quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O Mosteiro de Rila: a atração mais visitada da Bulgária



Teto no interior do templo no Mosteiro de Rila.

O Mosteiro de Rila, do século X, é provavelmente a maior atração turística da Bulgária. E não sem motivo. O lugar parece retirado de algum conto histórico medieval: bela arquitetura, cercado de montanhas cobertas de floresta, e lindos murais de arte cristã ortodoxa. A própria jornada até aqui (2 horas de carro desde Sófia) já impressiona pela beleza natural da Bulgária, ainda bastante verde (até quando, não sei).

Eram meados da manhã quando deixamos a capital. Meus amigos planejaram parar na beira da estrada para comer omelete de avestruz. Teria sido minha primeira vez, mas infelizmente o criador estava ausente e o botequim fechado. Por sorte eu havia comido algo leve (essas enrolações que são os cafés da manhã de albergue, tipo pão com manteiga e café), pois só veríamos comida novamente no mosteiro  as mekitsas, umas frituras tradicionais búlgaras que os monges fazem. No mais, passamos fome. Expiação no nosso retiro ao mosteiro.
Estacionamento nos arredores do Mosteiro de Rila.
Vista do pátio central do mosteiro, rodeado de montanhas verdes.

Ivan de Rila era um monge cristão eremita que resolveu se instalar aqui no século X. Morava numa simples caverna, mas havia estudantes que o seguiram, e vinham outros cá para aprender, então aos poucos um mosteiro foi sendo construído. Os turcos o destruíram na sua conquista da Bulgária no século XV, mas com o movimento de independência no século XIX o mosteiro foi reerguido.

Hoje é um belo e agradável complexo onde dá bem pra se passar umas duas horas vendo e sentindo o lugar (mais se você quiser passar tempo dentro do templo e do museu). O ar é ótimo, há barraquinhas de lembrancinhas nos arredores, e todo o ambiente é bem cênico, com pequenas pontes sobre córregos, etc. Parece que você está na Idade Média.
Arredores do mosteiro.
Entrada.
Entrada para o mosteiro.

No interior o que mais me impressionou foram os murais, todos da restauração do Século XIX. Estão por toda parte na igreja do mosteiro, das paredes ao teto.
Arte sacra no teto.
Nossa Senhora e os anjos, na parede.
Pátio do mosteiro.
Bebendo água no mosteiro.

Depois de prestar nosso respeito ao mosteiro e ao ambiente, era hora de comer. Por azar, haviam somente as mekitsas, que eu sinceramente não sei porque os búlgaros fazem tanto alarde (e fila) por causa delas. Não passam de uma massa frita com açúcar em cima, que lembram esses lanches de rodoviária ou ponto de ônibus (até o guardanapo cor-de-rosa é igual).
Mekitsa, que literalmente quer dizer "maciazinha".

Dá ainda pra fazer trilha nos arredores, pra se sentir perseguindo orcs em O Senhor dos Aneis ou algo assim. Por ali há a caverna onde se acredita que Ivan de Rila morou, e onde muitos peregrinos vão fazer orações.
Em meio às árvores e rochedos.
Vista das colinas de Rila.
Veneração a St. Ivan de Rila, onde se acredita que ele viveu.
A visita à caverna termina saindo-se por este buraco. Havia uma senhora com um bundão na minha frente que eu sinceramente duvidei que fosse passar, mas passou.

Do nosso grupo ninguém entalou. Pra apimentar, logo atrás de nós vinha um grupo de crianças de seus 10-11 anos, de alguma escola. Agora imagina essa meninada atrás de você. (Nós dizíamos que eles eram os orcs, nos perseguindo).

Após a visita, fizemos o caminho de volta e pegamos novamente a estrada pra finalmente comer algo de sustança. Compramos um mel ótimo de um apicultor na beira da estrada, inclusive para os amigos (que eu ainda não conhecia) e que me albergariam hoje de noite. (Saí do albergue escuro junto do sex shop).

