sábado, 13 de abril de 2013

Indo ao Monte Kurama e ao banho nu nas fontes termais

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Indo ao Monte Kurama e ao banho nu nas fontes termais

(Fico a me perguntar se alguém vai abaixar correndo a barra de rolagem pra ver se tem alguma foto de mim sem roupa. Não, não tem, sinto o desapontamento ;-)).


Vista do Monte Kurama, na região de Kyoto.

Eu falei que Kyoto era num vale, e portanto cercada de colinas verdes. A foto não me deixa mentir. Essas construções de arquitetura japonesa em meio à natureza são algo ímpar. Passam uma paz imensa. Na primavera é mais movimentado, porque milhões de deslocam para vir ver as cerejeiras em flor; mas no inverno é mais tranquilo, então a paz é maior. Você tem várias vezes o lugar só para si. Na verdade, eu acabei vindo visitar o Monte Kurama ainda antes de explorar Kyoto propriamente dita. A razão não foi exatamente a das mais agradáveis.

Os fãs de animê dentre vocês certamente sabem de Kurama o personagem do YuYu Hakushô. Provavelmente poucos sabiam que há, na verdade, um monte sagrado com esse nome no Japão. O que menos ainda sabem é que eu tenho um cachorro com esse nome, "batizado" devido ao personagem e este, por sua vez, devido ao monte. Já é um cachorro de 11 anos, saúde fraca, e que estava bem mal  diríamos até que mais pra lá do que pra cá. Doença de pele, e havia suspeita de que fosse calazar. Pra quem não sabe, calazar no Brasil requer por lei o sacrifício do animal, para evitar a contaminação de humanos. Não é nada legal saber que o seu cachorro está nessa situação. Eu estava tentando evitar pensar no assunto, já que eu estava longe, e o pensamento só ia me entristecer. Mas não tinha como escapar: pra todo lugar que eu olhava havia referências ao monte Kurama  que eu sabia que existia mas nem fazia ideia de que ficava ali. No centro de informação turística, logo ao chegar a Kyoto, perguntei se havia na região algum onsen  (aquelas fontes termais tipicamente japonesas onde as pessoas tomam banho nu; eu não podia passar pelo Japão sem essa experiência). A senhora do balcão me deu um sorriso animado. Levantou até o dedinho com aquela cara de "Ah! Peraí, eu tenho um ótimo". Abaixou-se e pegou um panfleto detrás do balcão: Kurama onsen, e disse que era o melhor da região. Parecia perseguição.

Desisti de lutar contra e de tentar não pensar. Resolvi fazer exatamente o contrário: decidi que subiria o monte quase que como uma peregrinação, pensando em nada mais que a saúde dele, e parando em cada um dos templos que existissem no caminho. Era uma terça-feira dessas bem cinzentas, e às 8 horas da manhã ele iria fazer o exame derradeiro  no horário do Brasil. Eu, com 12 horas de diferença, tinha o dia todo na frente, e resolvi passá-lo dessa maneira.

Quando ainda era cedo eu peguei o trem que leva de Kyoto até Kurama. Há um percurso bom de caminhada pelo monte que vai desde o vilarejo de Kurama até o vilarejo de Kibune, também nas proximidades. No inverno, é mais legal fazê-lo vice-versa, ou seja, descer do trem em Kibune e de lá caminhar até Kurama, subindo o monte, visitando o templo, e terminando tudo com o onsen (as fontes termais). Decidi que esse seria o meu trajeto.

Descendo do trem perto de Kibune, não há dificuldades. Como podem ver abaixo, há um painel com instruções detalhadas.
Painel explicativo pra quem desce do trem perto de Kibune.

Bom, não havia pistas, mas por sorte eu havia me informado antes de vir e tinha uma noção geral das direções que deveria seguir. Descendo do trem, há uma breve caminhada de 20 a 30 minutos por uma estrada parecida com aqueles cenários por onde você via o carro do Jaspion ou do Jiraya passando. Só que agora eu podia parar e atentar pra a natureza ao redor.
Estrada da estação de trem até Kibune, nas proximidades do Monte Kurama.
Chegando a Kibune. Tranquilas casinhas com água corrente por perto.

A água correndo dá uma tranquilidade imensa. Fui chegando a Kibune, e a vila em si não tem muita coisa. Pra dizer a verdade, não tem praticamente nada, a não ser um templo bonito que as pessoas vêm visitar.
Escadas para um templo xintoísta em Kibune.
Pavilhão de templo xintoísta a um deus da água. Aquelas duas cordas penduradas ali na entrada estão presentes em quase todo templo xintoísta. Você sacode, e perto do teto há algo que faz barulho, tipo um guizo grande. Ali é pra chamar a atenção dos espíritos antes de você fazer a sua prece. Quando não há aquelas cordas, a pessoa bate duas palmas firmes, e com as mãos já juntas, ora.

