segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Ilha de Creta (Parte 3): Café grego, vistas de Creta, e surpresas na praia

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A Ilha de Creta (Parte 3): Mar, praia e montanhas na Grécia (com surpresas)

Caso o seu interesse seja o café grego, veja A Ilha de Creta (Parte 2): Ruas de Rethymno, o café grego, e almoço em família

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Era manhã do meu dia final em Creta, após a chegada em Chania e um breve bordejo em Rethymno. O sol levantou-se cedo, como sempre nestas terras, pra mais um dia de calor sem nuvens. Pela manhã, depois de um iogurtezinho de cabra, o café grego.

Cada país aqui desta região diz que é seu. Na Turquia é "café turco", no norte da África e no Oriente Médio é "café árabe", e assim vai. Mas o estilo deles de fazer o café, que é diferente do nosso, é o mesmo: coloca-se o pó na água já junto com o açúcar num fogareiro, e não coa. Você toma o café com o pó dentro. Ele desce sozinho pro fundo da xícara, então você nunca bebe o último dedo do café (a menos que queira comer o pó).

Daí é que vem aquela história de ler a sorte na borra do café. Você vira a xícara num pires, e a forma que o que restou do pó tomar dirá o seu futuro.  Chama-se cafeomancia. Eu e minha amiga fizemos só de esculhambação, mas tem as tias experientes nisso. (Não, eu não pedi pra a mãe dela ler, antes que ela "visse" alguma coisa).
Café grego, feito no fogareiro com o pó e o açúcar já dentro. Não coa.

Pra quem não sabe, foi dos árabes e dos turcos que os europeus pegaram o hábito de beber café (que é originalmente da Etiópia, onde os árabes ficaram conhecendo). Ainda bem que alguém em algum momento da História teve a ideia de coar, porque aqui às vezes dá pra sentir o pó na boca, o que (pra quem não está habituado) é meio estranho . E o café grego já tem um sabor ligeiramente diferente. É difícil explicar sabor, mas recomendo experimentar. O chato só é que você tem que saber já de antemão o quanto vai querer de açúcar, antes mesmo de provar, pois se colocar mais e mexer, aí mexe com pó com tudo e tem que esperar um tempo até o pó descer de novo.

Tomado o café, fiquei aguardando a minha amiga e a mãe dela pra irmos à praia. Enquanto eu esperava por ali, Seu Stéphano me chamou. Como eu disse, ele é um sujeito simples, daqueles que gosta de um futebolzinho... e que faz uma fezinha na loto de vez em quando. Me chamou pra ajudar no bolão do jornal, prevendo resultados de jogos da semana de campeonatos europeus e, pasmem, até da Série B do campeonato brasileiro. "São Caetano e Guaratinguetá, quem é que ganha?", me pergunta ele. E eu sei lá, Seu Stéphano. Chutei no São Caetano, que acabou ganhando mesmo, hehe. (Precisavam ver ele tentando pronunciar Guaratinguetá, hehe).

Era hora de sair. Íamos ao sul da ilha de Creta, onde o mar é mais bonito e mais limpo, pois quase todas as cidades ficam na costa norte. Atravessa-se a ilha de norte a sul em menos de uma hora. No caminho, muitas montanhas, colinas com oliveiras, e alguns vilarejos.
Vista com oliveiras e montanhas no interior de Creta.
Terra árida e pedregosa das montanhas no interior de Creta.
Estrada cortando as montanhas.
Ponte da época do Império Turco Otomano (Séc XVI - XIX)

E, claro, do outro lado, o mar.
Como eu disse, o céu aqui quase nunca tem nuvens, pode procurar nas fotos que você não vai achar. Aqui é azul em cima e em baixo, no céu e no mar. Não é à toa que a cor está na bandeira.
Pro pessoal acostumado com as cidades, achando que aquilo é esgoto e que se desacostumou das belezas da natureza, aquilo ali é um riacho, viu gente?