Já eram meados da tarde quando paramos para comer, e já estávamos famintos. Por sorte, comer na Bulgária é bem barato (nesse restaurante, até aconchegante e arrumado, o prato mais caro -- uma bisteca lá -- era o equivalente a 8 euros). Portanto pedi sopa, pão, lyutenica (um molho de tomate com pimentões vermelhos) para comer com o pão, e um mexido de ovos. Nada que entrasse pra o meu Hall da Fama, mas satisfez.
Minha sopinha, pão e lyutenica, um molho de tomate e pimentão vermelho. Minha amiga disse que esse estava malfeito, pois tinha gosto de ketchup e provavelmente havia sido 'batizado' com o tal. Fique aí achando que essas coisas só acontecem no Brasil...
Meu mexido de ovos. Não estava mau.

Chegaríamos em Sófia já ao escurecer. No dia seguinte, eu sairia cedo sozinho para Veliko Tarnovo, uma das cidades mais atraentes da Bulgária e a sua antiga capital histórica.
Jardins do local onde comemos, na beira da estrada de Rila a Sófia.

quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Sófia, Bulgária

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Sófia, Bulgária

Catedral neobizantina de St. Alexandr Nevsky, no centro de Sófia.
Sófia, a capital da Bulgária, é uma cidade relativamente simples e pequena, com algumas partes bonitinhas, fácil de andar, e que você vê toda em um ou dois dias. Tive amigos búlgaros pra dar umas voltas, e além disso fiz um ótimo "free walking tour", mania nas cidades turísticas da Europa, e que funciona na base de gorjeta.

São muitas as igrejas em estilo bizantino, do cristianismo ortodoxo de tradição grega. Afora isso, há belos prédios de arquitetura comunista ou neoclássica, além de praças verdes e bom preço pra compras. De todos os países europeus que visitei (mais de 20), a Bulgária é o mais barato. Em especial, procure os produtos de rosas, pois  você, assim como eu, provavelmente não sabia  mas a Bulgária produz 3/4 de todo o óleo de rosas do mundo.
Franquia em Sófia. A loja vende todo tipo de cosmético feito com essência de rosas. O interior é inebriante. Você achará produtos de rosas em qualquer lojinha de turista, mas é melhor negócio comprá-los nessas lojas de cosméticos, que são bem mais baratas e dão mais opções.

Era ainda cedo quando eu despertei no meu albergue defronte ao sex shop (ver post anterior "Chegando a Plovdiv"). Meu quarto mal tinha janela ou iluminação natural. A única abertura dava para um paredão cinza ao fundo. Todo o ambiente era escuro e lembrava aqueles filmes de drogado, tipo Réquiem para um Sonho. Apartamento malacabado, TV ligada, e gente estranha largada no sofá o dia inteiro. Sem as drogas (ao menos que eu visse), mas repleto de gente esquisita.

Sendo assim, fiz questão de passar o dia inteiro na rua. Quando saí pela manhã as lojas ainda estavam fechadas, com alguns cães de rua dormindo na calçada. O centro de Sófia não é nenhum espetáculo: é uma típica vizinhança ex-comunista, com prédios grandes cinzentos e de aparência meio acabada. Mas é uma cidade bem arborizada, com boas praças, bondes elétricos, e alguns prédios especiais suntuosos, como a Academia de Ciências, o Teatro Nacional, alguns prédios do governo e as igrejas.
Centro de Sófia.
Tendas vendendo livros numa das praças do centro.
Trilhos do bonde elétrico e prédios da era comunista.
Ruas transversais no centro.
Prédio onde mora a minha amiga: também em estilo comunista, e sem pintura.
Manhã na porta de uma loja no centro.