Naquele folheto ali que eu tenho em mãos há uns detalhes desse templo  para aqueles que gostam de saber das histórias. Esse templo foi fundado há mais de 1.600 anos, embora eles não saibam precisar exatamente quando. É dedicado ao Okami-no-kami, uma deidade das águas, mas não o deus da água propriamente dito  este seria o Mizuhanome-no-kami. Okami-no-kami, a deidade deste templo, é o provedor de águas, na forma de chuva ou neve, e portanto cultuado pela população já há muitos séculos seculorum. Desse culto é que veio a ideia (muito boa por sinal) de se conservar as fontes naturais de água.

O povo do templo passa um sabão na atitude moderna dos japoneses que degrada as árvores e as florestas ao invés de conservá-las, diz que é uma vergonha e que é hora de resgatar esse "espírito japonês" de conservação que estava aqui presente antes.
Falando em água, as meninas aqui tiraram um papelzinho da sorte. Nesse você tem que colocá-lo na água e as letras aparecem conforme o papel se umidece.
E pra não acharem que o templo é retrógrado, olha só: YouTube e Facebook.

Deixado o templo, você sobe o monte num caminho mais ou menos assim:
Trilha pelo Monte Kurama.

Dizem que por essas trilhas muitas comitivas do imperador (já que Kyoto está aqui tão perto) e muitos samurais já passaram. Foi aqui que treinou um dos samurais mais famosos do Japão, Benkei, que dizem ter tido 2m de altura (mais provavelmente os outros é que eram baixinhos e exageraram) e que derrotou 999 samurais numa ponte. Como você pode deduzir, ele foi vencido no milésimo combate; mas não morreu, passou a lutar ao lado daquele que o derrotou (quantas vezes a gente não vê isso nas histórias de animê?).

A caminhada seguia cada vez mais pra cima e cada vez mais para dentro da floresta. Poucas pessoas passavam por mim, e às vezes eu passava por uns portões desertos como esse da segunda foto abaixo.
Trilha pela floresta do Monte Kurama.
Caminhando pelo Monte Kurama.

Depois de umas 3 horas de caminhada, e passados muitos altares quietos, você chega do outro lado, no Templo Kurama, um templo budista fundado no ano 770.
Frente do pavilhão principal do Templo Kurama. (Notem que não tem a corda com o guizo pra você balançar e fazer barulho. É um dos indicadores pra você distinguir os templos budistas dos xintoístas).

Até uma corrente própria ter sido formada há algumas décadas atrás (a Kurama-Kokyo), esse templo pertencia à corrente Tendai do budismo, um segmento da grande corrente Mahayana. Pra quem eu estiver falando grego, ou que achar que budismo é só ficar sentado meditando, ou que não é religião, recomendo consultar esses termos na internet se quiser saber melhor. Em resumo, o Tendai reconcilia as práticas budistas com as crenças nas deidades xintoísticas e com a estética japonesa. Os budistas Tendai simplesmente dizem que esses deus da água, deus do fogo, deus de não-sei-o-quê são seres superiores que vieram trazer ensinos à humanidade. Além disso, aceitam os vários elementos da estética japonesa (ex. a cerimônia do chá, as artes) como expressões dessa realidade superior, em lugar de desprezá-las como se fossem distrações inúteis.

Foi aí a minha oração principal. O ambiente é muito agradável. Você deixa os sapatos do lado de fora, e dentro há uns incensos queimando, e há uma área com tatami onde você pode se sentar ou, mais comumente, ajoelhar-se repousado sobre as pernas (como que sentado sobre os calcanhares). Desse momento em diante eu sabia que meu cachorro iria ficar bom.

Relaxei. Estava com fome. E queria tomar banho. Desci aos poucos as escadarias do templo, até chegar à base  perto já da pequena estação de trem  onde havia as termas e um hotel. Cheguei à recepção do hotel e procurei me informar sobre qual era o esquema pra se banhar (no onsen, é claro). Descobri os preços, mas não estava aguentando a fome.

 "Melhor primeiro tomar o banho e comer depois, não?", me diz a japonesa com aquela cara de japonesa.
 "Em teoria, é. Mas eu estou com fome. Quero comer logo."

