sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Turim: Santo Sudário e as ruas de uma Itália quase alpina


Na foto acima, a sem-teto pede uma moeda para o seu cão. Claro, não é o cachorro quem vai gastar o dinheiro. Mas os italianos parecem mais inclinados a ceder algo se o animal for visto como o necessitado, embora a senhora ali enrolada certamente precise ainda mais. A cena não é rara. Me pareceu relativamente comum na Itália.

Estamos em Torino (chamada Turim em português) já bem no norte da Itália. Em algumas longas avenidas você facilmente vê ao fundo os Alpes cobertos de neve. O frio e todo o ambiente é quase alpino, e lembra mais a Áustria do que os campos quentes da Toscana ou as terras secas da Sicília lá ao sul.

É quase Ano Novo, portanto inverno. Passei o Natal em Veneza com a minha amiga turca Filiz e alguns amigos de lá, e começamos a percorrer este norte da Itália. Depois de passar um tempinho em Milão e ter uma bonanza de jantar em família na região de Gênova, chegamos agora a Turim de trem. Não me recordo que dia da semana era  é fácil perder a noção disso em viagem. Mas as ruas estavam vazias e quietas, exceto por algumas praças e ruas principais. No clima de inverno, a natureza toda parecia hibernar. E com ela, as pessoas.

Não tínhamos grandes ambições turísticas em Turim. A cidade não oferece taaanto assim em termos de atrações, embora tenha a sua personalidade regional própria e algumas coisas interessantes a serem vistas. A ideia era passar o dia "vendo o que que há" e retornar à pousada em Milão no fim do dia. Aqui tudo é perto, e em uma hora ou duas você facilmente pula de uma cidade à outra. Turim é também bastante fácil de navegar a pé. Eu queria ver o que fosse possível acerca do afamado Santo Sudário, e Filiz queria ver o Museo Nazionale del Cinema, então lá fomos nós.
As imensas avenidas de Turim, bem vazias neste dia de inverno.
Com a minha cara de bobo, na Piazza Castello.

O Santo Sudário, pra quem ouve falar mas não sabe o que é, consiste no pano de linho manchado de sangue que, segundo a crença, foi a mortalha que cobriu o corpo de Jesus crucificado. Sua autenticidade é objeto de um eterno debate, mas a figura condiz com a de alguém que teria sofrido ferimentos de crucificação. Ela é, inclusive, mais realista que as crenças medievais. Há, por exemplo, ferimentos nos pulsos e não nas palmas das mãos, onde se acreditava que o Cristo tinha sido pregado (hoje se sabe que tal coisa era inviável pois a mão arrebentaria). 

Sabe-se que o linho é no mínimo medieval. Os céticos dizem que ele é uma peça dessa época, pintada. Os crentes sugerem que o tecido foi remendado ao longo do tempo, e que portanto há partes mais antigas que outras. Há uma infinidade de testes e contra-testes, que nem sempre dão datas com exatidão. Às vezes é mais fácil dizer "Esse fóssil tem 40 mil anos" do que precisar século ou década. Isso ainda é dificultado por contaminação bacteriana existente no tecido e as possíveis ou prováveis "restaurações" por que o tecido teria passado durante a Idade Média. Se for uma obra de arte, parece bem feita. A questão segue em debate. Há novos testes sendo feitos de quando em vez, quando o Vaticano permite. Ao contrário do que você talvez pense, a Igreja Católica não tem posição oficial sobre o tema.
Fotografia do sudário. No negativo, à direita, os contrastes realçados tornam mais nítida a imagem.

A peça encontra-se na Catedral de Turim desde o século XIV. Antes disso, a coisa é nebulosa. Crê-se que ele estava na França. Houve quem dissesse, à época, que foi inclusive feito por um artista de lá, que o teria confessado  se é que se pode crer em confissões medievais. Por outro lado, antes daquilo, até os idos de 1200, os Bizantinos diziam que eles é que tinham a tal mortalha de Jesus, que teria desaparecido quando Constantinopla foi saqueada pelos cruzados europeus em 1204. 

O que se sabe com maior segurança que é a família nobre dos Saboia, que governava a região do Piemonte no noroeste da Itália (onde está Torino) e o sudeste da França, tinha posse deste sudário nos idos de 1390. Essa família depois viria a se tornar a Família Real Italiana entre a unificação do país em 1861 e a queda da monarquia para o fascismo em 1922. Oficialmente, os Saboia (que ainda existem) doou-o ao Vaticano em 1983. 