Mas, antes de descermos até a praia, passamos pelo Monastério Preveli, um dos muitos monastérios da Grécia. Os gregos em sua grande maioria são cristãos ortodoxos, ou seja, eles seguem as tradições do cristianismo do primeiro milênio, sem as alterações feitas por Roma ao longo dos últimos 1000 anos. Há muitos elementos em comum com o catolicismo romano (devoção a Maria, os santos), mas os rituais são bastante diferentes. Por exemplo, não existe a hóstia; eles comungam com um pedacinho de pão mesmo. As igrejas são menores e não têm aquela nave central com os bancos dos dois lados e um corredor no meio; em vez disso elas têm vários vãos que se conectam, parecendo capelinhas, e as pessoas acompanham os ritos em pé. As mulheres normalmente cobrem a cabeça na igreja; os sacerdotes usam barba e vestem preto, e celebram o ritual de frente pra a imagem e de costas pro povo. A celebração é do mesmo jeito que era na época de Constantino, no século IX. Enfim, é um costume todo diferente mas muito interessante.

Os monastérios cristãos ortodoxos são muitos comuns aqui. Os monges normalmente têm sua própria horta, animais, e produzem coisas tipo vinho, geléia, pão...

 "Fica calado que grego não paga", disse minha amiga conforme íamos chegando na entrada. Com minha cara de grego, ninguém me cobrou.
Monastério Preveli, no sul da Ilha de Creta.
Monastério Preveli, no sul da Ilha de Creta.
A Igreja Ortodoxa tem bandeira, aquela amarela ali. No meio há uma águia de duas cabeças. O símbolo é bastante antigo, e no Império Bizantino simbolizava a dualidade do imperador como líder tanto religioso quanto dos assuntos mundanos.
Aposentos dos monges, no Monastério Preveli.
A Fonte Mística da Vida Eterna. Hehe, brincadeira. Mas as igrejas gregas, sabendo do calor, quase sempre põem uma fontezinha de água potável à disposição. Mas dá pra ver de onde os filmes de fantasia tiraram a inspiração. 

Havia um museu e uma capelinha de ambiente meio escuro, quieto e austero, como costuma ser nas igrejas ortodoxas. Foi lindo quando então tocou o celular da mãe da minha amiga, no meio da capela, tendo como toque a apropriada música Papa americano bem no refrão (pra quem não conhece, ouça no YouTube; uma música assim bem de igreja mesmo).

E fomos finalmente à praia, uma faixa de areia não muito longa mas muito bonita entre as rochas, e com pouca gente. Colocamos as coisas no chão, e fomos apreciar.
Praia no sul de Creta.
O belo mar ao sul da Ilha de Creta.

A água é boa, só que praticamente não tem ondas, já que é um mar fechado. No Brasil a gente está acostumado com ondas porque a praia é de oceano. Também não tem muita areia fina; são mais pedras. E a água é um pouco fria, mas se supera.

Estávamos lá numa boa. Mas aí é que nos chega (espia as coisas que acontecem comigo) um grupo de seus 30 a 40 nudistas...

...da terceira idade. Um bando de turistas alemães e nórdicos, nenhum com menos de 60, e uns assim que com 80 não morriam mais. Umas tias que talvez tivessem sido até gatinhas... há uns 40 anos atrás, na época do Dancing Days. Foi aquele show de peito caído e binga de véio por toda parte. Minha amiga ficou se desculpando, dizendo que desde pequena sempre ia ali e nunca tinha acontecido isso.
Um dos nudistas pensando se cai na água.

Você olhava pro lado e via aquelas senhoras obesas, de ladinho. Affff. Com o cupim caindo pro lado. Show de horrores.

Depois dessa, só olhando MUITO pra o mar azul da Grécia e as rochas.
Beira do mar em Creta.

Terminado o Cine Trash, voltamos a Rethymno e ainda demos uma volta de noitinha, pra ouvir um pouco de bouzouki ao vivo (essa espécie de bandolim aí abaixo). Muito legal.
E cedo na manhã seguinte, ferry com destino a Santorini.
Cretenses tocando bouzouki e cantando, numa loja em Rethymno. Muito parecido com o Brasil, só a música que é diferente.

Até a próxima, Creta! Deixo vocês com um pouquinho da música popular grega (rebétika, como eles dizem) com o bouzouki. A dancinha vocês podem fazer em casa.

sábado, 24 de novembro de 2012

Ilha de Creta (Parte 2): Rethymno e almoço em família grega


Vista básica da janela do ônibus na rodovia entre Chania e Rethymno, na Ilha de Creta.

