"Somos de Peru, carajo!!", dizia o homem com voz de Velho Barreiro na gravação. Estávamos num tour pelos arredores de Arequipa e, por alguma razão que desconheço, puseram o conversê gravado de um velho da roça no final. O veículo era um daqueles ônibus turísticos abertos onde as pessoas sentam lá no alto, e ao final nos puseram esse monólogo — com som de gravação do Disque Piadas — em que o velho contava um 'causo' e concluía com a assertiva nacionalista.
Antes do velho, tivemos 4 horas de Katy, a nossa guia, uma daquelas pessoas que falam como se estivessem permanentemente sorrindo (tipo Netinho, o cantor de axé do clássico "Oh Miiiillaaa") — e você percebe isso na voz. Some-se àquilo o hábito, estilo professoras do infantil, de pronunciar as palavras sílaba por sílaba para explicar as coisas (A-re-qui-pa!). Ela usava chapéu amplo, luvas finas de ladra, e lembrava uma versão persistentemente alegre de Carmen Sandiego.
Não foi um tour que eu exatamente recomende. (Este é o tour campiña, oferecido em Arequipa pelos seus arredores semi-rurais. Me pareceu bobo e pouco bonito. Afora algumas hortinhas, o entorno de Arequipa é pobre e tão seco que, só de olhar, dá sede.)
O mais memorável no tour foi quase tomar uma cusparada de um parente de lhama. Fomos (naturalmente) a um lojão caro, incluído no tour, para turista. Esse era de alpacas, lhamas, e produtos de lã desses camelídeos dos Andes (veja detalhes deles aqui). Um deles é o guanaco, um selvagem e que quase me acertou gosma na cara.
"Lhama cospe?", perguntaram-me aos montes. A resposta é: Cospe, e cospe longe (ou seja, cospe com força, e tomar aquilo na cara não deve ser nada legal). É uma forma natural entre elas e seus parentes de demonstrar desagrado ou irritação.
Resolveram mexer com o tal guanaco num corredor estreito, estilo zoológico, entre duas áreas gradeadas onde os animais estavam. Estávamos — eu e o meu grupo de turistas — transitando ali ("Olha como é bonitinho!") e dando ramo de planta para os animais comerem, até que o guanaco se irritou e lançou uma cusparada que, me pareceu, não acertou em ninguém. Só o grupo ficou dividido (entre os que já estavam mais à frente e os que ficaram pra trás), e daí em diante, colega, a sensação era de estar num corredor polonês com um sniper lá em cima esperando liquidar — com um líquido bem gosmento — o primeiro a passar.
Eu, naturalmente, me encontrava com aqueles que não haviam passado ainda. Foi pura adrenalina. O bicho urrava — ou seja lá qual for o nome do som que guanaco faz — e preparava-se pra lançar outra dose quando uma mulher se atreveu a passar gritando e correndo, com as mãos na cabeça como se fosse proteger-se de alguma coisa caindo do céu. O cuspe varou o alto e foi parar na área do lado oposto. Foi sorte as lhamas não terem revidado e iniciado uma guerra, ou estaríamos ferrados.
De repente, todos muniram-se daquele sentimento de "É agora ou nunca!" e atravessamos em grupo. Algum instinto primevo de defesa em manada deve ter entrado em ação aqui, e passamos ilesos.
Boa diversão quando for visitar as lojas de lã de alpaca.
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O meu amigo guanaco, antes de cuspe. |
O Peru é uma zoação tão grande quanto o Brasil, caso você tivesse alguma dúvida. Nas ruas da própria Arequipa, naquele mesmo dia, eu encontraria a seguinte "briga" do vídeo abaixo, proporcionada por uma casa de celulares seduzindo as pessoas a trocaram os seus aparelhos analógicos por smartphones.
(E caso você seja daqueles que dizem que "mulher bonita só no Brasil", verá também que não é bem assim.)
Ali, saindo de Arequipa, me aguardava outra linda viagem de ônibus de 6 horas até a cidade de Puno (ver Emoções de ônibus no interior do Peru). De lá uma viagem de trem me aguardava até Cusco, a capital histórica dos incas, no alto das montanhas, a 3.400m de altitude.
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Uma casa de frango assado em Arequipa. Será que esses renascem das cinzas? |