quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Banzai! Chegando ao Japão e indo ao sumô

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Banzai! Chegando ao Japão: Imigração e o Primeiro Dia

Indo a uma final de sumô em Tóquio

Asakusa, Tóquio.

Bem vindos ao Japão! Há muitos anos eu queria vir pra cá, e finalmente a chance chegou. Estarei aqui durante quase um mês participando de um evento na Universidade das Nações Unidas esta semana e passeando em seguida. Não faltam coisas a ver nem a contar. O que nesses primeiros dias eu já percebi é que o que a gente sabe sobre o Japão no Brasil é a mera ponta do iceberg.

38 graus devia ser a temperatura... da minha febre quando embarquei no avião. Peguei uma gripe em Amsterdã, das que sempre circulam naquela cidade molhada, depois de uma bela viagem pela Escandinávia, e achei que fosse descansar nas 2h de voo até Roma e nas 12h de lá até Tóquio. Vale registrar que essa é mais ou menos a mesma distância até São Paulo, e você não imaginaria, né? O Japão parece tão longe... Culpe as projeções do globo feita nos mapas planos e que distorcem as coisas.

Doze horas depois, eu estava mais quebrado do que tudo. Não voem Alitalia. Comida péssima, insossa, e atrasamos porque na hora da preparação pro voo a tripulação entrou em greve. (Eu também fiz essa cara que vocês estão fazendo aí). Não sei o que resolveram, mas 1,5h mais tarde saímos, não sei se com a mesma tripulação (apaziguada) ou com outra.

Era manhã de sábado quando aterrissamos no aeroporto de Narita, meu ritmo de sono em parafuso completo depois de 9 horas de mudança de fuso horário, yuhu!

Narita é o aeroporto mais quieto por onde passei, rivalizando com os aeroportos de mosca de Jambi, na Sumatra, e em São Luís do Maranhão. A diferença é que em Narita passam milhões de passageiros - os japoneses é que são quietos mesmo. (A exceção ficou por conta de um japonês sósia de Joãosinho 30, um baixinho meio moreno e de cabelo cinza, vestido de verde e rosa e gritando sabe-se-lá-o-que. Vi a hora de ele cair no samba).

Na alfândega, uma surpresa: toda a informação em português, com videozinho narrado por algum nissei com sotaque paulistano e tudo. Até pensei fosse o dublador do Jaspion mas não era. Certamente se deve à grande quantidade de visitantes e imigrantes brasileiros, muitos deles de origem japonesa.

Passei tranquilo pelas autoridades, rezando pra as informações de orientação continuarem a estar também em inglês (o português é só imigração e na alfândega). Afinal, eu ainda precisava pegar um trem e chegar dali no albergue. E sem o inglês, meu filho, não há nem a mais remota esperança de ler nada.
Painel na área da tomada de trens no Aeroporto de Narita, Tóquio.

Mas felizmente o inglês continuou, e com a ajuda de funcionários muito educados e prestativos, conseguir achar meu caminho. Peguei uma linha de trem direta, cruzando subúrbios de Tóquio, e vim parar no distrito de Asakusa, onde estou hospedados. Tóquio, a maior cidade do mundo com mais de 35 milhões de habitantes, tem dezenas de distritos, cada um com suas características. Em Asakusa o forte são os templos e o jeitinho mais tradicional de ruelas onde as pessoas andam de bicicleta. Um belo mergulho cultural.
Uma das várias ruelas simples no distrito de Asakusa, Tóquio.

Deixei a mochila no albergue e fui matar quem estava me matando: a fome. Minha primeira experiência gastronômica no Japão e a primeira lição: esqueça essa ideia de que japonês só come arroz e peixe. Fui perto do albergue num bar de ramen, uma sopa de macarrão com um bocado de coisas dentro (a ideia que o macarrão instantâneo tenta imitar), e que aqui é pedido e tomado como num balcão de bar. Aqui, claro, o macarrão é feito de arroz e não de trigo. Ele aqui é o cuscuz com o ovo do trabalhador japonês.
Prato de ramen, espécie de "sopa" com macarrão e um milhão de coisas dentro (aquele pedaço de papel verde ali é uma alga).

E vai comendo no pauzinho mesmo, e aquela conchinha ali pro caldo. Os japoneses levantam o prato pra ficar mais perto da boca e vão sorvendo o caldo - coisa que no ocidente custa a eles uma dor de cabeça danada, já que tende a ser considerado falta de educação. Já aqui é uma sinfonia de gente chupando macarrão (que por sinal respinga por toda parte quando balança. É uma maravilha pra a sua roupa).

O detalhe é que aqui quase todos esses lugares funcionam com umas maquininhas onde você põe o dinheiro, aperta o botão do que vai querer, e ela imprime uma ficha que você dá pra o cara atrás do balcão. Detalhe que nem sempre tem fotinha. E como ninguém fala nada de inglês (e nem eu de japonês), cada vez é meio que um tiro no escuro.
Máquina de fichas para comprar comida nos restaurantes simples de Tóquio.

