti em dança ucraniana e até num desfile de "moda" feito com lixo no centro de Kiev.
Centro de Kiev.
No monumento na Praça da Vitória, referente à vitória na Segunda Guerra Mundial (que nessa em russo é chamada de  "A Grande Guerra Patriótica")
Outro monumento na Praça da Vitória, segundo o mito de que esses quatro irmãos da estátua fundaram a cidade, ainda no primeiro milênio depois de Cristo. Não parece um grupo de personagens de RPG?
Arquitetura "monumentalista" típica da Rússia e dessa região. Basicamente, é a ideia de construir prédios públicos que se assemelhem a monumentos clássicos.
Em frente à Igreja de Santa Sofia, ortodoxa (mais sobre o Cristianismo Ortodoxo no próximo post)
Prédio ministerial.

Igreja de São Miguel Arcanjo, também ortodoxa.

Igreja de São Miguel Arcanjo, Kiev. As cúpulas de ouro, típicas das igrejas ortodoxas, simbolizam chamas de velas.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

De Minsk ao interior da Bielorrússia

Me instalei na rua Karl Marx, perto da Praça da Vitória e não muito distante da Praça de Lênin. Tudo na Bielorrússia remonta ao comunismo, ou à Revolução Russa de 1917, ou à vitória contra os nazistas na 2a Guerra Mundial. O que mais tem em Minsk são monumentos e memoriais de guerra.

Ficamos eu e uma amiga num flat arranjado por uma colega, esperando o resto do grupo que só chegaria uns dias depois. Na Bielorrússia não há albergue nem pousadinha, só hotel caro pra quando vem delegação chinesa ou de algum outro país comunista, ou turista rico. Então o jeito é alugar flat e pagar por diária, meio que por debaixo do pano. Já na primeira manhã, depois da minha primeira dormida lá, a colega me mandou um SMS: "Os caras estão querendo saber quando é que você vai estar em casa pra eles irem aí pegar o pagamento".

A idéia de que (bielo)russos vêm na sua porta cobrar dinheiro não é muito confortável. Eu respondi o SMS, não deu 10 minutos e um careca branco de olho azul já estava na minha porta. Aí você abre a porta com aquela cara séria de "não sou maria-mole mas também não quero encrenca com você" (lembre-se, nada de sorrisos demais aqui). Não vou mentir: o cara foi até gente boa, embora  como todos os outros  continue falando russo mesmo quando está óbvio que você não entende nada.

Depois de rodar por Minsk, alugamos um carro pra conhecer o interior do país e visitar alguns grupos fazendo trabalhos de conscientização ambiental  que aqui é bem precária. O cara que nos alugou o carro era outro careca de olho azul, que nos fez um comentário muito traquilizador: "As chances são altas de ser parado pela polícia rodoviária", disse ele. "E aqui eles quase sempre querem suborno", completou um colega nosso bielorrusso. Maravilha.

Tivemos sorte e a polícia não nos parou. Pelo caminho vimos plantações de trigo, lagos e florestas, e visitamos dois "acampamentos de verão" ambientais, um pra jovens e outro pra crianças e adolescentes. No primeiro conhecemos os jovens fazendo o trabalho ambiental e ficamos pra almoçar. No menu: sopa de grama (não estou brincando), arroz cozido no leite, e peixe.
Casa modesta numa pequena cidade do interior. Na frente um menino brincava com o cachorro e um senhor boa-praça, o dono da casa, nos servia chá preto.
Lago junto do acampamento que visitamos.
O grupo da nossa primeira visita.
Na beira da estrada. Plantações de canola.
No dia seguinte visitamos as crianças e adolescentes, que - é claro - estavam fascinados com a visita de estrangeiros. Lugar bem legal, onde trabalham diferentes formas de expressão artística misturada com meio ambiente (música, pintura, etc.). Como dança também é arte, acabei sambando. Não literalmente. Numa bela tarde de quarta-feira, lá estava Mairon dançando dança folclórica bielorrussa com a meninada de 13 anos. Suei, me atrapalhei nos passos, mas me diverti pra valer.
Foto com parte da meninada do segundo "acampamento ambiental" que visitamos. Os que parecem mais velhos que 13 ou 14 anos são partes do meu grupo. Não tem fotos de mim dançando porque a câmera estava no meu bolso, ora pois :D (mas outras pessoas tiraram fotos da ocasião, então talvez depois role)
Ateliê de arte ligada ao meio ambiente.
Por fim, preciso dizer que, em Minsk, toda quarta-feira há manifestação contra o atual regime bielorrusso. As pessoas simplesmente se aglomeram numa das praças principais, e fazem silêncio. Sim, porque se protestar abertamente vai preso. Na semana anterior haviam algemado até um diplomata sueco que estava no bolo, e depois soltaram. O regime não manda gente pra a Sibéria, mas continua com aquele sabor de opressão dos tempos de União Soviética. Por exemplo, há uma nova lei na Bielorrússia: é proibido fazer compras em horário de trabalho. Se a polícia te pegar em alguma loja durante o expediente, tá despedido. Certa vez trancaram todas as portas de um shopping center durante o horário de trabalho (sim, na Bielorrússia tem shopping, apesar de tudo) pra que ninguém escapasse, e a polícia foi checando um por um, e todo mundo que devia estar no trabalho perdeu o emprego. Só quem pode é aposentado ou quem estiver de licença. Surreal, não?