O original segue na Catedral de Turim, mas ele só é exibido muito raramente. (Achou que ele ficava assim aberto ao público, tolinho?). Em 2010 a exposição juntou 50 mil pessoas, mais do que todo o público que foi ao Rio de Janeiro para a Conferência Rio+20 em 2012. Em 2013 ele foi exposto novamente com o Papa Francisco numa celebração de Páscoa, e o papa foi cuidadoso em suas palavras, dizendo que aquela imagem nos convidava a pensar em Jesus, mas sem ser conclusivo.

Sendo assim, meu amigo interessado, não ache que vai a Turim e ele estará lá aberto à sua visita (a menos que você seja o papa). Contudo, entretanto, todavia, há muitas cópias suficientemente fidedignas para quem quer só dar uma olhada  e não fazer alguma análise do tecido. A que eu recomendo fica numa igrejinha muito despretensiosa chamada Chiesa di San Lorenzo, onde há uma cópia na parede. Dá pra você ver, tirar foto, e o que quiser. A igreja, simples e despretensiosa por fora, é bem charmosa por dentro.
Chiesa di San Lorenzo (à direita), em Torino.
Interior da igreja, contrastando com o exterior simples.
Cópia exposta do Santo Sudário. Se quiser ver melhor, é só clicar na foto para ampliar. Ali se vêem duas imagens do corpo, com as cabeças no centro, um virado pra lá e o outro pra cá.

Turim tem mais que o sudário, é claro. Aos poucos, as ruas principais e praças se enchiam, sobretudo à tarde e à noitinha. (Na Europa, de forma geral, eu às vezes tenho a impressão de que as pessoas detestam a manhã).

Fomos almoçar, para a refeição mais pífia que eu tive na Itália. Eu deveria ter levado a sério quando Filiz olhou pelo vidro do restaurante e comentou "Olha, tem asiáticos lá dentro". Mas a fome foi mais forte. Nada contra asiáticos, mas contra os restaurantes italianos frequentados por turistas sem muita noção de comida italiana. Adoro ir a restaurantes asiáticos aonde os asiáticos vão, assim como melhores são os restaurantes italianos aonde os próprios italianos vão. Não era o caso aqui. Este foi o pior tipo de restaurante, o que eu mais abomino: aqueles que não são baratos, enfeitam a comida toda e se esquecem do tempero. Não tinha gosto de nada; e quando tinha, não era bom.
Essa foi a entrada. A única coisa que tinha gosto aí era o limão.
Este foi o primo piatto, o de massa. Foi o único que estava aceitavelmente bom, embora eu deteste essa cafonice travestida de requinte de ter um prato enorme com um tiquinho de comida.
Este foi o secondo piatto, o principal. Heh. O brócoli tinha gosto de brócoli fervido e o peixe no meio não tinha gosto de nada. 
As sobremesas me mataram, que eu até larguei (coisa que só faço uma vez a cada ano bissexto). A torta estava com a massa dura e o recheio de maçã passava longe. Aquela amarela na forminha era puro açúcar. E a outra, com ar de fritura, tinha um gosto amargo de gordura e rum. Pra não achar que é frescura minha, Filiz também provou e ficou só numa mordida.

E foram-se meus 25 euros nesse raio de menu fechado. Mas não culpemos Torino. Depois ela nos recompensaria com belas guloseimas ao anoitecer. É, como eu digo, questão de saber onde comer, fundamental aqui na Itália. Essas lições foram aprendidas a duras penas.

Demos mais algumas voltas e fomos ver o Museo Nazionale del Cinema. Parece interessante, está muito bem cotado na internet, mas de antemão já lhe digo que é o museu nacional do cinema. Ou seja, trata quase que exclusivamente das produções italianas. Eu, admito, conheço pouco. Como a fila pra entrar estava enorme (já na rua), resolvemos deixar pra lá e demos só uma olhada geral. Afora o museu, há um cinema propriamente dito, no decô dos idos de 1950.
Interior do cinema do museu em Turim, no decô dos tempos de James Dean.
As ruas começando a ficar movimentadas.
Espetáculos de rua. 
Nos prédios renascentistas com o meu charmoso saco plástico, que carregava, dentre outros, a compota de ameixa que ganhei em Gênova.


À noitinha, fomos à Cremeria Ghigo, tomar esse maravilhoso chocolate quente aí da xícara. Denso até não poder mais. Delicioso. Em Torino, são típicos o bicerin, uma mistura de café expresso com chocolate quente, e o liquore al cioccolato. Apropriados ao clima frio da cidade, e cada um melhor do que o outro. O café com creme daqui também vale à pena, pois não é creme americano daqueles vagabundos saídos de lata feito creme de barbear. Esse aqui é creme caseiro, e substancioso.