Voltei pro albergue e achei que teria uma loooooonga noite de sono, pra tirar todo o atraso. Que nada. Uma nova atendente, Kana, me apontou na parede o pôster da final de sumô no dia seguinte, e disse que eu tinha de ir pois seria o último dia da temporada. O problema é que as entradas já estavam esgotadas, então era preciso fazer fila 5h da manhã na bilheteria para ter alguma chance de pegar entrada da cota que eles vendem no dia. "Você já está com seu sono esculhambado mesmo, dá pra acordar", me consolou ela. Valeu, Kana.

Naquela noite, que foi agora nesse final de semana, chegou também o meu amigo letão (favor não confundir com leitão; letão é quem nasce na Letônia, país no nordeste da Europa, de onde ele vem). Coitado, dormiu menos ainda.

E o pior: Kana estava certa. Eu achando que ia dormir a noite toda (pelo menos até o alarme tocar às 4.30). Que nada, às 2.45h eu já estava acordado sem conseguir dormir mais. Enrolei na cama, depois fui acordá-lo na hora de dormir, e fomos juntos com uma garota do Colorado (EUA) pegar o primeiro metrô às 5.

O friozinho não estava perdoando, ainda mais parado na fila. Depois de se bater um pouco no caminho, achamos a bilheteria e já havia 10 pessoas no lugar, acampados, um até com um macbook. Por sorte, os japoneses têm um negocinho muito prático: um sachê barato que você sacode e uma reação química faz ele esquentar, e você pode enfiar nas calças, botar dentro do sapato (como eu fiz) ou o que for.
Banzai! Viva as invenções japonesas. Esse (que eu na verdade não faço ideia de quem inventou) é um sachezinho que esquenta.

Não, não foram os japoneses que nos deram de generosidade. A garota do Colorado já estava aqui há algumas semanas e conhecia, então comprou pra a gente na loja de conveniências. Os japoneses normalmente são na deles, e não abriram a boca pra falar com a gente hora nenhuma.

Duas horas e meia depois na fila, às 8 da manhã, finalmente rufavam os tambores anunciando a abertura das bilheterias. Uns policiais e funcionários faziam a ordem com o megafone.
Decoração pra a final do torneio de sumô, e a fila - que já havia crescido horrores e virado o quarteirão - na altura que compramos as entradas.


Demos uma volta, fomos comer, e de tarde voltamos para o torneio. Sumô é uma arte (já estou imaginando a cara de alguns de vocês ao chamar sumô de arte, hehehe). É um ritual que, segundo informação no evento, começou por volta do Século VI como parte de festivais tradicionais de vilarejos para honrar os deuses. O ringue de luta é feito de terra e com os arranjos de um templo xintoísta (mais sobre isso num futuro post), e é considerado área sagrada: não é qualquer um que pode pisar. Os lutadores, antes de combater, jogam sal no chão como forma de purificação. Aquelas pisadas no chão, também, são parte do ritual pra afastar os maus espíritos. Além disso, claro, há todo o código sobre como o lutador deve arranjar o cabelo e a roupa de acordo com a hierarquia, etc.

Basicamente, ganha quem puser o outro pra fora do círculo e fizer o oponente tocar o chão com as mãos, braços ou joelhos.
No Torneio de Sumô.
O dohyô, ringue de luta de sumô, e os dois oponentes se encarando. Os juízes da luta, de preto, sentam do lado de fora. De azul ali fica alguém que meio que rege a luta, que apita mas não avalia.

Pra quem quiser conferir, fiz (links mais abaixo) dois vídeos que mostram mais ou menos as cerimônias entre lutas e um combate. Percebam o tanto de ritual e preparação que há (inclusive o jogar de sal), em comparação à rapidez da luta em si.

E um show à parte, é claro, é a gritaria que os japoneses fazem. Você nem imaginaria que é aquele povo normalmente quieto, do tanto que gritam. Do nosso lado havia uma moça toda discreta, com cara inocente e boazinha de professora primária (franzina, de óculos), e dava cada grito que era capaz de o gordo lá embaixo se assustar. Era uma cadência de grito-foto-foto-grito-foto-grito. E quando um favorito dela venceu foi um chororô danado. Haaaja coração.

De quebra, tínhamos um negão divertidíssimo, casado com uma japonesa, e que tentava gritar mais do que os outros. "Atakanoyamaaa, seu vizinho está aqui!!". Entre um grito e outro em japonês, ele soltava alguma coisa em inglês que dava pra entender. Quem disse que ir ao sumô não é divertido?

Se bem que, pra ser sincero, não seria a minha praia fazer isso regularmente, mas como experiência valeu a pena. Pra a próxima, idas ao templo, e mais de Tóquio.