sexta-feira, 25 de julho de 2014

Casablanca


Casablanca é a maior, mais rica, mais feia, mais suja e mais esculhambada cidade do Marrocos. Perdão, amigos marroquinos, mas vocês sabem que é verdade. A sensação é a de uma cidade onde os prédios pararam no tempo  ou melhor, continuaram decaindo. A estrutura parece ser toda de antes dos anos 1950 (portanto, da época do filme Casablanca, de 1942, embora ele não tenha sido rodado aqui). Só que imagine os efeitos do tempo, o crescimento populacional, as ondas de imigrantes pobres de outras partes do Marrocos e da África sub-Saariana em busca de trabalho, e você vai ter uma ideia do que Casablanca é hoje, esta cidade de 3 milhões de habitantes. Ah, já ia me esquecendo de dizer: Casablanca não é lá muito segura.

"E o que raios você foi fazer aí?", talvez seja a pergunta. Bom, primeiro eu queria conhecer a cidade em primeira mão. Segundo, apesar dos pesares, ela tem um dos monumentos mais impressionantes que eu já vi na minha vida.

Chegamos de trem, na estação malacabada que não foge à regra do que eu disse acima. (Foi a estação de trem mais feia que eu vi em todo o Marrocos). Os relógios, como você pode ver, marcam dois horários diferentes  ambos errados.
Taxista em frente à estação de trem Casa Voyageurs, em Casablanca.

Sabendo da má reputação de Casablanca, tratei de reservar um hotel que fosse perto da estação, pra facilitar a chegada e a saída com bagagem. E, de fato, bastava atravessar a praça e estávamos lá: um hotelzinho 3 estrelas que não era mau, mas sem personalidade. Muito diferente dos riads tradicionais de Fès ou Rabat. Aqui era aquela coisa convencional, com frigobar, televisão... e qual não foi a minha surpresa ao ver que o primeiro canal sintonizado estava passando O Clone.

Foi nostálgico assistir àquelas conversas de Albieri e Tio Ali  novamente — ainda que dubladas em francês. (Fiquei a me perguntar o que os marroquinos devem pensar. Imagine como seria se víssemos atores marroquinos passando-se por brasileiros, e a gente assistisse a isso dublado no Brasil).
O Clone, passando na TV do quarto do hotel. Cenas nostálgicas das discussões entre o Tio Ali e Albieri sobre Allah, clonagem, e a vida.

Bem, ao contrário do que os relógios da estação marcavam, era começo de tarde, e ainda não havíamos almoçado. Procuramos alguma biboca ali na praça mesmo, antes de seguir ao centro para ver o que há. 

O entorno não era nada aconchegante; parecia os arredores de alguma rodoviária no Brasil. Mesmo assim, achamos algo, um bar/restaurante que ainda estava aberto e que nos serviu sopa com ovo. Quebrava o galho, para o momento. 
A praça da estação, vista da janela do quarto do hotel. Vista assim é até bonitinha, embora o ambiente embaixo não seja dos mais convidativos.
Sopa típica marroquina, a harira, com ovo dentro para dar sustança. Pra quem ficou curioso, essa sopa você encontra na maioria dos restaurantes pelo Marrocos. Já ouvi dizer que, aqui, "saber fazer uma harira" é tipo a prova básica de que uma moça sabe cozinhar. Leva um bocado de ingredientes, de tomate a grão-de-bico.

Bucho cheio, tomamos o bonde para o centro. Casablanca, apesar de decaída, tem um moderno sistema de bondes elétricos que deixa o transporte público de qualquer metrópole brasileira no chinelo. Começou em 2012, e estão ampliando. É um pequeno  mas importante  toque de século XXI numa cidade que parece ter ficado congelada no tempo colonial.

Chegando ao centro, você encontra todos aqueles prédios coloniais franceses de antes da independência (1956). Art-déco é o nome que se dá pra aquela arquitetura de varandas ornamentadas, e formas geométricas ousadas (para a época), como na foto do antigo Cinema Rialto acima. (Esse cinema, a propósito, ainda funciona, e parece que parou no tempo. Não cheguei a assistir filme nele, mas o hall parece dos anos 50). O grande porém é o estado acabado de tudo. Só uma coisa não lhe desapontará: a cidade é branca mesmo  ainda que aquele branco sujo, precisando de uma limpeza.