No final daquela mesma manhã em que cheguei a Chania, meu ônibus chegou em Rethymno [RÉ-thymno], uma outra cidade do oeste de Creta a 1h de distância. Lá um almoço em família me aguardava  não a minha própria, mas quem viaja sempre tem muitas famílias.

Rethymno, como muitas cidades gregas, é aquela mistura de asfalto e pedra, aquelas pedras cor de areia que reluzem o sol e doem a vista. O suor já me descia pelas têmporas quando saí da rodoviária (pequena, mas decente) à procura da amiga grega que eu reencontraria e que me albergaria aqui na ilha. 

Depois de uns 10 minutos nós nos encontramos e fomos até o carro. Momento nostalgia: aquele abafo, tão conhecido de nós brasileiros, de quando se deixa o carro estacionado no sol, e aquele papelão de pára-brisa pra a luz não entrar e não esquentar demais. Nunca tinha visto isso na Europa. Mas na Grécia eles fazem, ainda mais em Creta. Pelo menos depois de iniciado o carro vem aquela brisa maravilhosa com a janela aberta, e fomos subindo a verdadeira serra que é a área onde ela mora.
Vista de Rethymno da varanda da casa da minha amiga. Típica casa grega simples, bastante arejada. Foi nessa varanda que almoçamos.

Chegando na casa conheci a família. O irmão não estava, mas conheci o pai, Seu Stéphano, um sujeito simples nos seus 50 anos, bigode, chinelão no pé, parecendo aquele típico cidadão brasileiro que gosta do seu futebolzinho e às vezes de um pileque, a quem a mulher chama a cada 10 minutos e que ouve calado a mulher reclamar.  Já a mãe da minha amiga, o tipo que reclama com o marido a cada 10 minutos. Uma mistura curiosa de dona-de-casa-de-novela-das-sete com personagem perigosa de filme do Cinema em Casa do SBT. Olhava pra você com aquele olhar de que está te investigando, meio emocionalmente instável (às vezes dava uns pitís), e abria aquele sorriso pra complementar. E lá estava eu.

Almoçamos na varanda, a mãe (que falava um pouco de inglês) ocasionalmente me perguntando coisas tipo o que é que os meus pais faziam, etc. Peraê, minha tia, calma.

Na mesa, arroz com espinafre, peixe, salada de tomate, azeite e queijo feta, e tzatziki (se houvesse um Asterix versão asteca, acho que o nome seria esse). Pra quem não conhece o tzatziki, é um molho feito com iogurte de leite de cabra, pepino batido, alho, sal e azeite, e que se usa como se fosse um creme, no lugar de maionese. Recomendo. Esse a tia caprichou no alho. Ou, como disse a minha amiga: "bomba", que é a gíria aqui pra quando a coisa está forte. Na sobremesa, pirão de suco de uva, e iogurte de cabra com compotas caseiras (excelentes! Já o pirão é meio "assim").

Descansado o almoço, fomos circular pela cidade. O centro de Rethymno lembra aquelas cidades de video game tipo Zelda, com as ruelas e becos, as lojinhas, uma fonte aqui e uma fortaleza ali.
Lojinhas nas ruelas do centro de Rethymno.
Antiga fonte no centro de Rethymno. A água é potável. Dizem que, quem dela beber, se casará com um(a) cretense.
Antigo porto de Rethymno, também no centro. Da época dos venezianos (1200-1600).

Nisso esbarramos nuns conhecidos da minha amiga aqui e ali. Saca só como é aqui na Grécia:

 "Aquela ali era minha prima", disse minha amiga.
 "É sobrinha da sua mãe ou do seu pai?", pergunto eu.
 "Não, ela é filha da prima da minha avó"
 ...

A noite ia caindo, e a cidade ficando mais bonita. Mesinhas do lado de fora e gente na rua.
Uma simples rua no labiríntico centro de Rethymno. Charme, hein? (Não confundir Zeneto com Zé Neto, ok?)
Interior de restaurante estilo veneziano em Rethymno. Arcada, chão de pedrinhas, e a bela escadaria. Um pouco acima do meu orçamento no momento, mas valeu a foto.
E como eu disse que Rethymno, como grande parte das cidades gregas, é uma mistura de asfalto e antiguidade, aqui é a orla com bares e palmeiras que dão um tom bem mediterrâneo, quase oriente médio, ao lugar.