A mulher rodopiava feito pião, e o careca não perdia a compostura, apesar do movimento intenso da loja.
Ciocollato con panna, o creme, ali ao lado. A velocidade da mulher você vê na foto.
Depois de misturado.

Era quase a hora do nosso trem de volta a Milão, e iniciamos o percurso. No caminho, passamos na Rua Antonio Gramsci para tirar uma foto. Não podíamos sair daqui sem essa. Gramsci, pra quem não sabe, foi um dos maiores pensadores políticos italianos. Ele nasceu na Sardenha mas educou-se aqui em Turim. Dentre suas várias ideias, ele descreveu como a sociedade civil contribui para que as classes dominantes se mantenham no poder. Não é só questão de coerção, elaborou ele, mas de hegemonia cultural que as pessoas aceitam e consentem, sem perceberem. Ele foi preso pelo regime fascista na Itália em 1926, de onde escreveu suas mais famosas obras, os Cadernos do Cárcere, onde elabora suas ideias.

No meio da foto, o celular tocou. Era ligação da pousada lá de Milão. Mustafá, nosso hospitaleiro anfitrião  suspeito eu, originalmente do norte da África  estava preocupado, que já não aparecíamos havia dois dias. Hehe. Tranquilizei-o e disse-lhe que estaríamos de volta bem em breve.

Retornamos a Milão, Filiz zarparia da Itália e eu continuaria o restante da viagem por conta. O ano novo vinha aí e eu ainda tinha mais cidades a ver. Bolonha seria a próxima.


sábado, 23 de agosto de 2014

Um jantar em famiglia italiana em Gênova


Gênova, uma das famosas cidades-estado das Idades Média e Moderna, e terra natal de grandes navegadores como Cristóvão Colombo. É hoje a sexta maior cidade da Itália, e como sempre uma cidade cosmopolita. Hoje você vê muitos trabalhadores indianos e africanos na área do porto, e põe-se a imaginar os mercadores árabes e espanhóis que outrora andaram por aqui.

Esta era pra ser uma viagem de um só dia, um bate-e-volta a partir de Milão. Só que eu fui e não voltei. Uma grande amiga minha mora perto da cidade, na comuna de Albisola, província de Savona, aqui perto. E a mãe dela  tremendamente simpática, fazendo valer o estereótipo da mamma italiana  caiu na besteira de me convidar pra jantar. Não só aceitei como ainda fiquei pra dormir e só fui-me embora no outro dia. (Cuidado com esses convites comigo, porque eu aceito).


Mas nem só de pão vive o homem, então antes de passarmos à janta, deixem-me contar um pouco da cidade. Chegamos no trem de Milão eram umas 10 e pouca, eu e Filiz, a minha amiga turca e companheira de viagem. Sara, a amiga italiana, foi nos aguardar na estação, trazida de carro pela mãe e pelo namorado da mãe, Mario, um senhor sexagenário caracteristicamente italiano, não do tipo gordinho bigodudo, mas do tipo elegante, com um pulôver justo, sorriso farto e cabelo prateado bem penteado. O convite do "por que não fica pra jantar com a gente?" viria depois, por telefone. Por ora, fomos eu, Sara e Filiz tomar um café antes de visitar a cidade.


Há algumas coisas interessantes que se ver em Gênova, embora não seja uma blockbuster cheia de atrações como Roma e não tenha a fama turística de uma Veneza. A vantagem é que você esbarra em relativamente poucos outros turistas na rua.

Vista geral desta manhã de inverno em Gênova, nos arredores da estação central de trem.
Calçadão.
Ruas no centro de Gênova, embora esta ainda não seja a região do porto, a mais antiga.

Nossa primeira parada (após o café) foi o Castello D'Albertis, uma mansão do século XIX convertida em museu. Tem excelentes vistas para a cidade, e a coleção pessoal do distinto capitão Enrico Alberto D'Albertis. Eu me dei conta de que é super comum aqui na Europa ter esses casarões, com coleções de tudo que a pessoa tinha (enfeites, livros antigos, mapas), transformados em museu. A ideia é mostrar como vivia a aristocracia da época. Este cá, chamado de Museo delle Culture del Mondo, tem uma "sala turca", uma "sala oriental", etc. Claro que é só um tira-gosto de o que são essas culturas. Mas vale a pena no mínimo pela casa em si e pelas vistas para o porto.