Antes de mostrar algumas fotos, deixem-me só dizer que você se surpreenderá em saber que a origem do nome da cidade vem do português, e não do espanhol. Já por séculos havia aqui uma cidade medieval chamada Anfa, que com o tempo se tornou reduto de piratas. Os portugueses, que nos idos de 1400 começaram a fazer entrepostos comerciais por aqui, acabaram por atacar e destruir a cidade em 1468, e em 1515 construíram aí uma fortaleza, apelidada de Casa Branca. Séculos depois, com os espanhóis colonizando a parte norte do Marrocos — onde, por sinal, eles ainda mantem as cidades de Ceuta e Melilla, em solo africano, como oficialmente parte da Espanha  é que o nome Casablanca se tornou mais comum. 

Os marroquinos hoje em dia, entretanto, se referem à cidade mais pelo apelido de "Casa", com a pronúncia próxima à portuguesa [Caza].
Prédios do início do século XX no centro de Casablanca.
Os antigos prédios coloniais, hoje sujos e precisando de cuidados.
O contraste são os bondes elétricos modernos.

Casablanca tem uma medina, mas minúscula e pouco atrativa. Quase não há artesanatos; só produtos da China. Enquanto que em Marrakech, Fès ou Rabat as medinas guardam um ar um pouco bucólico, de uma vida mais simples em estruturas antigas, aqui ela parece simplesmente uma parte mais apertada de o que é o centrão da cidade — que por sua vez lembra aqueles bairros de periferia das metrópoles brasileiras. Só que eu pessoalmente achei ela mais suja que qualquer cidade brasileira aonde eu já tenha ido. Na verdade, eu nunca tinha visto tanta sujeita  exceto na Índia.
Medina de Casablanca.
Ruas no centrão.
Umas ruas que pareciam entrada de favela.
Os lugares por onde se andam no centro são assim.
... e assim.

Ok, eu não estava transitando nessas ruas por masoquismo e nem por pura curiosidade. Pelo contrário, você sente no ar um clima tenso, desagradável. Só que esse acontecia de ser o caminho para o maior monumento da cidade, a Mesquita Hassan II, e que faz vale a sua visita (rápida) a Casablanca. 

A Mesquita Hassan II é a maior mesquita da África e a mais alta de todo o mundo. Seu minarete tem 210 metros, de onde à noite um laser verde sai em direção a Mecca. Há alguns jardins, uma imensa área aberta, e diversas fontes ornamentadas do lado de fora. Dentro, há espaço para 25 mil pessoas, que têm dali uma vista para o mar — a mesquita fica à beira do Oceano Atlântico, quase sobre a água.

Ela foi inaugurada em 1993, e leva o nome do rei da época, o pai do atual. (Hassan II foi rei entre 1961 e 1999, quando deu lugar a Mohammed VI). O custo foi de cerca de 1.7 bilhão de reais (pouco mais do que a reforma do Maracanã pra a copa). Há muito a ser dito sobre um investimento desses num país como o Marrocos, mas que a mesquita é estupenda, não resta dúvida.
A Mesquita Hassan II vista ainda de longe.
Mesquita Hassan II. Perceba a miudeza das pessoas embaixo.
Fontes no pátio externo.
Mais fontes.
Imensos corredores em mármore branco e verde.
E as pessoas caminhando para a oração da sexta-feira (o dia de orar com a comunidade, como é o domingo para os cristãos)

Quem é muçulmano entra sem custo, mas quem não for só pode visitar nos horários fixos de visita, com um tour disponível em várias línguas. O ingresso custa coisa de seus 30 reais  é caro, mas eu não vim até aqui pra agora não entrar. (E caso alguém esteja se perguntando se eu não podia me passar por muçulmano, no meu caso é possível que sim, embora eu não saiba nada de árabe e nem de como eles rezam. E, se descobrissem, eu não acho que eles achariam engraçado).

