sábado, 29 de junho de 2013

Rumo ao interior da Turquia

Ao pôr do sol, eu estava sozinho caminhando por uma beira de estrada turca. Crianças, não façam isso em casa. Terminado o intenso dia em que visitamos Éfeso, as ruínas do Artemísion, a casa de Maria, com direito a paradas interessantes numa loja de couros e numa fábrica artesanal de tapetes turcos, o guia Mehmet nos deixou 5 horas da tarde de volta na cidade. De volta a Kusadasi, onde minha aventura turca começou. Recusei-me a retornar ao hotel de Sezgins, o enrolão, e de dar a ele o gostinho de pedir pra ficar lá mais uma noite e deixar pra viajar no dia seguinte, como ele havia espertamente sugerido. Em vez disso, saí com a mochila ao anoitecer à procura da rodoviária, determinado a pegar qualquer ônibus que me levasse a algum lugar.

A bem da verdade, eu queria era ir a Pamukkale, uma cidadezinha no caminho para a Capadócia. Eu já havia localizado um hotel razoável lá e mandado um e-mail de manhã solicitando a reserva. (Sezgins, obviamente, havia dito "Ah, não se preocupe, se vocês se atrasarem no passeio hoje eu ligo cancelando a reserva pra você e você fica aqui no meu hotel mais uma noite, e viaja confortavelmente amanhã". Quase mandei ele tomar no c...).

A rodoviária de Kusadasi não é tão bem localizada, e nem fica em nenhum centrinho bonitinho. Afastando-se da área turística à beira do mar (por onde eu cheguei), a cidade transforma-se numa paisagem urbana bacafú semelhante às pontas de estrada nos arredores de Feira de Santana, ou da região metropolitana de São Paulo, com as pistas, aquele chão meio de terra dos lados, e uma ou outra casa comercial vendendo peças pra carro, etc. Caminhei uma meia hora por esse cenário, perguntando por "otogar" a quem eu encontrava. Uma das minhas primeiras palavras em turco. E pra quem não percebeu, essa é uma corruptela do francês "autogare" (rodoviária). Não sei porque, mas a língua turca é cheia delas (Outra é "jandarma",  corruptela de "gens d'armes", uma polícia).

Quando cheguei lá já era de noite. Havia escurecido cedo. Com a minha pinta de mochileiro, logo os funcionários de companhia ficaram me gritando "Vai pra onde? Vai pra onde?", em inglês. Por sorte, já havia um ônibus saindo em poucos minutos e que passaria em Pamukkale. Me apressei pra comprar a passagem no guichê e entrei. Não houve problemas. Só esqueci de perguntar que horas chegava...

Dentro, um rapaz que me ajudou como intérprete numa conversa rápida com a funcionária da viação me disse que chegaríamos umas 23:30h. Maravilha, chegar a uma hora dessas numa cidadezinha do interior que você nunca viu, pra procurar hotel com uma mochila nas costas, num país onde você não fala a língua e que nem é tão seguro assim. Ê ideia boa. Mas, com sorte, ainda daria tempo de chegar e dormir no hotelzinho  isto é, se eles não cancelassem a minha reserva. Eu tinha o número, mas se chamasse do meu telefone com chip holandês os créditos evaporariam num instante, e ainda tinha muita viagem pela frente. Então interpelei o rapaz: "Quando custa pra você fazer uma ligação pra Pamukkale? E eu lhe pago. Sai mais barato do que se eu ligar do meu". No começo o rapaz ficou sem entender mas logo sacou. Pegou o número, ligou, e de quebra ainda falou por mim ao cara do hotel, que quando falou comigo basicamente disse "Tá ok, já entendi, estaremos esperando".

No fim das contas, o cara não me cobrou absolutamente nada. Quantas vezes a gente deixa de interagir com as pessoas e de resolver as coisas por conta de uma timidez boba...
Quem tem boca vai a Roma, e a Pamukkale também.

Chegamos lá já era perto de meia-noite. Não havia rodoviária; eles te deixam numa rua qualquer, deserta, e só havia uma casinha ou outra iluminadas. Parecia quase zona rural. Alguns poucos homens em carros parados ou à frente das casas ofereciam táxi e hotel, que eu recusei. Eu não quis tirar foto de noite, até porque não sabia o quão seguro era o lugar, mas o jeitão era esse abaixo. Agora imagine isso de noite.
O naipe de Pamukkale, no interior da Turquia. Parecia que eu estava chegando em Sertãozinho ou alguma cidade do interior do Brasil, dessas de estrada de chão, em que a gente chega com o carro e ve menino semi-nu correndo de um lado pro outro, aquele córrego cheiroso ali no canto, galinha ciscando ali do lado... aquele cenário todo.

E, de fato, haveria crianças de um lado pro outro, e eu avistei algumas galinhas. Mas isso só no dia seguinte. À noite, depois de caminhar sozinho por várias dessas ruas (graças a Allah havia placas indicando a direção dos hotéis, já que é uma cidadezinha turística), cheguei ao hotel, que como vocês podem imaginar é bem simples. Na entrada, os donos estavam ainda jogando gamão com uma luz acesa, e me entregaram a chave do meu quarto. Eu não quis nem muita conversa, e capotei na cama.
O meu hotel é aquele lá atrás, onde está parado o caminhão.