Terminamos a noite com alguns drinks com uns amigos. Alguns tiveram certa dificuldade com o meu nome. De Mairon virei "Ryan", e meu sobrenome de "Bastos Lima" virou "Bratislava". Ryan Bratislava, prazer. R&B para os íntimos.

Pra o dia seguinte estávamos com curta viagem marcada ao sul de Creta, ver o mar do outro lado da ilha, com alguns monastérios, montanhas e praia  eu, minha amiga, e a mãe dela.
Lua cheia no antigo porto de Rethymno.

domingo, 18 de novembro de 2012

Ilha de Creta (Parte 1): Ferry noturno de Piraeus e amanhecer (com café da manhã) em Chania

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A Ilha de Creta (Parte 1): Chegando a Chania com o ferry noturno de Piraeus

Chegada era a hora de zarpar pelas famosas ilhas gregas. Passadas Atenas e as ruínas do Oráculo de Delfos, minha próxima parada era Creta. Lá no sul da Grécia, ela é a terra mais ao sul em toda a Europa (vejam no mapinha menor, no canto do mapa grande).

De Atenas a Creta é uma noite no navio. Acreditem: primeira vez que eu viajo de navio. Já estava na hora mesmo de incluir esse meio de transporte no meu currículo. Fui ao porto com o pai de Krystallenia (Seu Stavros), que me deu uma carona.
Meu verdadeiro titanic em direção a Creta. Mas esse não afundou.

No navio eu tinha de tudo: bar, boate, cassino, lounge, restaurante... tudo, exceto lugar de dormir. Tive a opção de pagar o dobro da passagem e ter direito a cabine coletiva, mas eu não quis. Depois de dormir em trem indiano e em chão de trem na Indonésia, tudo se torna relativo. De repente qualquer lugar minimamente limpo e seco serve, até o convés, ou debaixo da escada.

Só que debaixo da escada já estava lotado. É lugar nobre, pois dá pra se esconder das luzes, que nunca se apagam. (Nunca imaginou que um cruzeiro pelas ilhas gregas fosse ser essa baixaria assim, hein?). Experimentei o convés, mas o vento forte do mar atrapalha, então acabei achando um canto na lounge room abaixo, onde me deitei junto com muitos outros que estavam na classe econômica como eu.
Lounge room de bar no navio, onde eu dormi.
Esse devia ser brasileiro. Veio mais preparado do que eu, e armou uma rede no convés.
Noite de lua cheia no Porto de Piraeus, de onde parti para Creta.

Não havia amanhecido ainda quando eu cheguei no porto de Chania (pronuncia-se Rânia), na parte oeste de Creta. Tudo ainda escuro, peguei um ônibus do porto para o centro da cidade, como já tinham me avisado que eu deveria fazer. Chegando lá as lojas ainda estavam ensaiando abrir; os primeiros funcionários colocando as cadeiras no lugar, e aquela brisinha matinal de um dia que prometia ser quente (vejam pelo mapa que eu estou quase na Líbia, no norte da África). Eram coisa de 7 da manhã, e me informei sobre como ir dali até o velho porto, que é o centro da cidade antiga. Era hora de mexer as pernas, comer alguma coisa, e tirar umas fotos. Como a comida teria que esperar até as lojas da cidade antiga abrirem, resolvi andar pra conhecer o lugar.

Chania foi por mais de 450 anos um entreposto comercial de Veneza, controlado pela cidade italiana entre 1212 e 1669. Creta, na verdade, tem uma história meio à parte do restante da Grécia, e os cretenses (e não cretinos) são muito orgulhosos dessa identidade própria, traduzida em comidas, festas, e até sobrenomes diferentes - sempre terminados em -aki. Enquanto que a Grécia ficou independente do Império Turco Otomano em 1822, Creta só se libertou 77 anos depois, em 1898, e por dez anos foi um país totalmente independente, até se anexar à Grécia em 1908.
Manhã na enseada do velho porto de Chania, a lua cheia ainda podendo ser vista.