Como era sexta-feira, as orações se estendem por mais tempo, pois é o dia de congregação com a comunidade. Então tomamos um belo chá de espera enquanto assistíamos a centenas de pessoas que iam gradualmente enchendo a mesquita. Não parava de vir gente; uma quantidade imensa, sobretudo se você estiver habituado à quantidade pequena de pessoas na maior parte das igrejas no ocidente hoje em dia. 

Se você quiser ter uma palhinha de 1 minuto da chegada de pessoas ao som do muezim, veja abaixo o vídeo que gravei.

Como era preciso esperar, matamos um pouquinho de tempo num bar não muito distante da mesquita. Como já comentei antes, os bares aqui no Marrocos normalmente não servem álcool, mas sim chá e café, este servido num copinho de vidro parecendo pinga. Acho que a minha mãe, sentada à minha mesa, era a única mulher no bar inteiro. Ficamos enrolando com uns copinhos de café com leite e papo pro ar, até vermos a massa saindo da mesquita, e vimos que já era hora.

O tour dura cerca de 1 hora, e a guia nos levou pra ver as salas de ablusões (pois os muçulmanos precisam lavar bem os braços e pés antes de orar), os banhos termais no subsolo (separados por gênero), e o grande salão principal. É um imenso vão atapetado, com decorações mas sem bancos ou mobília, já que os muçulmanos rezam de joelhos. Homens e mulheres rezam separados (as mulheres num segundo andar nas laterais, e os homens no salão em si). Não me escapou à atenção quando a guia disse que a capacidade estimada de 25 mil pessoas eram para 20 mil homens e 5 mil mulheres. Mas isso corre por conta do patriarcalismo da sociedade árabe. Sem mais delongas, eis o interior.
Interior da Mesquita Hassan II.
O piso é todo decorado em mármores de várias cores, parte dele coberta por tapetes. Em mesquitas sempre se tiram os sapatos antes de entrar, pra não trazer as sujeiras da rua.
Um segundo andar lateral onde ficam as mulheres. Segundo a tradição, é para um gênero não tirar a atenção do outro.
Escadaria circular, com paredes ornamentadas com mármore.

A riqueza de detalhes é impressionante. É como o que era feito com as catedrais na Europa nos séculos passados (chamavam-se os melhores artistas, usavam-se os melhores materiais), só que atual. É curioso para nós do ocidente, onde não se investe mais tanto em mega-templos religiosos — à exceção das igrejas pentecostais, mas essas só têm tamanho e carecem de arte.

Como eu disse, uma das edificações mais impressionantes que eu já vi na minha vida.

Quando saímos de lá já era de tardinha, e estávamos com fome. Voltar ao centro de Casablanca não era uma opção muito atraente, até mesmo porque ele é pouco recomendado à noite (por questões de segurança, como o centro de qualquer metrópole brasileira). Sendo assim, pegamos um táxi. O que você talvez não saiba é que aqui o táxi que você pega não é só seu. Ele pode pegar outras pessoas no caminho, se houver espaço no carro, e o taxímetro calcula até três corridas simultâneas. Se você não estiver preparado, é capaz de achar que está sendo sequestrado, hehe. 

Nosso destino foi o shopping da cidade, o Morocco Mall. É bonito e grande, mas no dia me pareceu um tanto vazio, especialmente para um final de sexta-feira. Pra variar um pouquinho o paladar, comemos comida tailandesa, e olhamos algumas lojas antes de ir.
Grande aquário no meio do Morocco Mall.
Tomando sorvete no fim de tarde.

Depender de táxi de novo para voltar ao hotel é que foi o chato. Não tanto pelo custo, que aqui não é alto, mas por ter que aguentar taxista tentando lhe fazer de idiota. Quando veem que você não fala árabe, já lhe tomam por turista otário e tudo sobre de preço. (Pelo que uma amiga de Marrakech me falou, marroquinos de outras cidades também sofrem isso, como ocorre conosco no Brasil quando pegamos táxi em cidade desconhecida). 