Na Bulgária as pessoas falam mais inglês que no Brasil. Não é comuuuum, mas você encontra vendedores falando inglês, especialmente entre a turma jovem. Ao dizer que é brasileiro, aqui todo mundo logo fala: "Ah! Sua presidente é búlgara!". (Os europeus quase sempre vinculam nacionalidade a etnia, ao sangue). Ao que eu logo corrijo dizendo que o pai dela é que era búlgaro, mas mesmo assim é sempre motivo de orgulho pra eles. (Pra quem não sabia, o pai de Dilma Rousseff era búlgaro, e o nome era originalmente Roussev, sendo depois alterado). Gostando ou não de Dilma, sinta-se à vontade pra usar isso pra puxar conversa na Bulgária. Quase sempre funciona.

Afora isso, nunca comente com um búlgaro que eles usam o "alfabeto russo". O alfabeto cirílico foi desenvolvido e adotado pela primeira vez na Bulgária, no século X. Depois é que os russos, ucranianos, sérvios entre outros o adotaram. Os búlgaros têm o maior orgulho disso. (O nome "cirílico" vem do fato de que ele começou a ser desenvolvido por São Cirilo e São Metódio, dois monges gregos, nesta região).
Mural com São Cirilo e São Metódio com o alfabeto no pergaminho, do pintor búlgaro Zahari Zograf (1810-1853) no Mosteiro Troiano, na Bulgária.
Lanchonete em Sófia, com o nome em vermelho no alfabeto cirílico.

Encontrei-me com minha amiga Romina pela manhã e ela me mostrou várias igrejas. Passamos pelo teatro nacional, e além disso ela me levou pra comer algo que disse ser típico: uma torta de biscoito com nutella bem boa (mas bem pesada também).
Igrejas arredondadas, de arquitetura bizantina.
Gravuras em madeira na porta da igreja.
Prédio do governo búlgaro, de arquitetura da época comunista.
Interior da capela, no estilo antigo do cristianismo ortodoxo.
Rotunda de São Jorge, um dos templos cristãos mais antigos do mundo. Do século IV, da época em que Sófia era ainda a cidade romana de Sérdica.
Igreja Sedmochislenitsi, nome dado ao grupo dos cinco discípulos de São Cirilo e São Metódio.
A Catedral de St. Alexandr Nevsky, da primeira foto do post, agora vista de outro ângulo.
E, finalmente, a minha torta de nutella.

Pra quem não sabe, nas igrejas cristãs ortodoxas espera-se que as mulheres cubram a cabeça de alguma forma, então várias andam com um lencinho ou algo pra pôr. Passeei com minha amiga, comemos a torta, e em seguida fiquei por minha própria conta.

Foi aí que descobri os belos preços e que testei minha habilidade de me comunicar com os búlgaros, às vezes em inglês, às vezes usando o básico de russo que sei (as línguas são parecidas, e os búlgaros escolados na época da Guerra Fria tinham que aprender russo). Os números são quase a mesma coisa, então ao menos dá pra saber os preços.

Comprei botas, casacos... cheguei no albergue feito um sacoleiro. Além disso, deu pra experimentar guloseimas tais como framboesas e abóbora assada na rua (muito bom!).
Abóbora assada, nas ruas de Sófia.
Copinhos com framboesas nas ruas búlgaras.

E por fim deixo vocês com o belo Teatro Nacional e o imponente Palácio de Justiça. Amanhã, iríamos ao Monastério de Rila, a poucas horas da cidade. Uma dos maiores atrações turísticas da Bulgária, e não sem motivo. Aguardem as fotos e verão.
Teatro Nacional da Bulgária.
Palácio de Justiça, com os leões à frente.
Do alto de uma das várias colinas verdes nos arredores de Sófia, alguns dias depois.

sexta-feira, 13 de setembro de 2013

O Reino de Lesoto

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Waka waka, é a vez da África! Desculpem-me interromper os relatos da Bulgária, mas preciso tirar já do forno a minha primeira experiência africana. Direto o Reino de Lesoto, um país independente encravado na África do Sul, e de difícil acesso a brasileiros, pois não há sequer embaixada dele no Brasil pra tirar visto. Normalmente é preciso mandar o passaporte a Washington DC nos Estados Unidos, ou tirar o visto em trânsito na África do Sul. Mas consegui um "atalho", já que fui a um evento com gente do governo de lá.