Bom, eu, é óbvio, não fui à manifestação das quartas-feiras. Visitei mais algumas coisas, mas não demorei a me mandar à Ucrânia, que é mais leve. Trem noturno, com checagem de passaporte (aduana) às 2:30 da manhã. Uma delícia. O trem até razoável; pra quem já andou na Índia e dormiu no chão em trem da Indonésia, esse foi fichinha. A chatice é só ficar duas horas acordado de madrugada pra a checagem de seus papéis na saída da Bielorrúsia e depois na entrada da Ucrânia. Mas, bem, graças a Deus tudo correu bem, e entrei na Ucrânia com sucesso. Histórias a vir desses dias passados em Kiev, a capital.
Laranja madura na beira da estrada pode ser marimbondo no pé, mas framboesa e mirtilho na beira da estrada são outra coisa. Nessa região do leste europeu você sempre acha tias e vovós vendendo frutas e bordados na beira da pista ou em estações de metrô pra ganhar um trocado. Normalmente os maridos ou já faleceram devido ao abuso de vodca e cigarro, ou não ganham o suficiente.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Na última ditadura da Europa: a Bielorrússia

Veja uma versão de melhor visualização deste post no novo site, em: 

Rumo à Bielorrússia, a última ditadura da Europa

Acho que poucas pessoas no Brasil sabem que esse país existe. A Bielorrússia (ou Belarus) fica entre a Polônia e a Rússia, no leste europeu (mapa abaixo), e é considerada  a última ditadura da Europa. Aqui é como se a União Soviética nunca tivesse acabado: o país é comunista e autocrático; a KGB (serviço secreto soviético) ainda funciona; e nas praças ainda se vê estrelas soviéticas daquelas com a foice e o martelo, igual nos tempos de Stálin.

Mas deixa eu primeiro explicar eu me meti nessa.

Desde o começo do ano estou me voluntariando numa campanha de justiça ambiental de uma ONG européia. Como essas coisas são novidade nesta parte da Europa, resolvemos vir pra cá pra conhecer. De quebra, é verão, e resolvi juntar o útil ao agradável e curtir um pouco de férias por aqui. Serão 4 semanas nesta viagem: Bielorrússia, Ucrânia, Romênia e Estônia.

As trapalhadas começaram antes mesmo de eu chegar. A Bielorrússia não é parte da União Europeia, e pra pedir o visto bielorrusso é necessário carta-convite de alguém de dentro do país, com informações detalhadas do anfitrião. Minha anfitriã foi uma amiga de uma amiga e que atende pelo apelido de "big bitch" (não estou brincando) e que faz o favor de ter esse nome no e-mail. Agora imaginem a minha cara chegando na embaixada com esse e-mail no formulário. Sorriso amarelo? Nem pensar. Não com esses soviéticos. Pelo que entendi e ouvi falar, nessa cultura da Rússia e países vizinhos você chegar já sorridente é sinal de falsidade. Na Indonésia um sorriso lhe abre portas; aqui ele pode lhe bater a porta na cara. Os (bielo)russos são sérios com estranhos, e normalmente esperam o mesmo de você. (Na verdade, esse povo lhe olha com uma cara de desconfiado e de poucos amigos - às vezes como se estivessem p#tos com a sua cara só de você estar olhando).

Mas no fim das contas, tirei o visto sem problemas e não houve comentários sobre "big bitch". Chegara a hora de voar. Agora eu lhes pergunto: sabem como desembarcar três vezes no mesmo dia, no mesmo aeroporto, sem nunca ter voado? Eu sei. Perdi o voo. Circulei pelo aeroporto de Amsterdã feito bola de ping-pong tentando descobrir outra forma de chegar a Minsk, a capital. (O pessoal no portão de desembarque devia estar achando que estava doido tendo repetidos déjà-vu). Mas ao contrário de Roma, nenhum dos caminhos levava a Minsk. Só restava um jeito: ir de trem.