O primeiro taxista queria ir sem taxímetro, num preço fixo que eu achei exagerado. O segundo ligou o taxímetro, mas acabou sendo pior. Deu uma volta enorme na cidade, e ainda veio com aquela conversa: "Tem colegas meus que são trapaceiros. Gostam de jogar o preço lá em cima, sem saber que, se você quisesse, podia parar em qualquer policial e ele perderia a licença, porque é ilegal. O negócio é usar taxímetro: o valor que der, tem que pagar". Vocês já podem imaginar a minha cara. De quebra, ele ainda queria me passar a perna na Bandeira 2, que como já passava das 8 da noite estava ligada. "Olha aqui", apontou ele pro relógio no visor no carro marcando 20:03. "Depois das 8 da noite são 50% a mais". E ficou explicando isso de diversas maneiras, como se eu fosse imbecil e já não tivesse pecebido que a Bandeira 2 estava ligada. Ele achou que eu ia pagar ainda 50% a mais, em cima do que estava marcando. Fiz questão de dar o dinheiro exato pra que não houvesse firula com o troco, e ele fez aquela cara de aparente normalidade  meia hora depois, no hotel.

Enfim, salvos. Era só mais esta noite em Casablanca, e amanhã já havia o trem final para Marrakech. Lá eu teria ainda uma noite antes de partir do Marrocos, este país que, depois de um mês e meio, já tinha virado a minha segunda casa. Mas era hora de me despedir. No próximo post, o encerramento desta estadia no Marrocos. 
Na estação de trens de Casablanca, aguardando o trem de volta para Marrakech. A estadia no Marrocos estava chegando ao fim.


sexta-feira, 18 de julho de 2014

Rabat, a autêntica capital do Marrocos

Veja uma versão de melhor visualização deste post no novo site, em:


Quem quiser conhecer o Marrocos de verdade, sem as distrações para turista, deve vir a Rabat. A capital é uma das poucas cidades de porte a oferecer o autêntico dia-dia marroquino, antigo e moderno. Se Marrakech e Fès têm hordas de europeus e demais estrangeiros, aqui eles são raros. Em Rabat você assiste "à vida como ela é" no Marrocos. 

A cidade é relativamente pequena e arrumadinha. Você passeia na maior tranquilidade. Mas nem por isso ela deixa de ter atrações interessantes: a imponente Torre Hassan, o Mausoléu de Mohammed V (avô do atual rei), as ruínas da necrópole romana de Chellah e a praia. Chequei todos, debaixo dum calor parecendo que eu estava no Piauí.

Chegamos de trem, minha mãe e eu. A estação de Rabat está bem acomodada no centro da cidade, à beira de uma larga avenida arborizada com palmeiras, e com bancos e prédios oficiais de um lado e do outro. Esqueça aquela visão das medinas de becos estreitos  ao menos por enquanto. Era começo de tarde, e a primeira missão era encontrar o nosso riad (pousadas tradicionais ao estilo árabe).

Rabat pode ser dividida em duas partes: a medina, murada, preservando as estruturas da cidade antiga, e a cidade moderna que cresceu ao redor, e que hoje em dia é bem maior. Nosso riad ficava dentro da medina, pra ter mais sabor. Na parte moderna, afora as palmeiras e as mulheres de véu, Rabat se parece muito com qualquer metrópole brasileira: vendedores de revista na calçada, lanchonetes movimentadas, pedintes, etc.
Avenida Mohammed V, no centro de Rabat.
Não parece o Brasil?
Lanchonetes e o movimento na rua. Guardadas algumas diferenças culturais, aqui as pessoas são muito parecidas com os brasileiros que a gente encontra nesses ambientes. São pessoas simples, sem a empáfia que muitas vezes se vê nas pessoas de países ricos (ou nos brasileiros e marroquinos de classe alta).

Desnecessário dizer que aqui as coisas são também bem mais baratas que nos centros turísticos de Fès ou Marrakech. Por uns 4 reais você toma um bom suco ou uma boa vitamina numa lanchonete dessas.