Escadaria da mansão.
Arranjos internos na arquitetura.
Sala de leitura. Quando eu crescer quero ter uma assim.
Sala com motivos orientais.
Vista de Gênova. Lá no fundo à direita você tem os Alpes.
A caminhada entre esse museu e o porto era por ruelas, becos, e muitas escadarias à beira de casas e apartamentos com vovós aparecendo na janela. Aquele ar de vizinhança. Na foto abaixo eu estou iluminado demais, mas dá pra vocês verem os arredores a que me refiro.

Saindo dali, fomos almoçar na região do porto. (Como toda boa viagem, esta foi pontuada pelas refeições do dia). A região do porto de Gênova é a mais tradicional, com igrejas antigas e bequinhos por onde Colombo deve ter circulado. À época, eram repletos de bordeis e de todo tipo de serviços que marinheiros costumam requisitar. Hoje, o que não faltam são lojinhas de artigos populares (roupa barata, celular...) voltados à comunidade imigrante. É uma área bem "povo". Não espere sofisticação nesta parte de Gênova. 


Mas circularíamos por ali mais à noite. Por ora fomos almoçar no cais, experimentar o famoso pesto de manjericão e a original focaccia, ambos nativos aqui da Ligúria, região de Gênova. Afora os onipresentes cigarros dos italianos às mesas ao lado (já que estávamos sentados do lado de fora para aproveitar o sol), o almoço foi um prazer. 


O pesto genovês, hiper-conhecido Europa afora e na América do Norte, é estranhamente pouco conhecido no Brasil, o que eu não esperaria de um país com tantos descendentes de italianos. Certamente os restaurantes italianos mais tradicionais o tem, e quem sabe uma hora ele cai no gosto nacional. O pesto, em miúdos, é um molho verde feito com manjericão fresco, azeite de oliva, alho, e queijo parmesão. Serve-se com qualquer massa. Neste caso, eu comi com nhoque.

Meu prato de nhoque ao pesto. Nem sempre o molho é tão homogeneizado assim; às vezes você vê os pedacinhos de manjericão no azeite.
Prato bom, embora Sara tenha provado e imediatamente acusado, sentindo-se ultrajada, que tinham posto provolone na receita. Fez um "não" com a cabeça ainda mesmo antes de terminar de engolir. (Os italianos são bem tradicionais pra o lado de comida. Pra você entender a extensão disso, saiba que esse é o tipo de coisa que eles comentarão uns com os outros depois: "Fulana, você acredita que o pesto de Mairon no almoço veio com provolone?", ao que a outra italiana torcerá o nariz). Mas apesar do rejeitado provolone, o prato estava gostoso.

Só que como eu sou um buona forchetta (a expressão italiana para "bom de garfo") e não queria passar sem experimentar a focaccia original, pedi um segundo prato. Você, se já comeu focaccia, muito provavelmente foi aquele pão grosso com coisa em cima (queijo, azeitona...). Saiba que a focaccia original é bem diferente: é fina e recheada dentro por um tipo especial de queijo branco. Olha que dilícia. 
Focaccia original genovesa com queijo.

Ali mesmo no porto nós víamos pesadas mammas italianas camponesas vendendo queijo em barraquinhas, com outros produtos da zona rural. A Itália é muito tradicional nisso, e não à toa é o berço do movimento Slow Food, que prega alimentos de qualidade, guardando as tradições e receitas, e apreciados numa boa mesa  sem pressa  e em boa companhia. A antítese do fast food americano. (Há uma filial do movimento no Brasil, pra quem se interessar).

Antes de passar ao jantar em famiglia italiana, tivemos ainda uma tardinha no Galata Museo del Mare (bem ali no porto) e pelas ruas antigas, para ver algumas igrejas. (Na Itália, o que mais se têm pra ver são museus, galerias e igrejas, e é também onde a arte está).


O Museo Galata fala das navegações, de quem Gênova era nos séculos passados, e se você for vidrado em aspectos técnicos de navegação (os instrumentos de orientação, arquitetura dos navios, etc), precisa ver este museu. Não é tanto o meu caso  prefiro a parte política  então acabei mais passeando do que me detendo demais. Seja como for, há uma bela vista para a cidade do último andar, que pegamos ao pôr-do-sol. 
Senhora italiana trazendo produtos da campagna (a zona rural) para vender. Muitos queijos e chouriços.
Galata Museo del Mare, no porto de Gênova.
Retrato de família rural italiana no princípio do século XX. Tirada deles já imigrados no Rio Grande do Sul.
Vista para o porto de Gênova ao pôr do sol.
Vista de Gênova ao anoitecer.