Provavelmente como você, eu pouco sabia de Lesoto. Fui ler a respeito e comecei com belas perspectivas: malas se perdem com frequência no aeroporto, e não há balcão de reclamações. Arranje translado antecipadamente, pois não há ponto de táxi. E a incidência de AIDS é de 23%, uma das maiores do mundo, chegando a 50% entre mulheres jovens na área urbana  portanto, nada de gracinhas.

Minha viagem começou com voos peculiares. No primeiro, de Salvador a São Paulo, a GOL me pôes na poltrona 13A, e qual foi a minha surpresa ao ver que a fileira de número 13 não existe.
Sem fileira de número 13 no vol da GOL. Justo a minha. Até onde chega a superstição das pessoas...

A comissária ficou confusa, e me disse que escolhesse qualquer outro assento. Por sorte o voo não estava cheio.

De São Paulo mais um voo, a Johannesburgo na África do Sul. Nesse, pouco depois de decolar, o piloto nos agracia com declarações suspeitas: "Eu quero avisar a todos que este será meu último voo, agradecer por tudo que passei, e se preparem pois amanhã terão uma surpresa ao chegar". ???. Você fica com aquela cara de "hã?". Adeus mundo cruel?

No fim das contas, ele estava se aposentando. Ao chegar, carros de bombeiro lançaram jatos d'água formando um arco para o avião passar por baixo, após aterrissar. Foi bonito, e o piloto estava bem emocionado. Por sorte, continuávamos todos no mundo cruel.

Em Johanesburgo eu aguardaria minha breve conexão para o aeroporto (de mosca) de Maseru, a capital do pequeno país de Lesoto. Lá você já ganha um breve sabor das cores e belezas naturais e humanas da África, mas também do seu temível serviço leeeeento para além do que se pode acreditar. É de se benzer com a mão esquerda, como diria a minha avó. Não há muita cultura de eficiência e presteza no atendimento ao cliente: você vê os atendentes no maior papo dentro da loja, sem nem olhar para você, e quando te atendem tudo leva uma eternidade. Trocar dinheiro (para a moeda sul-africana, que é aceita em Lesoto) me custou inacreditáveis 30 minutos. A mulher tem que fotocopiar seu cartão de embarque... ops! a cópia não ficou boa, deixa eu tirar outra. Preencher um formulário com os dados do seu passaporte, procurar na gaveta as moedinhas pra te dar a quantia exata... E seu olho não sai do relógio, vendo a hora de o seu portão de embarque fechar.

E fechou. Subiu-me aquele frio na espinha quando sai do balcão de câmbio, olhei "Maseru" no visor e vi "Gate closed" em vermelho. Corri feito um condenado. Ao chegar no portão, a menina ainda estava lá, e o ônibus que levaria as pessoas ao avião não havia saído. "Maseru?", ela me interpelou. E eu já falando descoordenadamente que pelamordejesuscristo ela me deixasse entrar. Deixou, com um olhar meio impassível, e eu embarquei.

Meia-hora só de voo separam Johannesburgo de Maseru. A bordo, quase todos africanos, alguns aparentemente pouco acostumados a viajar de avião. Um me perguntou onde era o banheiro.

Do alto, você vê a paisagem seca mas bela de Lesoto. Lembra talvez a imagem que temos do Arizona ou do Colorado.
Vista aérea de Lesoto, da janela do avião. Cadê o verde?
Vista já no pátio de pouso. Tudo parecia desértico e quieto.

No aeroporto, nada além da nossa aeronave. À entrada, uma faixa celebrava os 50 anos de Sua Majestade, o rei.
Caminho da aeronave ao saguão onde pegar as malas, no aeroporto de Maseru, em Lesoto.