Já chegando à medina, atravessa-se o tempo. Não vou dizer que se retorna à Idade Média — a medina de Rabat não tem ares de Idade Média , mas sim aos anos de 1960 ou algo assim, com feiras livres, "a mercearia do seu fulaninho", vendinhas de balas e doces, etc. De quebra, você vê alguns meninos jogando arcade/fliperama do mesmo jeito que eu via há 20 anos atrás no Brasil.
Vendinha do Seu Fulaninho, que está ali atrás.
Becos da medina de Rabat. Vê se não parece aquelas fotos que você já viu dos seus pais ou avós quando eram pequenos. 
Caso você precise de uma forcinha pra comparar, já que as fotos daquela época costumam ser em preto e branco.
E a meninada jogando fliperama. Certamente algum bem antigo.

Bem, transeando por estas vias chegamos ao riad. Tratava-se de uma bela casa moura, com três andares e um vão no meio. Os quartos eram amplos e mais pareciam aposentos requintados de algum palácio nababesco. 
Vão central. Os aposentos ficavam nas laterais, e por uma escada você ia aos andares de cima.
Entrada palaciana para o meu quarto.

Tínhamos uma tarde e mais um dia inteiro em Rabat, e resolvemos começar pela tal Torre Hassan II. Ela fica junto ao Mausoléu de Mohammed V, então seriam dois em um. Mas que hora errada escolhemos fazer isso... bem às 3h da tarde, com aquele calor de verão do Brasil. Vixe. O sol nesse dia estava de queimar o juízo, daquele que — caso você nunca tenha sentido — faz você andar rente ao muro pra aproveitar qualquer bocadinho de sombra que ele ofereça. 

Tudo aqui é relativamente perto, e dá pra ser feito a pé. Como a torre é alta, dá pra se orientar por ela. A Torre Hassan começou a ser construída em 1195 para ser a maior do mundo, numa época em que a civilização árabe era talvez a mais avançada do mundo, com seus expoentes na matemática, filosofia, astronomia e outros campos. A torre, no entanto, nunca terminou de ser construída. O sultão marroquino da época morreu quatro anos depois, e a torre ficou apenas com 44m. (A meta, pelo que se conta, era que ela chegasse a 86m, uma altura notável para a época).  
Caminhando até a torre, aproveitando o pouquinho de sombra da grade. Se você estivesse lá também aproveitaria.

A torre hoje forma um complexo com o mausoléu onde o antigo rei marroquino Mohammed V está enterrado. A estrutura do mausoléu é toda em mármore branco, e é de encher os olhos. O mármore frio é também um relento no calorão. Lá ficam guardas paramentados e postados, dois a cavalo na entrada do complexo e outros no mausoléu em si. Você fica com pena daquelas pessoas cheias de roupas, até com luva, num calor daqueles.
Guardas a cavalo na entrada.
Vista da Torre Hassan mais de perto. Imagine esse solzinho como não estava gostoso.
Escadaria para o Mausoléu de Mohammed V. (Aquele cidadão ali de branco ficava o tempo todo se oferecendo pra ser guia. A cada foto tirada ele tentava entrar com uma explicação e ver se conseguia grudar na gente).
Mármore branco do mausoléu.
O belo interior, com o caixão de mármore lá embaixo e a porta para o paraíso.

Demoramos mais tempo pra chegar ao lugar do que visitando. Não há muito o que fazer lá: é "viu, achou bonito, tirou foto, pronto". Só que, claro, aproveitamos pra tomar uma brisa sentados no mármore frio e descansar. O que faltava era água. O caminho de volta, como sempre, é mais rápido, mas mesmo assim resolvemos tomar uma providência.

Avistamos um hotel 5 estrelas no caminho. Sabe, às vezes é útil se parecer com os nativos, mas às vezes não. Neste caso, não era. Estávamos prestes a entrar no hotel fingindo ser hóspedes, e nessa hora a lourice da minha mãe veio bem a calhar. Tentei também jogar uma linguagem corporal mais metida, de rico, ao contrário do andar desleixado que às vezes adoto nos centros de cidade (isso me foi ensinado anos atrás, por um indiano). Rumamos direto aos elevadores sem longos cumprimentos à recepção. Chegamos à cobertura, à piscina, e tomamos um refresco com vista para a cidade. (Se estivesse com calção de banho, era capaz de eu ter entrado na piscina).
Vista para Rabat da cobertura do hotel. Ali à direita se vê a desembocadura de um rio no mar, rio bastante seco. (O Marrocos tem sérios problemas hídricos).