Ali por aquelas ruas, com uma boa batida de perna você vê as partes remanescentes da antiga muralha da cidade e muitas das igrejas principais. Como sempre, as igrejas italianas dão um banho de arte, não só na arquitetura como também nos interiores. O luxo dos interiores, hoje como no passado, contrasta com a simplicidade  e uma certa esculhambação  das ruas ao lado de fora.
Remanescente das muralhas da cidade.
Vias estreiras na região do porto de Gênova.
Algumas vias laterais nada charmosas.
Interior da Cattedrale di San Lorenzo, consagrada no ano 1118. Foi sendo construída ao longo dos séculos e sobreviveu aos bombardeios da 2a Guerra. O interior é todo em mármores branco e negro, cores símbolo da nobreza genovesa.
A Cattedrale di San Lorenzo vista de fora.
Presépio no interior de uma outra igreja, a Chiesa del Gesu e dei Santi Ambroglio e Andrea.
Praça movimentada e árvore de natal decorada, à noite. Para não dizer que a beleza de Gênova está só no interior das igrejas.

Noite caída, era chegada a hora de jantar. Retornamos à estação para tomar um trem a Albisola, comuna natal da minha amiga. O papo estava tão bom que perdemos a parada, fomos parar em Savona e tivemos de voltar um trecho. Mas nada grave. A fartura nos esperava. Fomos recebidos pela mãe de Sara, Mario, e por uma presente senhora canina de 17 anos, branquinha e pequena. 

Como eu comentei no meu post anterior sobre a comida na Itália, a refeição aqui se dá em fases, em sequência. Ou seja, nem tudo está já na mesa pra você apanhar o que quer. Primeiro chegou a salada, vários pratos: tomate com ervas finas, berinjela no azeite, repolho cortado com pedacinhos de queijo, e uma fritata. Como sabiam que eu era vegetariano, o vinho veio branco, já que o tinto normalmente acompanha carnes. Não sou fascinado por vinhos mas não vi porque não fazer as honras da casa.
Olha que prato bonito para uma salada de entrada.

A esta altura a mãe de Sara já estava se divertindo com as minhas fotografias. Contei-lhe que era para os relatos e para a posteridade. Enquanto o prato principal não vinha, servíamo-nos dessas entradas e Mario ia me perguntando de futebol e Fórmula 1. Meu italiano quebrava o galho. 

Não demorou a chegar o prato principal. Ainda na cidade, por telefone, eu havia sido perguntado se comia marisco. Resolver fazer uma concessão, até pra facilitar. Foi aí que veio o polvo. (Inocente, achou que era camarão?). Polvo cozido com batatas no azeite de oliva. Como eu digo, fique aí achando que restaurante italiano te prepara para vir comer na Itália sem ser surpreendido. 

Eu continuo não muito amigo de polvo. (Ou talvez eu devesse dizer o contrário, que sou, sim, amigo deles, já que os prefiro vivos). A textura borrachosa me dá uma certa agonia, mas o tempero estava bom. Fiquei mais nas batatas. 
Polvo cozido com batatas no azeite. As rodelinhas são os tentáculos cortados.
Se você acha que a refeição acabou, está iludido. Tivemos, a seguir, o prato de queijos. Experimentamos uns quatro ou cinco, à vontade. Alguns iam bem com umas geleias e compotas que nos eram trazidas (de ameixas, damascos, e outras frutas da região). Podíamos também comê-las com pão ou com biscoitinhos.

Aí veio a sobremesa: panetone. Se você provar o daqui, nunca mais vai querer saber daquilo que passa por panetone nos supermercados brasileiros. A diferença vai por conta da massa, deliciosa por si só e que parecia ter um toque de limão. O nosso aqui no Brasil teria sido chamado de chocotone (quando eu disse o nome, os italianos riram), pois era com cobertura de chocolate em vez de frutas cristalizadas.   

Depois de nos empanturrarmos do delicioso panetone, veio o digestivo: um licor de chocolate, bem grosso, típico de Turim. Ma che dolce vita! ;)
As geleias caseiras, e os queijos ali atrás.
Sara cortando o panetone.
Nossos anfitriões italianos, e o licor de chocolate ali nos copinhos.

Nem sei mais que horas eram quando acabamos. Só sei que não dormi muito. No dia seguinte, Mario me presenteou com um vidro da compota de ameixa, e eles nos levaram à estação. Naquele dia, o dono da pousada em Milão me ligaria no celular perguntando onde a gente se meteu, se estávamos perdidos. Não exatamente. Mas isso foi mais tarde, em Turim, que nos aguardava para aquele dia.