Pelas ruelas da parte antiga se vê os sobrados, e espaço somente pra pedrestres, com os restaurantes começando a colocar as mesas do lado de fora. (E morram de inveja do meu café da manhã).
Idosa nas ruelas de Chania, ao amanhecer.
Primeiros raios de sol nas ruelas antigas de Chania.
Minha parada para o café da manhã.
E voilà! A merecida mesa depois de uma noite no chão do bar do navio. Suco de laranja natural, maçã, omelete, café grego (que não é a mesma coisa do nosso, e que eu vou explicar depois), e um delicioso dakos. Dakos é um pão endurecido à consistência de torrada, mas regado no azeite de oliva, com tomates frescos macerados em cima, queijo feta, ervas e azeitona preta. Hmm!

De barriga cheia, e com um cafezinho que sempre alegra o cidadão, fui ver as lojas que começavam a abrir. Sempre gosto de ver os cartões postais pois eles indicam o que é que eu não posso perder no lugar (embora aqui em Chania fosse basicamente só o porto mesmo). De todo modo eu tinha ainda uma hora antes de pegar o próximo ônibus pra Rethymno, uma outra cidade próxima onde a família de uma outra amiga estava me esperando.

Entrei rapidamente numa loja só pra pegar um postal mesmo, e pra ver uns souvenirs. Mas é nisso que vem um senhor idoso (que de certa forma me lembrava o Barbárvore) me atender. O jeito de falar parecia o de um personagem daqueles de filme de fantasia infantil, tipo o velhinho que dá conselho ao personagem principal (só que o conselho desse daqui eu não recomendo seguir não).

 De onde você é?
 Brasil.
 Aaah! Pelé!
- Hehe *Sorriso amarelo*
Eu, já acostumado com os clichês, já sei soltar a lista dos ícones brasileiros conhecidos.
 Kaká, Robinho, Ronaldo...
Mas o vô estava determinado.
 Pelé!
 Hehe *Sorriso amarelo*
 Peraí que eu já volto.

E nisso vai o velhinho lá atrás numa das salas dentro da loja. Eu tô pensando que ele me vem com algum souvenir de graça, mas que nada. Vem ele com um copinho de vidro daqueles de pinga, com uma água marrom dentro, animado.

 Tome! É ótimo para a saúde! Raki com mel.

Poutz. (Pra quem não viu o post anterior, raki é a cachaça de uva dos gregos). Isso não eram nem nove horas da manhã. Mas o velhinho estava tão animado que eu não pude recusar. Horrível (se bem que o mel pelo menos quebra o pouco o álcool 40 graus do raki). Fui me embora antes que o velhinho quisesse me embebedar mais e eu errasse o ônibus. Dali, mais algumas fotos, e bati perna pra a rodoviária, já suando com o calor parecido com o da Bahia.

Dali foram só 1h no ônibus e eu chegava a Rethymno, uma outra cidade litorânea de Creta, pra passar uns dias com uma amiga e a família (verdadeiros personagens). Mas isso fica pra o post seguinte, com o restante do que descobri em Creta e o café grego. Deixo vocês com o raiar do sol em Chania.
Amanhecer no porto de Chania, na Ilha de Creta.


Pescador no porto ao amanhecer.






Ilha de Creta (Parte 2): Rethymno e almoço em família

Ilha de Creta (Parte 3): Café grego, vistas de Creta, e surpresas na praia


quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Ao Oráculo de Delfos

Qual a probabilidade de você estar no interior da Grécia, procurando o Oráculo de Delfos, e se deparar com uma mercearia com adesivo de campanha de Lula e alguém de Piripiri, do interior do Piauí?

Pois bem. Era uma bela manhã de sábado quando íamos eu e Krystallenia de carro pela estrada, adentrando a Grécia. Café gelado no copo plástico dela, daqueles de milkshake do Bob's, e eu só apreciando a paisagem: terra seca e montanhosa, com plantações de oliveiras aqui e ali. Destino: as ruínas do antigo Oráculo de Delfos, que fez profecias a muitos na Antiguidade, de Nero a Sócrates, à beira do Monte Parnaso.
Paisagem árida e montanhosa do interior da Grécia.