O raiar de um novo dia me pôs de pé. O hotel era simples mas agradável, assim como o café.
Varanda do hotel, onde ficam os quartos.
Descida para o café da manhã, com os donos já ali.
Típico café da manhã turco, com queijo salgado, legumes cortados, fruta e pão.

Enchi a xícara com um chá preto forte como o diacho, que eu botei achando que era café. Aquele ali da foto era outro, um chá de maçã enrolação feito com um pozinho, mas que não estava mal.

Pela manhã, finalmente, saí para fazer o que me trouxe a Pamukkale: ver as termas calcárias, ao lado das ruínas da antiga cidade romana de Hierápolis. Pamukkale em turco quer dizer castelo de algodão, e você vai entender o porquê desse nome. Mas primeiro, perdoem-me a vagareza, mas eu precisava de um café. Aquele gosto de chá preto na minha boca precisava ser retirado de alguma forma.

No caminho às termas, parei pra pedir informação e tomar uma xícara de café num estabelecimento simples, desses tipo "pai & filho", com algumas mesas do lado de fora.
Decoração simples mas bonitinha à frente dos lugares em Pamukkale.

O pai, querendo puxar conversa, veio arranhar umas palavras em inglês comigo. Pra dar chance a ele, comentei como há em todas as cédulas da lira turca a figura de Ataturk, o pai da república turca, um reformador que liderou a formação do novo estado turco em 1923 após o colapso do Império Turco Otomano ao fim da Primeira Guerra. Detalhe: Ataturk é um ídolo para o povo. O senhor reagiu com aquela expressão de "É claro!". E me disse: "No Ataturk, no money", como quem explica que se não fosse por ele não haveria a Turquia moderna. Dali eu puxei pra falar da guerra na Síria, e das revoluções nos países árabes. "Esses árabes...", respondeu ele, fazendo cara feia e mexendo a mão no ar, como quem dá uma palmada na bunda de alguém. Deixem-me dizer a quem não sabe que árabes e turcos não se gostam muito, ainda menos no nível político, talvez pela dominação do império Otomano aqui nesta parte do globo durante tantos séculos.

Terminei meu café e segui para as termas. As formações calcárias dão a impressão de que você está na Antártida cercado de gelo, mas na verdade são calcita trazida do subterrâneo pelas águas termais e depositada sobre as rochas. Você só entra descalços, e precisa se cuidar pra escorregar. Às vezes é firme, às vezes parece que você está caminhando em lodo, mas é muito legal.
Parece gelo mas não é. São formações calcárias em Pamukkale, o "castelo de algodão".
Nas termas em Pamukkale. De roupa porque a água é muito rasa pra se banhar, e nem eu tinha onde deixar minhas coisas.
Plantas e água em meio à paisagem branca em Pamukkale.
Vista em Pamukkale.

Um show à parte era assistir as turistas russas posando pra foto parecendo que estavam sendo fotografadas para a Playboy (e, bem, as próprias russas eram muitas vezes também um show).
Turista russa posando pra foto.
Turista russa posando pra foto.

Numa caverna, perto daqui, junto com o calcário as águas quentes vinham vapores tóxicos do subsolo. Era o chamado Plutonium, pois havia um santuário a Hades/Plutão, o deus greco-romano do mundo dos mortos. Diz-se que só uma classe especial de sacerdotes eunucos sobreviviam aos vapores. Originalmente, era associado também ao culto a Cibele, uma "deusa-mãe" cultuada aqui na Anatólia e depois absorvida pelos gregos e romanos. A caverna foi selada pelos cristãos no século III, mas supõe-se que os vapores continuam lá (algum eunuco se habilita?).

Isso era na época gloriosa de Hierápolis, a "cidade sagrada", que tinham essas termas como um spa local. Aqui o apóstolo Filipe foi crucificado de cabeça pra baixo. A cidade teve seu ápice nos primeiros séculos depois de Cristo, antes que terremotos e guerras a devastassem. Em seu ápice, 100 mil pessoas viveram aqui. Deixo vocês com algumas fotos das ruínas. A seguir, a conclusão da estadia em Pamukkale e a partida para a Capadócia.
Ruínas de Hierápolis.
Ruínas de Hierápolis.
Ruínas de Hierápolis.
Ruínas de Hierápolis.
Ruínas de Hierápolis.
Anfiteatro nas ruínas de Hierápolis.
  

2 comentários:

  1. Eeeeeeeeeeeta menino!!!
    Que negócio é esse de andar na rua de noite num lugar onde vc não fala a língua?
    Da próxima vez, faça uma dessas com um bela russa, que tal? hehehehehehe

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  2. uaaaaauu, garoto...cousa de louco...haha adorei a semelhança com a periferia das cidades brasileiras...haha parece zona rural de S Gonçalo ou la perto do Alto do Papagaio..haha...eita menino pirado..sÔÔÔr... so voce para essas aventuras..haha...adorei Pamukalle..a visao quente de Antártica... e as belezas das ruinas gregas....adorei tambem as flores...nao sabia das diferenças entre árabes e turcos..haha e nem de Filipe...parabéns pelas informações e experiencias, seu Marco Polo das Arábias..uaaauu...vamos que vamos..haha

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