32 horas de trilho separavam Amsterdã de Minsk, atravessando a Holanda, a Alemanha e a Polônia. Um pouco mais demorado que o previsto, mas me levaria até lá. Sentei junto com um holandês que estava indo a Moscou e um inglês que estava indo até Pequim de trem (!). O holandês teve de saltar fora em Varsóvia (na Polônia) porque não se ligou que o trem atravessava a Bielorrússia e até pra atravessar você precisa de visto. Ficamos eu e o inglês, e começamos a passar tempo com Danili, um menino bielorrusso no trem (a mãe era um charme só).
Com pequeno bielorrusso no trem de Amsterdã a Minsk.
O trem não era tão esculhambado quanto os da Índia e da Indonésia, mas parecia saído direto da Guerra Fria. Era razoavelmente confortável  - para os padrões dos anos 70. O mal era só que fumar era permitido, como nos tempos de outrora. E, colega, russo fuma e bebe. Se você acha que bebe bastante ou que conhece alguém que é beberrão, seus padrões vão mudar na hora que você ver um russo bebendo. Os próprios condutores já tinham aquela cara de que estão permanentemente sob vodka, com aquele olho de peixe morto igual do Zeca Pagodinho.

Apesar de demorado e cansativo, o trem me levou até o país aonde eu queria chegar. O negócio é que ele parou logo depois da fronteira, na cidade de Brest, e eu precisei trocar de trem. Cadê agora saber onde que achava passagem e qual era o trem certo?
Entardecer em Brest, cidade bielorrussa na fronteira com a Polônia. Meu caminho até Minsk.
A sinalização é toda em russo, que usa o alfabeto cirílico em vez do latino. E aí, dá pra entender aonde você tem que ir?
E (bielo)russo dificilmente fala inglês. Na Indonésia falavam mais inglês do que aqui. Aqui ou você fala russo ou fala russo (ou arrisca bielorrusso, que é parecido mas mais exótico ainda). Agora me imaginem nessa estação aí catando saber onde é que se achava passagem pra Minsk, e sem dinheiro local. Aqui é o rublo bielorrusso, e graças a Deus dava pra sacar no caixa automático (nessa parte eles viraram capitalistas, hehe!). No fim das contas - e depois de a mulher do guichê ter ficado p#ta com a minha cara porque eu não entendia o que ela falava - eu consegui as passagens pra Minsk. O engraçado é que aqui eles continuam falando em russo com você mesmo que você não entenda.

Cheguei a Minsk às 3h da manhã. Deu ainda pra pegar a lua no céu, e uma amiga foi me buscar (não, não foi a big bitch, essa eu acabei não conhecendo em pessoa).
Madrugada em Minsk, capital da Bielorrússia, em frente à saída principal da estação de trem.

A cidade é um charme, e muito mais atraente do que eu imaginava. Imaginei um lugar decadente, feio, acabado. Mas que nada, os prédios principais são super conservados (melhores que na Polônia, Eslováquia e outros locais que visitei), e as ruas são bem largas e boas. Pra quem quer ver com os próprios olhos, confira as fotos abaixo.
Vista da minha janela.
Praça da Independência (da União Soviética quando esta se partiu em 1991)
Praça da Independência, Minsk
Decorações em Minsk com a bandeira rubro-verde da Bielorrússia
Centro de Minsk.
Se não me engano, a Praça da Vitória, referente à vitória Soviética frente à Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
E falando em soviético, o símbolo aqui se conserva firme e forte. Estação de metrô "Praça de Lênin". Cada estação de Minsk tem uma decoração diferente.
Como eu disse, me surpreendeu. E é interessante ver como o país não é nenhuma potência econômica (muito pelo contrário) mas as coisas são relativamente bem arrumadas. Claro, há bastante prédio residencial sem sal, feio. E aqui o dia-dia também funciona de maneira um tanto diferente. Por exemplo, praticamente não há supermercados; há mercadinhos e mercearias daquele tipo em que você aponta os produtos na prateleira e o vendedor detrás do balcão pega pra você. Dificilmente há produtos de marca ocidental (coca-cola é uma das poucas exceções), e não se acha muita coisa nas prateleiras. Produtos locais (pão, batata...) são baratos; o que vem de fora (normalmente de outros países comunistas como Vietnã e Cuba) é caro.

Por ora eu acho que já dá uma idéia da Bielorrússia. No próximo post eu conto como me instalei por aqui e a viagem de carro que fiz ao interior do país: De Minsk ao interior da Bielorrússia.