Dali pegamos o carro do evento, que veio nos buscar, e fomos levados até o hotel. No caminho, você vê as penúrias e desigualdades da África. De um lado, hoteis chiques e repletos de funcionários prontos a te tratar com sir pra cá e sir pra lá. Do outro, a simples pobreza da maioria que não tem acesso às riquezas do país.

À beira da pista viam-se vacas, meninos correndo, jovens agasalhados (pois é inverno e aqui o termômetro pode chegar abaixo de zero), e casas simples construídas de forma meio que espalhada pelo terreno, quando não barracos.
Beira de pista em Lesoto.
Beira de pista em Lesoto. Arredores da capital.

Qual foi a minha surpresa ao, de repente, avistar algo familiar, do Brasil. Uma organização brasileira que parece que se sente particularmente atraída por áreas pobres e de gente necessitada.
Igreja Universal marcando presença em Lesoto.
Visão geral do ambiente, já na capital Maseru.
E, pra contrastar, o hotel onde ficamos e onde o evento se realizou.

Durante os dias seguintes tivemos uma agenda cheia de eventos dentro do hotel e, lá no fim, finalmente uma "saída de campo". As ruas não são tão perigosas quanto na África do Sul, mas também não são nenhum paraíso da segurança. Muito menos quando você é obviamente turista. De todo modo, há relativamente pouco a se ver na cidade. As maiores atrações são as trilhas pelas colinas e montanhas. Mas antes de falar da breve trilha que fiz num sítio histórico, deixem-me contar um pouco da experiência do dia-dia.

A África parece ter a morosidade do Brasil, mas sem a sagacidade do jeitinho brasileiro. Minha primeira impressão foi de, no geral, bastante apatia social  certamente herdada do colonialismo europeu e mantida pelas estruturas desiguais em que só uns mandam e nada se resolve. Há calor humano, mas os lesotenses não são tão soltos e confiantes quanto os brasileiros. Muitos são sisudos e te olham com certa suspeita. Não ache que vai encontrar aqui entre estranhos aquele mesmo sorriso aberto de um carioca boa praça ou de um baiano. Cuidado com o estereótipo do africano que, quando não está passando fome, está de sorrisão feliz-da-vida.

Por outro lado, ver africanos dançarem me deu uma nova dimensão do que é espontaneidade. Se para alguns a dança é um show, um espetáculo milimetricamente planejado como em muitas partes da Ásia, aqui é o contrário: deixa a música correr e se solta. Há as danças cerimoniais, mas, no geral, valem todos os movimentos: é um requebrado de joelho, de ombros... e como fazem isso bem. Parecem nessa hora esquecer completamente as mazelas sociais e nem de longe se preocupar com quem está olhando.

No lado gastronômico, como turista dá trabalho achar comida genuinamente africana. Os hoteis veem as comidas do povo como pouco sofisticadas, e em geral oferecem buffets internacionais que não são maus, mas não têm identidade nem personalidade cultural alguma. Cenoura cozida, frango assado, peixe à milanesa, salada de tomate, mousse de chocolate mal feito ... dã? Comemos as mesmas coisas a semana toda, e ao terceiro dia você já está doido. Da comida local mesmo, sobre a qual me informei com algumas pessoas de lá, eu só pude experimentar pouca coisa, basicamente um misturão de trigo com feijão (meio papinha), e um pirão de milho branco que não tem gosto mas dá sustança. Definitivamente não entraram para o rol de Melhores Comidas Que Eu Já Provei, mas gostei de ter tido a experiência.

Por fim, como você deve imaginar, a infraestrutura é precária. Internet é quase como nos anos 90: há limite de transferência de dados. Dá pra ler e-mails e talz, mas anexar arquivos é um horror. YouTube nem pensar. Há mais de um shopping na capital, mas lembram aqueles shoppings de classe média baixa de centro de cidade no Brasil. E mais da metade da população vive abaixo da linha da pobreza, então o acesso é pra poucos. Na maior parte do país não há nem mesmo ruas pavimentadas ou quadras, só pistas (para os ricos se deslocarem em seus carros importados do aeroporto ao hotel, e aos campos de golfe) serpenteando pelo terreno, com casas pobres aqui e ali, lembrando a zona rural do Nordeste.
Interior de shopping em Maseru, capital de Lesoto.
Crianças atravessam pista nos arredores da capital.