Ela também não insistiu, e me conduziu ao restaurante do hotel, em stilo de ryokan. Ryokan são aquelas construções tradicionais japonesas, com tatami no chão, porta de correr, paredes de madeira, e mesinhas baixinhas onde você come sentado no chão. Muito bonitinho, mas, meu filho, como doem as costas... se você não estiver acostumado, acho que a postura requer uso de uma série de músculos que você nunca usou. Affe. Saí do almoço quebrado, e doido pelo onsen mesmo.
Escadarias descendo do Templo Kurama.
Par de estátuas protetoras, comuns à entrada de templos budistas. Um animal sempre tem a boca aberta (como que fazendo o som "A" e outro a boca fechada, fazendo "hm"). Uma japonesa me explicou que são o primeiro e o último som, portanto o início e o fim, como que para indicar que entre um e o outro está tudo, toda a criação. Pra quem achava que a história de Alfa e Ômega só existia no ocidente...

Toalhinha refrescante, que os japoneses costumeiramente te dão antes da refeição num restaurante. É para limpar as mãos, não o rosto. Por outro lado, aqui eles nunca te dão guardanapo.
Meu almoço. Vamos lá: arroz branco grudadinho, cebola frita, tempero verde e gengibre aqui embaixo, molho de soja, tofu temperado ali no meio (com mais uns temperos por cima), e no fogareiro principal uma sopa de cogumelos da montanha com ervas da região e tofu.
Entrada da pequena estação de trem em Kurama.

Mas antes de pegar o trem eu tinha um compromisso com a cultura e com a minha higiene. Fui para o banho nu (mas ainda de roupa). Por sorte o almoço foi leve.
Let's keep public morality!!!

Na foto não saiu tudo, mas o regulamento diz que você não pode sob circunstância alguma entrar de roupa. Nem traje de banho nem nada. Antes que os pervertidos se animem, é normalmente dividido homem e mulher. (Dizem que nas mistas só rola coroa tarada). Há uns armários onde deixar seus pertences, e você vai pra a água só com uma pulseirinha de borracha com a chave do seu armário. Mas não pode entrar nas termas ainda: primeiro é preciso tomar banho e se lavar. (Tá pensando que isso aqui é o piscinão de Ramos?). Na lateral há uns banquinhos com chuveiro, sabão e xampu, e eles solicitam que você tome o banho sentado.
Área de se lavar junto às termas.
Não podia mas eu consegui tirar uma foto numa hora em que não tinha ninguém. Há onsen de vários tamanhos no Japão; essa é uma pequena, mas o calor da água é natural, e as colinas ao redor dão uma sensação magnífica.

Quando cheguei (e tirei essa foto) não tinha ninguém. A água é pelando. Estava frio do lado de fora, mas dentro da água você fica rapidamente pegando fogo, mesmo que isso soe paradoxal. A sensação de estar nadando pelado na água quente, respirando um arzinho frio, e sentindo a natureza ao redor é única. Depois dessa comecei a cogitar ir em praia de nudismo.

Por alguns 10 a 15 minutos tive as termas só pra mim, depois foi chegando gente. É interessante essas coisas de homem: você percebe que ninguém nem se olha no olho, nem dá boa tarde nem o escambal. Você tipo finge que os outros nem estão ali. E depois de um tempo você desencana, e deixa de parecer algo "anormal", estar ali pelado em meio aos outros. Afinal, isso são hábitos.

A água quente depois de um tempo, pra mim, começa a ficar desconfortável. Acho que se você for do tipo que gosta de sauna, vai gostar muito e ficar lá horas. Mas se for calorento, não vai aguentar nem 20 minutos. Pra mim 25-30 minutos foram o suficiente. Você sai da água e fica ali pelado, sentindo o arzinho frio de inverno, e ainda leva tempo até você começar a sentir realmente o frio (estava coisa de 10 graus ou menos).

Me vesti de novo, bem mais limpo, e segui até a estação para pegar o trem de volta para Kyoto. Chegando lá já era quase noite. O povo no Brasil devia estar ainda acordando. Lembro que nesse dia fui dormir cedo. Acordei no dia seguinte sabendo que abriria os e-mails e que lá estaria o "vivo" ou "morto". Sendo negativo, eu não sabia exatamente como a coisa ia se desenrolar na prática, mas nessas horas a cabeça da gente é muito criativa e trata se imaginar as piores cenas possíveis. Não desejo essa sensação pra ninguém.

Abri os e-mails com a maior tranquilidade que pude ter, e felizmente lá estava o resultado que eu queria ver: vivo. Calazar negativo. Trocamos de veterinário e ele ficou bom. Graças a o que, eu não sei.

3 comentários:

  1. Nossa migo que jornada épica!
    Adorei todo o post, sobretudo o fim.
    Apenas devo te lembrar que se vc for numa praia de nudismo não tire fotos hahaha

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  2. kkk
    Adorei seu texto
    e que bom para o cachorro!

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  3. Legal! Fui num onsen também mas tava lotado. Tinha uns 60 homens mas foi relaxante. Como ninguém olhava pra mim parecia até que eu era invisível huhauhkauha

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