Naquele dia simplesmente retornamos à medina, e aproveitamos pra fazer algumas compras a preços camaradas (o Marrocos é ótimo pra se comprar tecidos e tapetes, e as coisas em Rabat são baratas). Já no dia seguinte fomos às ruínas fenícias e romanas de Chellah, depois convertida em necrópole (um cemitério mais elaborado). Saímos pela manhã, pra evitar o pior do sol, mas ainda assim estava quente.

Cartagineses, fenícios e romanos tiveram povoados aqui na antiguidade. Este era um dos poucos entrepostos dos romanos no atlântico, na pronvíncia chamada de Mauretania Tingitana em latim. Era o extremo oeste do império. Fundaram aqui a cidade de Sala Colonia, cujos vestígios podem ainda ser vistos em meio aos mausoléus que os árabes viriam a construir séculos depois. Com o tempo, a área foi abandonada e transformada numa necrópole, uma cidade dos mortos. Hoje, ela é um tranquilo parque com árvores, pássaros e ninhos de cegonhas.
Entrada de Chellah. Essa muralha já é do tempo dos árabes, na Idade Média.
Interior das ruínas, com seus ninhos de cegonha no alto dos antigos minaretes. Há tumbas por toda parte.
Ruínas da época romana. Na pedra ainda é possível ler algo em latim.

Por fim, a praia. Do outro lado de Rabat, na desembocadura do rio, fica uma área chamada Kasbah dos Udayas, uma cidadela construída na mesma época em que Chellah foi abandonada e transformada em necrópole. Essa foi a ocasião da conquista desta região nos idos de 1100 pela dinastia árabe dos Almôadas, que depuseram os Almorávidas (também árabes). Como de costume, abandonaram o que os antecessores haviam feito e construíram algo novo. 

Os arredores é são uma coisa esquisita, pois logo ali você tem um cemitério, e a praia.  
Muralha da cidadela à direita, cemitério, e a praia mais adiante.

Na época, claro, o cemitério ficava devidamente fora da cidade  fora das muralhas. Já hoje ele fica bem no caminho de quem vai ao mar. 

Pra quem está acostumado ao Brasil, esta praia daqui é uma coisa sofrível. O mar é até bonito, azul e cheio de ondas, mas a areia é escura e cheia de lixo. Exceto por alguns rapazes de calção, todo mundo se banha cheio de roupa, especialmente as mulheres. Na maioria das vezes, contudo, elas ficam limitadas a olhar. 
Praia em Rabat. Mais lixo do que você gostaria de ver.
Mulheres observando o quebrar as ondas.
Depois de um breve bordejo, demos meia volta e entramos na cidadela propriamente dita. Na prática, ela é igual à medina, só que um pouco mais turística. Há algumas lojas de cosméticos artesanais para europeu ver, e gente oferecendo acesso a partes privilegiadas para ver o pôr do sol (certamente a um preço). Já estava caindo a tarde, e a fome chegando, mas não havia restaurantes no lugar.

Foi aí que eu tomei um suco de laranja na rua que me deixou embrulhado até o dia seguinte. Olha aí a cara do maledeto.
Suco de laranja que me deixou de estômago embrulhado até o dia seguinte.

Gradualmente fomos fazendo o caminho de volta ao riad. No caminho de volta, para me atiçar ainda mais o estômago, passamos por vendedores de peixe fresco e de churrasquinho, inclusive uns que exibiam cabeças de carneiro assadas. O jeito foi depois disso ir jantar pizza, algo bem sussa, com chá e sopa.


Banquinha de peixe fresco, dando um aroma ao lugar.
Mocotó de boi.
Churrasquinho com cabeças na rua.
Enquanto isso, longe dali...

Deixo vocês com o pôr do sol em Rabat, visto do alto do meu riad.
Pôr do sol em Rabat, com as casinholas brancas árabes.