Foi perto desse lugar que fizemos uma breve trilha histórica por onde o Reino de Lesoto nasceu. Há uma meseta (planalto no topo de um elevado) onde, reza a lenda, o Rei Mushoeshoe (lê-se muxoxo) do povo Basoto se estabeleceu e de lá rechaçou várias tentativas de invasão, tanto de europeus quanto de reinos africanos vizinhos, como o de Shaka Zulu. De lá rolavam pedras, atiravam lanças, e não havia quem subisse. Reza a lenda que, no princípio do século XIX, quando Mushoeshoe se estabeleceu, pediu a um feiticeiro que protegesse o lugar. As pessoas subindo teriam a sensação de que o topo nunca chega (e eu confirmo que é verdade).

A subida no local não chega a ser um alpinismo mas requer um bom fôlego.
Subida para a meseta onde Mushoshoe fundou o Reino de Lesoto.
Vista do meio do caminho.
Vista lá de cima, com uma colega do evento.
No alto. Nem parece que você está num elevado.

Aqui tudo é seco, das três palavras-lema do país (como o "Ordem e Progresso" do Brasil), uma é chuva. A previsão é que fique ainda pior com a Mudança Climática Global. Apesar disso, algumas flores insistem em nascer, como na foto inicial do post.
Colega no túmulo do Rei Mushoeshoe II, lá no alto. Apesar da resistência, Lesoto acabou se tornando "protetorado" ...cof, cof... britânico, daí não havia mais reis. Só em 1966 a independência foi reconquistada. Atualmente temos o Rei Mushoeshoe III no poder.

Na festa de encerramento, tivemos um belo jantar cultural. O garçom se chamava "Prosa", o câmera era caolho, e no cerimonial tivemos um belo coral de jovens semi-nuas, cantando de top-less. Enquanto o olhar insistia em se fixar em certas partes, os ouvidos apreciavam bela música. Era tipo um coral natalino só que com um figurino diferente. Além das jovens, havia homens atrás envelopados em panos grossos de lã ou pêlo de cabra, típicos da região. Cantavam todos em bela harmonia, melhores até que alguns corais que já vi na Europa.
Coral em Lesoto. Homens em tecidos de lã, e garotas em trajes mais leves. As de top-less completo estão mais para o lado.

No todo, uma curiosa primeira experiência no continente africano. Esse foi um, agora faltam outros 53 países. Espero que outras oportunidades venham logo.

De quebra, pude sentir também um gostinho rápido da África do Sul. A razão? Perdi o voo. Saímos atrasados de Maseru, e acho que nem Usain Bolt chegaria a tempo no portão do embarque de Johannesburgo para o Brasil. "We have to rrrun", me disse a moça da companhia ao desembarcarmos, com aquele sotaque sul-africano vibrado no R como os italianos. Uma jovem negra e magra com seus 1,75m, e, além de mim, três tios com outros voos. Quem disse que eu competia com a mulher? Ao menos não com uma mochila de 8kg nas costas e um casaco me esquentando e atrapalhando ao passar por obstáculos básicos como a imigração e o detector de metais  todos furando fila, é claro.

Mas não teve outra, quando alcançamos o portão já estava fechado. Os tios ficaram pra trás ainda no princípio do trajeto. Ficamos eu e Leratu (a moça) aguardando a bagagem retornar, e a companhia me colocou no voo do dia seguinte. Um belo hotel, com mais comida-de-buffet-nada-a-ver-com-a-África, mas confortável. E uma escapada ao chocante Museu do Apartheid, que recomendo a todos.

Mas a África do Sul fica pra quando eu tiver a chance de passar mais um tempo lá. Breve, bem em breve.