São algumas horas de Atenas, que fica no litoral. À beira da estrada, várias igrejinhas em miniatura estilo caixa do correio, que os gregos colocam em memória a algum amigo ou familiar que tenha morrido ali naquele ponto da estrada (meio agourento, depois que você entende). Paramos pra almoçar em Aráhova, uma cidade bem bonitinha em meio às montanhas.
Ruelas em Aráhova.
Vista de Aráhova, cidadezinha nas montanhas.
Escadaria em Aráhova. O sobe e desce são parte constante do estar na Grécia.

Foi aí que eu almocei o meu prato de hilópita com flor de abobrinha. Hilópita é o nome que os gregos dão àquele macarrão-parafuso, que eles comem muito; e a flor de abobrinha eles usam pra embrulhar legumes, arroz, e às vezes carne moída. A flor não tem muito gosto, mas ajuda a fazer uns embrulhadinhos que eles passam no azeite.

É depois do almoço, fazendo a digestão, que eu me deparo com adesivo de Lula, estrela do PT e essa coisa toda. Pensei até que fosse a flor de abobrinha me dando barato. Saca só.
Adesivos de campanha de Lula numa mercearia em Aráhova, no interior da Grécia. (A propósito, camisa comprada com o Seu Nikolai).

Entrei na loja pra saber qual era a daquilo ali. Lá dentro um tzio grego, desses já de cabelo branco com a camisa de botão aberta até a metade do peito, sentado com aquela cara de cansado da vida. Vejo mais coisa, foto de Pelé e tal. Aponto pra mim mesmo: "Brasil", já que eu não falava grego e nem ele, provavelmente, inglês. Ele acorda logo, fala qualquer coisa em grego, pega o telefone, e diz algo a Krystallenia.

 Ele tá dizendo pra a gente subir pra ir tomar um café lá em cima.
 ? Opa!

Já fui subindo, e acabou que a esposa dele é de Piripiri, interior do Piauí. Ela já uma senhora de seus 50 anos, morando lá há 20. As filhas do casal, Ephistasía (vulgo "Êphi"; e a outra eu esqueci), nos receberam e sentamos toos pra papear com café passado no pano e leite Ninho. A tia na verdade desceu o cacete nos gregos. "Tudo preguiçoso. Dá meio-dia e o fulano na repartição já está olhando pro relógio pra ver se ainda te atende. Daí só reabre 3h da tarde porque tem a siesta. E ficam reclamando. Lá no Brasil quando a coisa aperta a gente pelo menos se vira, dá um jeito; aqui eles ficam naquele marasmo". As opiniões divergem, mas é uma visão comum da Grécia (e dos outros países mediterrâneos) também nos países do norte da Europa.

Perguntei da semelhança entre os gregos e brasileiros, do calor humano e tal. "É verdade, mas os homens aqui só pensam em dinheiro. Lá a gente se diverte com o que tem, vai prum forró, arrasta-pé... Aqui fica tudo preocupado com dinheiro, com o fim do mês, em ganhar mais." Claro que não dá pra levar a opinião da tia como veredito final, mas serve pra dar uma perspectiva.

E falando em "veredito", vamos à razão da viagem: era chegada a hora de seguir ao Oráculo de Delfos. Pra quem não conhece, durante aproximadamente 1000 anos (ca 700 AC - 389 DC) havia um templo de Apolo nesta região, com uma chama que nunca se deixava apagar, e onde gente de todo o mundo greco-romano vinha ouvir palavras de sabedoria ou alguma profecia do seu futuro. A coisa é impressionante. A pítia, uma sacerdotisa na função de oráculo, falava sobre sua vida e seu futuro. Havia todo o preparo de iniciação; e, morrendo uma pítia, se selecionava outra dentre as aspirantes, exigindo-se delas que tivessem uma vida sóbria e bom caráter.

A lista de consulentes, entre os milhares, inclui nomes modestos como os de Sócrates, Nero, Cícero, e Alexandre o Grande.
Quadro Sacerdotisa de Delphi (1894) do pintor inglês John Collier, atualmente numa galeria de arte em Adelaide, na Austrália. O quadro ilustra como era a sacerdotisa, embora os vapores do chão sejam algo disputado entre os estudiosos. Alguns sugerem indícios de que podia haver gases subterrâneos induzindo um transe. Outros contestam, dizendo que não há evidências arqueológicas disso no chão, e citando fontes bibliográficas da Antiguidade que sugerem que não havia transe algum, e que a sacerdotisa falava lúcida.

A peregrinação começava com a ida até Delfos (ou Delphi em grego), uma área montanhosa perto do Monte Parnaso, onde segundo a mitologia viviam o deus Apolo e as musas.
Região do Santuário de Delfos, Grécia.
Templo lateral semi-restaurado no Santuário de Delfos. Nas colunas é possível ver as partes novas, mais claras.
Ruínas do templo principal de Apolo em Delfos. Era aí que os peregrinos, após serem recebidos e preparados pelos assistentes do templo, eram apresentados à sacerdotisa, trazendo-lhe ramos de louro como oferenda.

As primeiras menções ao Oráculo são do século VIII antes de Cristo. Entre as muitas previsões, há algumas bem notáveis.

Em 440 AC Sócrates tinha seus 30 anos e foi lá. Não tinha nenhuma fama de filósofo ainda. Em Delfos é que ele aprendeu a máxima "Conhece-te a ti mesmo", que ficava escrita na entrada do templo (junto com "Nada em excesso"). A pítia disse a Sócrates que no mundo não havia ninguém mais sábio que ele, ao que ele respondeu dizendo que "então todos são ignorantes", e que a única diferença é que ele pelo menos estava ciente da ignorância dele.

Já no século seguinte, Felipe II da Macedônia, o pai de Alexandre o Grande, também iria visitar o Oráculo. Ouviu que aquele que montasse o seu corcel negro (um enorme cavalo negro que Felipe II tinha e que ninguém, nem ele mesmo, montava) conquistaria o mundo. Não deu outra: só Alexandre conseguiu montar o enorme cavalo, que recebeu o nome de Bucéfalo (Bous + cephalos = "cabeça de boi", pelo tamanho), e que ele levou consigo por sua campanha na Ásia. Bucéfalo é um dos animais mais bem documentados da antiguidade, e há até uma tumba onde ele morreu, lá no atual Paquistão.

Há uma engraçada de Nero, que, já imperador de Roma, foi ao Oráculo no ano 67 DC, e foi expulso pela pítia. "Tua presença aqui ultraja o deus que viestes procurar. Vai embora, matricida! O número 73 marcará a hora da tua queda!". Nero, de fato, havia matado a mãe alguns anos antes. Sentindo-se ofendido, mandou queimar a sacertodisa viva. Achou que ia reinar muito, até os 73 anos de idade, mas interpretou errado: morreu no ano seguinte assassinado por Galba, que tinha 73 anos, e que tomou-lhe o trono.

E há muitas outras. O nome "Pitágoras", por exemplo, vem de Pítia + Ágoras ("fala"), pois diz-se que a sacerdotisa anunciou à mãe dele que o seu filho seria um homem de grande sabedoria e benefício à humanidade. A Cícero, credita-se que ela tenha dito "Faça da sua própria natureza, e não dos conselhos dos outros, a guia da sua vida", muito antes de ele se tornar notável pela sua oratória. E durou até o ano 389, quando o imperador Teodósio ordenou o fechamento de todos os templos não-cristãos. Pra quem lê inglês, pode ver mais procurando por "List of Oracular Statements" na Wikipedia.

Nos dias de hoje, diria-se que essa sacerdotisa de Apolo era uma espécie de médium espiritual, como ocorre em muitas culturas (os pretos-velhos africanos, os pajés ou xamãs indígenas, os profetas bíblicos, ou o próprio Maomé recebendo revelações na montanha). A própria palavra "profeta", do grego, significa "aquele que fala por outro".

Acreditai no que quiserdes, mas fazeis bem em não julgar sem conhecer. Já advertiu Sócrates: "a verdadeira sabedoria vem a cada um de nós quando nos damos conta de o quão pouco nós entendemos a vida, nós mesmos, e o mundo ao nosso redor". 2400 anos depois, a reflexão continua atual.
Anfiteatro no Santuário de Delfos, Grécia.

Próxima parada: Ilhas gregas! Hora de singrar os mares.